Toalete

Críticas   |       |    2 de julho de 2007    |    0 comentários

O toalete do teatro teria sido melhor

Não pedimos foto pra assessoria porque a peça não merece.

O cartaz de Toalete prometia que eu faria xixi de tanto rir. Se eu tivesse pagado pelos ingressos, teria pedido meu dinheiro de volta alegando propaganda enganosa. Melhor, teria dado cabeçadas na parede por ter gasto algum dinheiro com um espetáculo tão ruim. Felizmente me sentei longe do palco, pois a vontade era a de arrancar o tênis e arremessá-lo com a esperança de atingir algum dos atores. Fiquei frustrado por não haver motivos para carregar um tomate ou leguminosa na mochila (não até este dia), senão teria arriscado o arremesso lá do fundão mesmo.

Pois bem. Como o título já sugere, o texto de Walcyr Carrasco propõe uma bisbilhotagem em um banheiro feminino de um hotel de luxo, por onde passam todos os estereótipos-padrão presentes nas piores comédias comerciais (que apostam na mesma fórmula de sucesso): nordestinos, evangélicos, secretárias-amantes, cariocas, louras burras, patricinhas e socialites fúteis, góticas lésbicas, prostitutas, pobres, muçulmanos, e, claro, homossexuais, invariavelmente afetados e espalhafatosos (e que invariavelmente se travestem e adoram uma peruca loira).

Todos eles desfilam em um verdadeiro circo de aberrações: são personagens e situações tão sem profundidade que até mesmo o humorístico Zorra Total consegue ter uma construção de personagens mais elaborada. O espetáculo aposta no mau gosto e no preconceito para tirar risadas gratuitas o tempo todo, duvidando da capacidade mental da platéia. Deste jeito fica fácil de se fazer teatro, pegando uma forte carona no formato do extinto Sai de Baixo, de cujas piores temporadas participou a atriz Márcia Cabrita, também presente neste elenco.

Além do universo do toalete, não existe nenhum fio condutor de todas as histórias, sendo que muitas delas nem sequer se caracterizam como histórias, de tão pobres que são. Se assemelham, em todos os sentidos, aos quadros de A Praça é Nossa, em que o personagem aparece, gorfa algumas piadas prontas e em seguida desaparece para todo o sempre. Para que se tenha uma idéia do quão grotescas são estas esquetes, em uma delas uma personagem conta: “Eu estava vindo para cá e no carro eu decidi fazer um boquete no Arnaldo. Veio um carro e bateu atrás, e eu engoli o pau do Arnaldo.” Uma fineza só.

Mas a platéia, quase lotada, não se incomoda com uma peça que menospreza sua inteligência. Pelo contrário, delira com a chuva de bocetas, putaqueparius e vaitomarnocus vociferados aos montes, e ao final aplaudem com a mesma satisfação com que aplaudiriam o show de piadas de Ari Toledo (que está em cartaz a poucas quadras dali). É graças a espetáculos como estes que o teatro não é levado a sério: qualquer estratégia de formação de público desce pelo ralo (ou melhor, pela privada) quando não existe padrão algum de qualidade no que é oferecido. E o pior: este desserviço à cena teatral é beneficiado pela lei Rouanet.

Enfim, depois de pouco mais de uma hora e meia (que pareceram uma eternidade), um desfecho terrivelmente ruim, como já era esperado. Como eu espero que depois desse texto os leitores da Bacante queiram passar longe do teatro Gazeta, não vejo problemas em contar o que acontece: com um rapidíssimo monólogo sentimentalóide no momento “solidariedade, a gente vê por aqui”, a única personagem presente em todas as cenas – uma faxineira evangélica – conta que quanto mais ela trabalha no toalete, mais ela acredita que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. Enquanto William Shakespeare se revira em seu túmulo, ela se masturba com um vibrador. E viva o requinte e a nobreza da arte teatral.

1 merda (não no sentido teatral da palavra)

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