Pequenos Milagres

Críticas   |       |    6 de agosto de 2007    |    4 comentários

Quando pegar um ônibus ganha outro sentido

Foto: João Marcos Rosa


Às vezes a gente vai ao teatro buscar novas linguagens, novas propostas, novos significados ou novas referências. Tem gente que vai ao teatro buscar novas formas de enrolar antes de comer pizza – pra fome ficar maior, sabe? Tem ainda os alcoólatras sociais e os sociólatras alcoólicos, que vão ao teatro como um pretexto pra tomar espumante nacional a preços módicos.

Independentemente do que as pessoas procuram, não é incomum elas se esquecerem de que o teatro também serve para aquela que, possivelmente, foi sua primeira utilidade: contar histórias.

Foi pensando justamente em contar histórias que o grupo Galpão concebeu Pequenos Milagres, espetáculo escolhido para comemorar os 25 anos da companhia. A proposta, apesar de não ser a mais criativa do mundo, é legal pra dedéu: fizeram uma campanha incentivando as pessoas a enviarem suas próprias histórias, de preferência relatos surpreendentes. A partir deles (foram centenas), o grupo escolheu quatro para basear o espetáculo.

Mais do que contar histórias, eles as contam muito bem. Tão bem que a platéia (ou pelo menos a platéia da poltrona B-09) embarca rapidamente nas propostas, se identificando e se emocionando com tudo aquilo que vê. E principalmente acreditando naquilo que vê – não daquele jeito de fingir que o que vemos é de verdade, mas com vontade de realmente embarcar naquele faz-de-conta (Olha só, gente! É a frase mais piegas da Bacante até agora!).

E não é pouco o que a platéia vê. Além do grande elenco (não o “grande elenco” como das peças do Juca de Oliveira, mas grande elenco porque é grande mesmo – na quantidade de pessoas e em seu talento), vemos iluminação e sobretudo cenografia com uma qualidade visual e funcional que vemos cada vez menos em grandes produções. A multiplicação dos significados das palavras e dos objetos parece não ter limites, conseguindo deixar frases banais – como “não esqueça a passagem” ou “tome um taxi” – sublimes. O cenário é um espetáculo à parte (olha o clichê aí, gente!): como um imenso armário, ele consegue guardar trincheiras, postes, sinos, guarda-roupas, um barraco e tudo mais que a encenação necessitar.

Nas histórias escolhidas, um ex-expedicionário relembra do amigo que morreu em seus braços, uma menina do interior sonha em um dia usar um vestido deslumbrante, um casal fodido subitamente vê a oportunidade de melhorar a vida em um programa de televisão. Tudo isso é costurado pela história de um menino interiorano de 11 anos que viaja sozinho para a capital para ajudar seu irmão menor.

O título, mais que adeqüado, é emprestado do livro homônimo de Will Eisner, que conta pequenas histórias tão banais e tão fantásticas como as apresentadas no espetáculo. Além do título, Eisner também empresta uma cena que não é exatamente inédita no palco brasileiro – fazia parte de Avenida Dropsie, compilação da Sutil Companhia das histórias do quadrinista. Da mesma forma como na peça de Felipe Hirsch (não adianta, cansei de fazer piadas com o Gerald Thomas toda vez que cito o Felipe), aqui a cena funciona plenamente, causando a mesma reação do público, encantado.

Ao final do espetáculo, um momento raro na cena paulistana: a platéia demonstra verdadeira satisfação por aquilo que acabou de ver, aplaudindo longamente (bem mais do que o tempo padrão do “gostei e tô com fome”). Muito diferente do que presenciamos todos os dias, com a platéia aplaudindo de pé qualquer espetáculo por educação, esvaziando todo o significado de se ovacionar aquilo que realmente é feito com qualidade.

4 histórias muito bem contadas

'4 comentários para “Pequenos Milagres”'
  1. Sérgio Salvia disse:

    Caro Maurício, cuidado com o grande falsificador! Bem antes de Avenida Droopsie, houve uma adaptação de Eisner chamada “Pessoas Invisíveis” feita por…Grupo Armazém. Ou você acha que maus hábitos não são sempre velhos hábitos?

  2. Maurício Alcântara disse:

    Oi Sérgio! Infelizmente não cheguei a assistir a “Pessoas Invisíveis”, que inclusive já ouvi dizer que é melhor que Avenida Dropsie. Particularmente, gosto muito de Dropsie. Quando vi que teria Pequenos Milagres no FIT, me confundi e por um instante pensei se tratar dessa montagem do Armazém… Sabe como é, armazém, galpão…

  3. alan disse:

    eu acho o galpão super mass

  4. RR disse:

    O Galpão é um grupo muito comprometido com a classe e com a originalidade nos processos de criação. Pequenos Milagres já esteve em São Paulo com sucesso de público é crítica. É maravilhosa e vale cada centavo pago pelo ingresso. Muitos grupos deveriam aprender com eles a mágica da criação teatral. Claro que o patrocínio da Petrobrás faz toda a diferença.

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