O Círculo de Giz Caucasiano

Críticas   |       |    10 de setembro de 2007    |    2 comentários

Como uma montagem de Brecht deveria ser?

O prólogo é projetado na forma de documentário, exibindo momentos de uma oficina que a Cia. do Latão realizou em acampamentos do MST. Neste vídeo, eles ensaiam um conflito entre os proprietários de um determinado pedaço de terra abandonado durante a guerra e aqueles que tomaram conta da região durante o perrengue.

O Círculo de Giz Caucasiano estabelece uma metáfora entre esta questão da posse da terra e a história de Miguel, um bebê filho de um governador assassinado durante uma revolta. Abandonado pela mãe, mais preocupada em salvar sua própria cabeça (e seus modelitos), é salvo por Grusha, uma empregada que põe sua própria vida em risco para cuidar da criança.

O espetáculo é tudo aquilo que eu imaginava que seria uma antológica montagem brechtiana. A direção é precisa e competente, todos os elementos postos em cena colaboram com a construção da narrativa, o grupo apresenta total afinidade com o texto e com a linha dramática de Brecht, e todos se agarram à proposta com seriedade e um forte engajamento romântico (ou seria romantismo engajado?).

Certamente o ponto mais alto é o elenco, impecável. Vale também mencionar a decisão mais que acertada de se usar uma música ao vivo e os atores cantando em coro, demonstrando uma excelente preparação vocal e a sensibilidade de não aproximar estes momentos do formato dos musicais em que a forma é mais importante do que o que é dito (ou melhor, cantado). A construção de cada personagem nos permite encontrar facilmente referenciais para personagens ou realidades tipicamente brasileiros – caso, por exemplo, do “corrupto-porém-justo” juiz Azdak, dos guardas que abusam do poder, entre muitos outros. Ou será que é o texto de Brecht que é universal?

Talvez a única ressalva que possa ser feita é no ritmo de condução do espetáculo. A impressão é de que a primeira parte da peça, que conta a trajetória de Grusha, se arrasta muito mais do que a segunda, em que ocorre o julgamento no qual é definido quem ficará com a guarda do menino Miguel (e quando ocorre a célebre prova do círculo de giz, em que ambas as mães devem puxar o garoto, ao mesmo tempo, para fora de um círculo). São duas horas de apresentação dos personagens e situações, para que o conflito se estabeleça (e se resolva, claro) apenas nos momentos finais. Tudo bem, o texto é assim, mas é aí que entra o papel do grupo de garantir que a primeira parte seja tão estimulante quanto a segunda.

Neste momento o leitor deve estar se perguntando onde estão as piadinhas (invariavelmente de mau gosto) deste texto. Pois é, eu também pergunto. A verdade é que é uma montagem tão, mas tão séria que fica até difícil de encontrar elementos de descontração para tornar o texto mais com a cara da Bacante. E isso definitivamente não é um problema quando a criação teatral tem a qualidade e a riqueza desta montagem. Só é uma pena que, apesar de ter tudo o que eu esperava de uma montagem antológica de Brecht, eu não tenha me surpreendido ou me empolgado especialmente com nada. Vai ver que é exatamente porque eu já esperava algo assim, mas um pouco de surpresa vai sempre bem, né?

3,5 horas de espetáculo

'2 comentários para “O Círculo de Giz Caucasiano”'
  1. nayara rocha disse:

    Vocês não teriam como disponibilizar a peça para download? Não consigo encontra-lá.

  2. astier basilio disse:

    Meio difícil, Nayara.
    Dá uma olhada nesse link. Tem uns precinhos bem baixos: http://www.estantevirtual.com.br/q/CIRCULO-DE-GIZ-CAUCASIANO

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