Neyde Veneziano e Fernando Calvozo

Bate-Papos   |       |    11 de março de 2008    |    2 comentários

Neyde Veneziano, curadora do I Festival Ibero-Americano de Teatro de São Paulo

Depois de passar pelos corredores esquisitos do Memorial da América Latina – que dão a incrível sensação de estar no buraco do metrô, só que sem os trilhos – cheguei enfim à salinha onde trabalhava incessantemente (pelo menos assim parecia) a produção do I Festival Ibero-Americano de Teatro de São Paulo.

Neyde Veneziano, aquela que “introduziu o teatro de revista na universidade” segundo Jô Soares em 1994, recebeu-me para uma entrevista rápida. “Ele sempre diz que é rapidinho”, brincou, referindo-se ao Jardel, produtor da coisa toda e campeão de corrida durante estes dias de festival. Cheia de papéis, terminou de passar os olhos por alguns e assinar outros antes de começarmos.

Eu queria que você explicasse um pouco mais qual é a linha que sua curadoria segue, ou seja, qual foi o seu critério de seleção pra que houvesse uma unidade entre essas peças do festival?

Então, essa história de fazer festival temático está muito na moda. É festival de teatro de rua, festival de teatro, festival do riso, você já define o gênero e assim dá um perfil pra este festival. No nosso caso, este é o primeiro, então a primeira questão já está clara: é ibero-americano. A segunda exatamente por ser o primeiro e ter sido preparado em quatro meses, a gente diz assim: “fizemos um painel miniaturizado do que é a produção ibero-americana”. Por que isso? Porque se a gente fechasse em gêneros, em linhas, em determinado tipos de teatro, a gente não teria conseguido montar o festival. Além disso, alguns critérios foram respeitados. Um é convidar companhias que não vêm normalmente ao Brasil e que são desconhecidas do público de propósito. Não procurar companhias comerciais e sim grupos que já desenvolvem o trabalho há algum tempo, por exemplo o grupo de Cuba está fora do circuito comercial, o grupo da Bolívia também. São grupos que desenvolvem pesquisas de linguagem, esse tipo de coisa. A gente não está determinando assim: “novas propostas de linguagem”. Não. É mais no sentido de grupo. Na América Latina, não no Brasil, eles tratam esses grupos como grupos independentes. Em São Paulo, a gente tem o fomento, mas na América Latina a maioria não tem, então são grupos que sobrevivem graças ao esforço individual e à determinação. Agora, alguns têm uma linha naturalista e outros são de uma linha mais de pesquisa corporal e de novas linguagens cênicas. Então isso realmente varia, o festival não tem ainda esse perfil, talvez o ano que vem tenha, talvez o próximo depois do ano que vem tenha mais ainda. Então a gente pretende receber o público que não está acostumado a ir ao teatro e que este ano está reagindo de uma forma, o ano que vem reage de uma maneira melhor e no outro melhor ainda. Da mesma forma, no ano que vem vamos ter condições de trazer mais público ainda, mas sem fechar num determinado gênero ou estilo, porque se fechar não revela a produção ibero-americana.

Esta idéia de receber um público não acostumado a teatro está relacionada ao fato de a programação ser gratuita?

Sim. Essa é a proposta do Memorial. O Memorial como construção, quando foi concebido, já foi concebido pra isso. No site do Memorial fala: “a vocação é o encontro”.

Reunir diversos países num festival dá um trabalho grande. Comente um pouco isso, quais foram suas principais dificuldades?

São muitas as dificuldades. A primeira é com relação a como conseguir que os atores trabalhem aqui. Foi preciso inclusive consultar um advogado, porque alguns têm que ter visto de trabalho. Tivemos que pensar em como viabilizar a vinda deles. Às vezes, eles querem vir, mas eles também têm problemas de visto nos seus países. Por exemplo, cuba, os dois de Cuba, quando nós demos o ok das passagens, aí é que eles foram ver os vistos. Os do México, depois de tudo em ordem aqui, dois do México desistiram e a gente teve que substituir pelo da Bolívia quando os programas já estavam feitos. E graças a deus a gente recebeu o apoio do Valter Maltra que achou um da Bolívia em 24 horas e em 48 horas eles estavam aqui, porque Bolívia não precisa de visto, mas normalmente entra consulado, embaixada, o governo de lá, como vai trabalhar aqui, declaração daqui, exatamente o que a gente vai dar pra eles. Depois de tudo isso, começa a parte técnica, quantos refletores precisa, etc. então a gente dividiu em várias equipes. Tem equipe de recepção nos hotéis, tem motoristas, comida, tem os anjos que acompanham, então são várias equipes e a logística toda do festival, que é enlouquecedora.

E quanto aos brasileiros? Qual foi o critério? Como escolher numa cena tão rica e conhecida?

Os brasileiros realmente foi mais difícil selecionar, porque não era um edital, em que os grupos se inscrevem pra participar, nem era um concurso, nem era um festival amador que todo mundo participa. Então foram convidados pensando numa representatividade. Pensei que o TAPA era muito representativo do trabalho de grupo, o Ferro em Brasa porque a gente queria apresentar no circo e queria fazer uma apresentação muito popular e eles têm esse estilo circense, né? O musical do Hoje é dia de Rock exatamente porque pra sessão das sete a gente queria uma coisa mais adolescente e deu certo, a peça Babine, o parvo também é mais adolescente. Então, eles foram escolhidos de acordo com as expectativas que a gente tinha com relação aos públicos, com relação aos horários e também com relação a representatividade no sentido do trabalho de grupo. E, o primeiro, que abriu, que foi A Descoberta das Américas, do Rio de Janeiro, eu escolhi pelo tema mesmo. É sobre um cara que fugindo da polícia entra por engano no navio de Colombo e ele fica por aqui, morando entre os índios e acaba virando um deles e se revolta contra o colonizador. É uma comédia, mas é um texto muito cruel sobre a forma como se deu a colonização da América.

Teatro de Bolso foi uma idéia sua?

Não, é uma idéia do Fernando Calvozo e do Jardel. Eles sopram a idéia e aí eu acato. Ou não. Mas foi pra deixar um espaço pra performance, quem queria se inscrevia, a gente dizia sim ou não, dependendo. São apresentações de no máximo dez minutos pra entreter mesmo.

Fernando Calvozo, diretor de atividades culturais do Memorial da América Latina

Elegante e tranqüilo, Fernando Calvozo foi entrevistado no espaço mais brega do Memorial, uma partezinha do foyer com poltronas e um tapete vermelho. Brega, mas muito útil, já que as poltronas são bem confortáveis. Segundo as pretensões do idealizador e coordenador do evento, aquele espaço em que conversamos se tornará, em 2009, uma tenda para abrigar o Teatro de Bolso, espaço destinado às esquetes, performances ou trechos de peças de no máximo dez minutos. Na entrevista abaixo, ele conta como surgiu a idéia, admite alguns equívocos e revela planos de melhoria e expansão para uma possível e provável próxima edição.

Como surgiu a idéia do festival e como você entrou em contato com a Neyde para a curadoria?

Quando eu vim pro Memorial e assumi a diretoria de atividades culturais, eu senti que aqui não tinha teatro, porque aqui nós temos um auditório e o auditório não tem uma caixa preta, não é um espaço próprio pra teatro. E tem muitos eventos que são montados hoje, acontecem amanhã e depois de amanhã são desmontados. Então, o fato de você fazer uma temporada teatral aqui poderia atrapalhar toda a agenda do Memorial. O Memorial não tem essa cultura de fazer uma temporada, de ficar um mês ou dois meses com o mesmo espetáculo, chamando o público ou atraindo público. Quando percebi isso, conversando com o nosso presidente, nós concluímos que o jeito seria agregar uma quantidade de peças e fazer um festival, aproveitar um espaço tão grande com um mote forte. O Festival Ibero-Americano acabou nascendo disso, porque nossa temática aqui no Memorial, os povos e países latino-americanos e em decorrência disso acabou puxando também nossas raízes, os portugueses, os espanhóis, acabou virando ibero-americano, porque a gente foi influenciado por eles, eles já faziam teatro quando a gente nem existia ainda. Eu já tinha trabalhado com a Neyde ano passado, a Neyde é doutora em teatro pela Unicamp e leciona na Unicamp também e eu falei pra ela, ela até diz no texto que eu soprei uma idéia pra ela. E ela na hora falou “nossa, o espaço é encantador, você acha que a gente consegue agregar tudo isso, dez dias? O auditório não é muito grande?”. Eu falei: “não, a gente divide o auditório em dois, platéia A e platéia B”. aí começamos a delirar nesta idéia, eu trouxe a idéia pra cá pros diretores e pro presidente, eles aprovaram e o festival acabou nascendo no ano passado, só que não deu tempo de fazer o ano passado, por algumas dificuldades de captação. Mas ele já tava embrionário em 2007, a gente até tentou, chegamos a conversar com algumas companhias, muitas delas estão aqui hoje. Nós explicamos que deixaríamos pro próximo ano até pra pensar mais na idéia e as pessoas acabaram aceitando, até porque estavam todos na correria pra vir… o Brasil é um país distante dos outros, né? O Brasil, não, São Paulo. Nós estamos longe do México, de Cuba, de Portugal.

Essa questão de dividir platéia A e platéia B foi uma tentativa de solucionar estes problemas, digamos, técnicos que você apontou?

Exatamente. A gente não tem as bambolinas adequadas, as varas de iluminação, não temos a sonorização adequada. O teatro hoje tem muita inovação, muita tecnologia. Tinha uma peça que tinha uma tela transparente, tem espetáculo em que o cenário é todo de projeção, então tem essa tecnologia que pede dedicação ao palco. E se nós tivéssemos a caixa preta, toda essa estrutura que um teatro realmente tem, acho que estaria bom, daria tudo certo. Agora, a divisão desse palco gigantesco, favoreceu e a gente passou a ter dois bons palcos pra teatro. Nós fizemos as fugas, as pernas estão lá pra favorecer as fugas e criar coxias mais amplas, porque este auditório não permitia isso e deu certo. A gente pensou em reduzir um pouco a altura, mas hoje deu super bem, na peça de estréia também, então acabamos vendo que algumas coisas são adaptáveis e acaba dando tudo certo.

O Festival vai ser anual?

Nossa idéia é que seja. Vamos ver se temos patrocinadores que queiram continuar com o Festival. Este ano tivemos a American Tecnologic que nos ajudou. Tivemos apoio da própria Fundação Memorial e alguns outros não em dinheiro, mas em alimentação, gráfica, etc… a gente vai diminuindo custos, né? Mas nós temos idéias, sim, de continuar.

Existe a pretensão de ocupar mais espaços no Memorial?

Já neste ano, nós tivemos a abertura do lado de fora e a gente vai ter uma peça, Ferro em Brasa, que vai acontecer no circo, um espetáculo de circo-teatro, um drama escrito por um português em 1860 e adaptado por essa companhia brasileira do Fernando Neves e vai ser encenada nesse espaço diferente. Claro, a gente ta fazendo devagar, porque se a gente começar a dividir, divide também o público e ainda é novidade o festival. Então, espero que no ano que vem a coisa já esteja bem sedimentada a ponto da gente poder fazer mais uma sala de um espetáculo mais intimista, alguma peça mais trabalhada que você precise ouvir melhor. Até pela dificuldade de compreensão da língua espanhola ou do português de Portugal. Então, uma sala menor talvez favoreça isso. Quem sabe no ano que vem a gente possa pensar nisso. Claro, cometemos alguns erros. Que bom que eu já vi alguns, estou corrigindo agora, há outros que só vou conseguir corrigir no próximo, mas tudo isso é enriquecedor. Por exemplo, o Teatro de Bolso que a gente faz aqui, não achei que ficou bom, porque o som aqui reverbera muito. Ontem, nós tínhamos o foyer lotado e um barulho infernal, o que é muito legal, mas a peça não corria legal lá. Nós trouxemos uma esquete de dez minutos uma peça adaptada do Machado de Assis, a Cartomante, muito legal, biscoito fino mesmo, e ninguém viu, não dá projeção de voz, não sei onde vai parar o som nesta abóboda imensa.

Falando desta peça mesmo, A Cartomante, teve direção sua?

Não, não, não teve direção minha, não. Eu fiz a adaptação.

Na programação de um festival tinha seu nome na produção artística e direção geral.

É, então, eu fiz a produção desse espetáculo na primeira fase, fiz a produção e a adaptação e foi a Elvira que dirigiu integralmente desde o começo. Muito boa a direção dela, ela achou uma boa solução, porque quando eu entreguei o texto, eu sinceramente não via a solução da direção. E eu até mudei depois. Eu reescrevi o texto 12 vezes, conforme acompanhei os ensaios. Eu, particularmente, gosto muito. Ontem ficou prejudicado por causa do barulho, mas hoje, por exemplo, deu certo, que era um espetáculo de dança.

Você pretende manter o projeto? Como foram divulgadas as inscrições e quais os critérios de seleção?

Eu pretendo manter. Eu também produzo peças e o que eu gosto de produzir é pra itinerar pra viajar. A idéia é fazer itinerante, viajar pra mostrar textos brasileiros de grandes dramaturgos brasileiros, fazer uma montagem bem nossa, com a nossa cara. Isso é que me motivou a pensar num festival aqui, não só o fato de não ter teatro aqui no Memorial, mas também por saber que faltava isso em São Paulo, São Paulo não tem um festival de teatro. Então eu acho que o festival veio pra ficar. Acho que o Teatro de Bolso também tem que acontecer, mas não do jeito que está. Eu estava pensando até em trazer uma lona, montar uma lona aqui dentro, aqui onde nós estamos, não vai ter um lounge. Coloca forração no chão, todo mundo senta no chão, vai ter um picadeiro lá e as esquetes vão acontecer ali. Não sei se vai vingar. Até pensei em fazer numa outra sala, mas aí tira as pessoas daqui, aí fica parecendo uma mostra paralela.

Quantos grupos, aproximadamente, se inscreveram pro Teatro de Bolso?

Os grupos de Teatro de Bolso foram provocados. A gente mandou… eu mandei, a Neyde mandou, a gente mandou pra quem a gente conhecia e mandamos espalhar. E espalhou. A gente recebeu aqui mais de cem contatos de companhias que tinham interesse em fazer. E a Neyde foi pelo viés da latinidade ou do texto ter a ver com o viés do Festival.

Impossível assistir todos?

É, não dava pra ver todos. Alguns foram palpites: “olha, esse é bom, eu assisti”, “Fernando, você recebeu essa proposta, esse é bom!”. Então, acabou acontecendo dessa maneira. É claro que, eu acho que tem que ser mais democrático. E vamos abrir também a mostra principal pra América Latina. Pra Europa, não, Europa eu acho que tem que ser convidada mesmo, Europa, nós fomos, a Neyde esteve na Espanha e assistiu, eu estive em Portugal e assisti tanto Dorotéia quanto Babine, o parvo. Então, o de Portugal e Espanha acho que tem que continuar por aí mesmo, na base do convite, mas na América Latina acho que a gente pode abrir, receber as propostas. A gente vai lançar isso já no final do ano, talvez em outubro, a gente deve estar lançando e mandando já as inscrições: “mande a sinopse do seu espetáculo”, divulgando aí pela América Latina. E se vier de outros países mais difíceis do ponto de vista de serem atingidos, como Nicarágua, Honduras, Costa rica ou Panamá, que venha, a gente está aberto pra isso, acho super importante. Outra coisa nova que acho importante dizer é que eu acho que tem que ser legendado a partir do ano que vem. Os portugueses não precisa, a gente perde uma palavra ou outra, mas não precisa. Os brasileiros também não. Agora, os espanhóis, nós temos seis espanhóis, eu acho que precisa sim, porque você perde às vezes um sentido muito peculiar do dramaturgo. Ontem, na peça do Uruguai, muito interessante, um ator maravilhoso e até pra mim mesmo, que já tenho mais familiaridade, ouço melhor o espanhol, ficou alguma coisa a desejar. Mas vai ter legenda no espetáculo italiano e acho que os dois últimos vão ser também legendados, acho que vai dar tempo de colocar legendas.

Sobre estar localizado no Memorial, claro que a idéia partiu do próprio Memorial, mas tem a idéia de expandir pra outros teatros da cidade?

Nossa, eu adoraria. Qualquer outra instituição, entidade que tenha interesse em fazer conosco, estamos abertos pra conversar. Eu acho que a gente pode fazer um recorte desse festival e fazer uma mostra paralela, ou uma mostra só de teatro brasileiro, ou outras linguagens, a expressão corporal, o teatro de bonecos, por que não? A gente poderia fazer o teatro de bonecos numa outra praça, quem sabe num Sesc? Quem sabe no Itaú Cultural? Acho que está aberto à discussão.

'2 comentários para “Neyde Veneziano e Fernando Calvozo”'
  1. aline disse:

    Oi, me chamo Aline e fa̤o parte de um grupo de teatro em minha cidade РFeira de Santana, gostaria de saber se ̩ possivel ter acesso a um edere̤o de e-mail para contato direto com Fernando Calvozo? Gostaria de obter mais informa̵̤es sobre um progeto dele. Aguardo resposta.

  2. Alexwebmaster disse:

    Hello webmaster
    I would like to share with you a link to your site
    write me here preonrelt@mail.ru

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