Retratos e Canções

Críticas   |       |    4 de março de 2008    |    0 comentários

Como seriam as rádios FM no palco?

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Fotos: João Valério/ Divulgação.

Quem é que não tem uma (ao menos uminha) música cafona entre suas preferidas? Daquelas que ruborizam só de pensar que alguém pode descobrir que você – pessoa de família e de bons modos – ouve aquilo às escondidas? É justamente a partir dessas músicas – ou melhor, de suas letras – que é feita a peça Retratos & Canções. Cada uma das falas que compõem as histórias dos personagens Carol, Tadeu, Diana e Marvin foi minuciosamente pescada nos cantos sempre obscuros da música popular. É referência pra tudo que é gosto: Xuxa, Ivete Sangalo, Latino, Roberto Carlos, Leandro e Leonardo… Nada mais adequado a uma vasta fonte como essa do que falar de paixões, traições e amores platônicos. Rá, sempre imaginei que as clássicas canções de corno tinham um infinito potencial dramático…

Logo na entrada do espaço, duas coisas chamam a atenção: a primeira é o público, que não era composto pela tradicional patotinha do teatro, muito menos os sujinhos do teatro dito “alternativo“. Uma platéia limpinha e cheirosinha ali, naquele mesmo espaço onde eu assisti, anos atrás, A Filosofia na Alcova. Sinal de que o Espaço dos Satyros está alcançando uma pluralidade de espetáculos e públicos cada vez maior – o que, à primeira vista, é ótimo, mas é sempre bom lembrar que há casos como o do vizinho, o Teatro do Ator, que também tem um público bem plural – espectadores de show de hipnose, peças espíritas, shows de drag queen e comédias sem palavrão…

O outro elemento que chama a atenção é a produção do espetáculo – com figurinos, iluminação e sobretudo cenografia com um nível de detalhes raro nas montagens que vemos por ali: mesinhas, fotos, móveis, livros, foto da Roberta Miranda, tudo muito chique e muito cafona – nada contra o cafona, minha gente, até porque é essa a estética que a peça assume desde seu início.

Bastam as primeiras falas para que a platéia comece a identificar suas referências musicais e a rir com as construções dos diálogos. O que nos primeiros minutos de espetáculo é curioso, rapidamente tem sua fórmula desgastada – desde o começo percebe-se que as possibilidades de músicas são infinitas, mas fica clara a opção por contar uma história radicalmente simples – como se fosse aliviado o lado da dramaturgia para dar maior atenção à colcha de retalhos de letras de músicas.

A forma que as interpretações assumem também servem a esta escolha mais que textocêntrica (existe a expressão versocêntrica?). Os atores, apesar da boa relação que têm com seus personagens, insistem nessa interpretação que evidencia forçadamente cada fio de cabelo no meu, ops, cada festa lá no meu apê. Os risos permanecem na platéia – no começo, mais, depois ficam mais esparsos mas ainda surgem. Nada de grandes gargalhadas, apenas risinhos que se divertem com canções de outrora e com a forma como se encaixam nos diálogos.

Ao fim do espetáculo, permanecem as mesmas questões que nos tem surgido a cada comédia que assistimos: quando o público ri, a comédia já está justificada? E o que ocorre com uma comédia movida por uma proposta diferente como essa de se construir com fragmentos do cancioneiro popular? O que é mais importante: o riso, a coesão da proposta ou o desafio de buscar um resultado mais surpreendente e inquietante do que uma colcha de retalhos?

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