Quartett
Beth balança o CCBB
Quartett, que em sua temporada paulistana está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), é uma peça cuja força reside no texto e na interpretação. Justamente por isso, o cenário é simples, branco, quase inexpressivo. O único destaque é, ao fundo, uma projeção em vÃdeo do Rio de Janeiro. Não se trata, entretanto, do Rio dos cartões postais, dos turistas: o que vemos é o lado urbano da cidade maravilhosa, cheio de prédios, que poderia ser confundido com qualquer outra aglomeração urbana se não fosse pelo detalhe da Ponte Rio-Niterói. Já a época é quase impossÃvel de precisar, e talvez seja este mesmo o propósito: o duelo entre Valmont e Merteuil é atemporal.
Sim, Quartett é basicamente um duelo, um embate feroz entre duas personagens: Valmont (interpretado por Guilherme Leme, aquele ator que dominava as novelas no final dos anos 80) e Merteuil (interpretada por Beth Goulart, aquela atriz que faz parte daquela famÃlia cheia de atores. Trata-se de um jogo de dominação e de sedução, em que as personagens não medem esforços para sobrepujar os desejos dos outros (quaisquer que sejam estes outros) com o intuito único de garantir o seu próprio prazer. Vale tudo nesta guerra que mistura amor e cobiça, onde não há espaço para a moralidade e sobram mentiras e traições.
Esta história já é conhecida do grande público pelas diversas adaptações cinematográficas do texto original de Chordelos de Laclos, que incluem, entre outras, Ligações Perigosas e Segundas Intenções. Mais especificamente, Quartett é baseado na adaptação feita pelo dramaturgo alemão Heiner Müller, na qual as personagens têm sua ferocidade aumentada e ganham um vocabulário de fazer corar uma prostituta. O texto é repleto de frases ásperas, ditas com uma malÃcia e com um veneno que poderiam encher um cálice de vinho (e algumas vezes o fazem…). Não se trata portanto de uma peça pra levar a sua vovozinha carola, pois, com certeza, ela vai se sentir extremamente ofendida com o teor sexual e anti-religioso do que é dito. Talvez não seja o caso de indicar pra Babi Heliodora, portanto!
Ao adaptar o texto, Heiner Müller manteve em Quartett apenas as personagens Valmont e Merteuil, que representam, eles próprios, todas as demais personagens do texto original, enquanto se divertem encenando os jogos de sedução que aplicam em outras pessoas.
É neste momento que a peça se torna um poderoso exercÃcio de interpretação: no jogo cênico proposto pelas duas personagens ocorre a inversão de papéis: Beth Goulart interpreta Merteuil que interpreta Valmont, enquanto Guilherme Leme interpreta Valmont que interpreta Madame Turveil, fiel e devotada mulher casada que será levada a trair seu marido em decorrência das situações criadas por Valmont. É a peça dentro da peça. Este recurso vai se repetir novamente quando Merteuil interpreta a jovem e inocente sobrinha virgem Cecile que vai ser assediada por um Valmont extremamente afiado nas técnicas de sedução. É o momento dos dois atores brilharem, alternando situações cômicas e dramáticas.
Apesar da competente atuação de Guilherme Leme, Quartett é, acima de tudo, um veÃculo para o talento de Beth Goulart, que leva o público à s gargalhadas ou o deixa estarrecido com o que diz na sua interpretação das três personagens. A atriz literalmente se desdobra em cena. Em determinado momento é traÃda pelo seu figurino e termina “pagando peitinho”, quando seu corpete escorrega um pouco deixando o bico do seio à mostra.
Além de brilhar em cena, a influência de Beth também vai além: Beth deu à luz (é importante compreender que isso ocorreu fora de cena, 25 anos atrás, portanto, calma!, você não vai ver esta cena no palco do CCBB) o adaptador e tradutor do texto de Müller: João Gabriel Carneiro.
Ao final, a atriz, que também é Supervisora de Produção da peça, agradece ao público e dá dicas de espetáculos que estão em cartaz em São Paulo: o espetáculo dos papais Paulo Goulart e Nicete Bruno (O Homem Inesperado), do irmãozinho (o espetáculo “Adoráveis Sem-Vergonhas”, direção de Guilherme Leme e com Paulo Goulart Filho no elenco) e a peça “Cachorro” (anunciado por Beth como um excelente espetáculo de um jovem grupo carioca, e que, estranhamente, pelo menos até onde sabemos, não tem nenhum parente no elenco).
1 atriz que faz drama, comédia, mulher sacana, homem sacana, mocinha virgem, promoter teatral e ainda paga peitinho (ufa… tudo isso em um espetáculo de 70 minutos)
adoro a Beth, assisti a dulpa fazendo o espetáculo decadência a anos atrás, e ela é simplesmente maravilhosa!