Batendo papo na tarde chuvosa (!) de Brasília

Blog   |       |    8 de setembro de 2009    |    1 comentários

O Cena Contemporânea de Brasília 2009 promoveu uma série de atividades para além dos espetáculos, valorizando a idéia de refletir sobre o teatro ao mesmo tempo em que o fazemos ou o prestigiamos.

Na minha concepção, há, por enquanto, duas fragilidades ou, como diriam em linguagem de RH,  oportunidades de melhoria.

Em primeiro lugar – e voltarei a esse assunto em outro texto – o Seminário de Cultura e Protagonismo Social ficou desvinculado do restante da programação, de modo que não aconteceu o promissor encontro entre o teatro legitimado pela curadoria do circuito de festivais com outras formas de cultura popular e, principalmente, com um movimento político e social que, ao discutir cultura, discute teatro, e em um âmbito fundamental – mobilização e política pública. Havia, claro, representantes de instituições que trabalham o teatro como uma de suas expressões, mas, salvo engano meu ou exceções, poucos dos presentes ao Festival, entre artistas, jornalistas e público, estiveram na discussão ou (me arrisco dizendo isso) sequer souberam dela.

A segunda questão é que, ainda que encontros com os grupos para conhecer seus processos criativos sejam bastante interessantes, sobretudo para atores em formação e outros grupos, perde-se uma grande oportunidade não promovendo encontros entre grupos, sobretudo levando-se em conta que o festival é internacional e poderia provocar diálogos impensáveis por conta das distâncias físicas – ou mesmo estéticas, se quisessem ser mais ousados.

Dito isso, destaco que os encontros que presenciei foram úteis e dinâmicos. Fugi da Georgette e da Bel porque já as vi discutindo o processo de Rainha[(s)] em outras ocasiões. Mas acompanhei, pela manhã, o encontro de Hugo Rodas (nome forte da Unb e da cena brasiliense), Nídia Telles e Omar Varella (da peça El pais de las maravillas), com mediação participativa de Guilherme Reis (diretor teatral, pai e idealizador do Cena Contemporânea) e, à tarde, a conversa com os atores da peça La Noche Canta sus Canciones.

Com relação ao encontro da tarde, comentarei melhor na crítica de La Noche…, mas cabe alertar especificamente que talvez acadêmicos cheios de opiniões fechadas não sejam as pessoas ideais para mediar diálogos.

Já na conversa matutina, apesar do sono, há algumas coisas que me tocaram e gostaria de destacar. A conversa foi espontânea e divertida, enquanto os artistas lembravam suas histórias que, em muitos momentos, compartilharam. No entanto, tornou-se realmente importante quando passou para temáticas de viabilização de espetáculos e, mais que isso, tendências artísticas que, em vez de emanarem de buscas criativas, são vinculadas às dificuldades de produção.

Para ficar mais claro, vamos ponto a ponto. Eles destacaram criticamente a dificuldade de se ter público e de conseguir bancar-se por meio da bilheteria. “A única coisa que consegui comprar com bilheteria na vida foi uma máquina de lavar usada”, conta Ricardo e acrescenta uma visão crítica, “Ter 10 pessoas nos teatro pagando 10 reais dá o mesmo lucro de ter 100 pessoas pagando um real”, exemplifica, mostrando que a ausência de público precisa ser relativizada e passa por escolhas dos próprios realizadores.” Ele relata brevemente apresentações que seu grupo realizou convidando gratuitamente escolas de Brasília. Em uma das ocasiões, descobriram que todos os estudantes presentes nunca tinham ido ao teatro. “O teatro ainda é feito por uma elite para uma elite”, conclui.

Levanta-se, em seguida, na mesa, o saudosismo de um tempo em que havia o que se chamava de “público universitário” para o qual, hoje, o produto cultural são as festas. Aqui, faltou aprofundamento e cabe perguntar: o que as peças oferecem a esse público específico? E o que os realizadores culturais conhecem da realidade desses estudantes além do preconceito de vê-los como tomadores de bala em haves? Quais, então, poderão ser os pontos de aproximação entre artistas e público “universitário” e que esforços requerem?

A partir disso, passsamos a discutir o fato de que a lógica dos patrocínios leva à distorção que transforma o artista em um fornecedor de produtos culturais, enquanto a empresa patrocinadora passa a ser a realizadora da obra ou evento apresentado. “Eu agradeço muito aos nossos patrocinadores, mas é importante saber que, quando termina o Festival, o que eles vão me pedir é a Valoração da Mídia Espontânea, que é o que interessa”.

“O problema é que as pessoas que escolhem os projetos nessas empresas não são pessoas especializadas…”, arrisca Omar. “São!”, responde o organizador do Cena Contemporânea, “são especializadas em marketing!”, encerra.

Claro que, por outro lado, os Festivais se afirmam como uma alternativa, uma espécie de mercado paralelo que possibilita a realização e circulação de produções que não são comerciais, além de conseguirem, algumas vezes, se consolidar como espaços de encontro. No entanto, mesmo isso é questionado quando alguém aponta (desculpem, não anotei no meu papelzinho quem foi, mas houve concordância geral na mesa) para o problema de os artistas começarem a criar peças somente para festivais. Os riscos impostos por essa prática são muitos, éticos e estéticos. Um deles, apontado mais claramente, é o de que se perca a noção de grupo, uma vez que convidar dois ou quatro atores é mais viável à produção do Festival do que levar 50.

Com relação a outras formas de financiamento, vem à baila o Fundo de Arte e Cultura de Brasília e Guilherme nos conta sobre novo procedimento de avaliação – os artistas entregam o projeto em um envelope que não pode conter o nome dos realizadores, de modo que a comissão escolherá os beneficiados pelo mérito da proposta e não pela trajetória dos artistas envolvidos. A justificativa é que o procedimento de conceção de verba por meio do fundo se assemelha a uma licitação e deve transcorrrer da mesma maneira que uma.

Para finalizar, como é comum entre artistas que defendem o teatro alternativo, independente ou qualquer outro adjetivo subjetivo que você queira usar, Hugo e Omar falam do que acreditam ser os grupos teatrais – lugares de liberdade, união de pessoas que têm anseios e pensamentos semelhantes. Hugo Rodas compara: “ter um grupo estável é como casar-se bem. Não é o mesmo transar todos os dias com uma pessoa diferente e transar bem todos os dias com uma pessoa”. “Diferente”, completa, brincando, Omar. Por outro lado, ambos sinalizam uma visão clara de estrutura de trabalho: “Um grupo sem líder não funciona”. Todos balançam a cabeça.

Outro tema que conta com uma aprovação aparentemente unânime é a criação, no Uruguai, de uma lei de incentivo fical semelhante à nossa famigerada Rouanet. Silêncio. Embora ninguém ali seja ingênuo, ninguém se arrisca a apontar as distorções e contradições dessa maneira de financiamento. Nem eu. Silêncio. Palmas.

'1 comentário para “Batendo papo na tarde chuvosa (!) de Brasília”'
  1. […] uma vez um debate, num festival internacional da culinária, em que estes mesmos especialistas questionavam a […]

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