Uma Pilha de Pratos na Cozinha
Silêncios Bortolottianos
Leia também a crÃtica de FabrÃcio Muriana sobre este espetáculo.
Escrita por ocasião da Triologia da Praça Roosevelt (realizada no Satyros em abril deste ano), Uma Pilha de Pratos na Cozinha, de Mário Bortolotto, teve suas duas últimas apresentações neste domingo, lotando o Espaço dos Satyros Um. Eu, inclusive, assisti da escada e recomendo o lugar (adooooro ficar no meio).
Recentemente, a obra foi desastradamente chamada de esboço por Sérgio Sálvia Coelho, o que é muito injusto, afinal, ela está completinha, recheada de praticamente todos os clichês “bortolottianos”: tem o Bortolotto (interpretado pelo Otávio Martins melhor do que pelo próprio Bortolotto), tem a Fernanda D’Umbra (cujo papel foi marotamente roubado pela Paulo Cohen – a interpretação dela fica, por incrÃvel que pareça, num nÃvel muito próximo do da protagonista original) e, finalmente, tem até jazz, whisky e palavrão.
Mas, se fosse só isso, nem valeria a resenha, não é mesmo? Era só reler alguma crÃtica antiga e pronto. No entanto, neste caso, o autor usou um recurso surpreendente, sobretudo pra quem está acostumado com sua verborragia: o silêncio. São, pelo menos, vinte minutos sem uma palavra (me perdoem se eu tiver chutado muito errado, mas perdi a noção do tempo). E são os melhores minutos de peça!
Não que sejam os únicos bons momentos, afinal, não posso deixar de dizer que o elenco estava afinadÃssimo, imprimindo um ritmo muito rápido e verossÃmil ao texto irônico e, neste caso, bastante triste do autor. Também não posso deixar de fazer a ressalva sobre o quanto os dois personagens coadjuvantes – um pianista de boate GLS e um gay-enrustido-evangélico-sÃndico – são construÃdos em cima de clichês consagrados e chatos. O primeiro personagem citado, para piorar, foi também interpretado de maneira clichê, com um exagero que, ao invés de caracterizar o personagem, parecia pertencer a uma insegurança do ator que precisou buscar cacos de interpretação fracos para usar como muleta.
A história da Cris, que segundo o FabrÃcio “morre mais do que as pessoas normais”, é triste e complicada, mas poderia ser relativamente nada-de-mais. No entanto, só a sutileza da metáfora-tÃtulo – uma pilha de pratos simbolizando um tempo que não passará mais e uma relação que não terá novas chances – já faz com que seja um relato especial e comovente. Além dela, outros detalhes são esenciais para completar a narrativa: as ironias do personagem “Júlio Bortolotto”, o ambiente frio em que tudo se passa e, sobretudo, o abraço com as mãos sujas de detergente, o mais longo e quieto da história.
4 pacotes de pratos descartáveis
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