Vestido de Noiva
Nelson dos Satyros: Feito Para Você
Foto: Divulgação
Fim da tarde de sábado, aquela fila quilométrica para conseguir ingressos gratuitos na Paulista ganha um novo endereço, na mesma avenida: em vez do Teatro Popular do SESI, agora era a vez do Itaú Cultural ter um espetáculo teatral disputado. A atração em questão era a montagem dos Satyros para Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues – com tanta demanda que optou-se por fazer uma sessão extra (vantagens de apresentar um espetáculo tão cedo – 19h30).
A pergunta que sempre vem quando um clássico recebe nova montagem é: faz sentido? Se sim, como essa peça deve ser montada? Afinal, até clássicos – por mais importantes que sejam – envelhecem quando suas montagens não dialogam com o momento em que são realizadas. Nesse contexto, a resposta do grupo da Roosevelt (desta vez fora da Roosevelt!) foi trabalhar o texto rodrigueano além do universo rodrigueano, apostando todas as fichas em sua contemporaneidade e universalidade (desvinculando ao máximo a obra do dramaturgo da cena carioca da primeira metade do século XX). E o resultado final indica que eles não perderam essa aposta.
A dissociação do universo do Rio de Janeiro acontece parcialmente. Por mais que o cenário, os figurinos, a trilha sonora e os personagens estejam livres da forma tradicional, ainda é difÃcil fazer esta cisão em nossas cabeças – o que também não chega a ser um problema (afinal, por mais distanciada que a encenação seja, não há motivos para forçar a barra só pra fazer de conta que aquilo tudo não acontece no Rio, não é mesmo?).
Além desse deslocamento para um tempo e espaço mais etéreos e menos realistas, o que mais se destaca na montagem é a ruptura com o formalismo didático que as marcações originais do texto traziam em 1943. Depois de 65 anos, com a evolução do cinema, a explosão da indústria cultural, a disseminação da cultura do videoclipe e o excesso crônico de informação, são grandes os indÃcios de que as transições entre os planos da realidade, alucinação e memória podem ser captados por um público que não precisa mais de tais didatismos e linearidades para compreender uma obra.
A tentativa de romper com estes limites e formalismos funciona, despindo o espetáculo de racionalismo e realismo, e garantindo espaço para explorar um universo menos careta e mais onÃrico – um onÃrico não tão radical como o do cineasta David Lynch (e talvez, por isso, mais acessÃvel), mas que se utiliza de recursos e linguagens que dialogam muito com a obra do malucão americano (com direito a coelhões e tudo!). O cenário – inteiro branco – remete a um imenso vestido de noiva (claro, com toda a breguice que um vestido de noiva carrega, por mais moderno que seja) e a montagem brinca o tempo todo com as simbologias e o imaginário coletivo por trás do imaculado traje.
Outro elemento que dá grande força para este onirismo são as projeções – linguagem que a companhia vem estudando em diversas montagens. Algumas cenas ganham força quando somadas à imagem projetada, mas em outros momentos o uso do recurso ainda é ingênuo. O flerte com o cinema (mais até do que com o vÃdeo – linguagem que talvez dialogasse melhor com a proposta fragmentária que o grupo traz para suas montagens) aqui mostra-se muito mais forte do que nas montagens anteriores, mas muitas vezes ainda tem um papel muito mais visual do que dramático: as intervenções em que o vÃdeo não é usado em forma de vinhetas ainda são tÃmidas.
Fora isso, são pouquÃssimas as rebarbas: uma intervenção com a platéia (através de uma bola imensa) perdida no meio do espetáculo poderia ser melhor explorada e ganhar mais sentido para a cena; estranha-se uma projeção que lembra a bandeira da Suécia quando, na verdade, o público deveria ver uma cruz; e uma trilha sonora que, se peca, é pelo excesso – em alguns momentos, era preferÃvel que não houvesse trilha a perceber que o som aumentava e diminuÃa em função das falas. Pequenos ruÃdos que interferem na fruição de um espetáculo ousado e intrigante.
Por mais complexa que essa experiência rodrigueana possa parecer – e por menos linear que seja a proposta de encenação -, a sensação que fica é a de ter visto um espetáculo que comprova o que já era imaginado: ainda pode fazer muito sentido montar Nelson. No final, só permanece estranha a relação do Itaú Cultural com o teatro: por quê eles fazem questão de manter uma enciclopédia de teatro quando, na prática, não possuem uma programação teatral? Não vou nem entrar no mérito de ser uma enciclopédia online cujas atualizações já nascem desatualizadas em tempos de Wikipédia e conteúdo colaborativo. Ops, entrei no mérito, foi mal.
Será essa curta temporada o inÃcio de uma tradição da instituição com as artes cênicas ou servirá apenas para fazer um confetinho marqueteiro? Seria bom se fosse o inÃcio de uma programação gratuita e permanente, inclusive com espaço para novos grupos – o tamanho da fila e o sucesso do Teatro Popular do SESI indicam que demanda para isso não falta.
15 atores fazendo compras no CEP 01104-000
e quem não ama Nelson? louca para ver a montagem… um beijo.
olá, não sei o que todos veem nos satyros, não gosto das suas montagens e seu teatro lembra mais um dark-room
“Toda a unanimidade é burra.” – Nelson Rodrigues.
Dark-room: mais um motivo pra eu gostar dos satyros!
Cheguei duas horas mais cedo no domingo pra pegar convite para o último dia de apresentação. Não consegui. Foi engraçado ver os classe média (como eu) tal qual em fila de INSS pra pegar ingresso “di grátis”. O teatro é o ópio dos cults.
[…] | duas | […]
Achei fraca e boba a montagem, principalmente a atuação da protagonista.
Pois é, esse povo da “classe média” devia ter um pouco de noção e deixar a oportunidade de ver um espetáculo como este tão rico se tratando de uma peça de Nelson Rodrigues, para pessoas que nem sempre tem a oportunidade.
Você da “classe média”, tem dinheiro para pagar e não precisa ficar na “fila no INSS”.. Francamente, povinho medÃocre….
Tá tudo bem, Lúcia?
Sim e vc???
Aqui tá tudo ótimo também.
😀
Que ótimo para vc!!!!!
= )
😀