Fruição subjetiva e leitura crítica ou O que que a gente faz agora se não dá mais pra definir critérios?

Blog   |       |    25 de julho de 2009    |    2 comentários

Ontem aconteceu o open space Fruição Subjetiva e Leitura Crítica. O mote da conversa – que não teve muita audiência até porque foi bem no dia em que vieram chuva e frio aqui pra Rio Preto – foi colocado pelo mediador Flávio Desgrandes, com base no livro “O Espectador Emancipado”, de Jacques Rancière. O autor foi o convidado a escrever sobre o público de teatro após os artistas da França terem visto uma relação direta entre o encontro do teatro e o encontro proposto pelo autor em outra obra, “O Mestre Ignorante”. Nesta, ele discutia o desenvolvimento conjunto de uma metodologia para construir conhecimentos específicos e o papel do professor mais voltado a estimular e a participar  do aprendizado no mesmo nível, do que em oferecer algo pronto aos alunos.

A partir disso discutimos os rituais, repletos de códigos de etiqueta, que impossibilitam espaços de interferências na obra, porque provocam com muita eficácia um distanciamento para mera apreciação. É claro que, em meio a uma demanda por processos e posicionamentos participativos em diversos espaços, o teatro também é levado a uma transformação, mas que ainda passa por uma fase de participação consentida, guiada, exigindo, ainda, a atitude bem-comportada do público. Nestes casos, em que o público é quem vem receber a obra de arte, segundo afirma Lúcio Agra, “o mestre não é ignorante”, o que podemos traduzir como falta humildade para abrir-se para uma relação mais efetiva e aproximada. Nesse ponto, é citada a experiência da peça Neva, apresentada no FIT, que fala de atores que estão no teatro enquanto outras pessoas morrem na revolução proletária na Rússia. “Eles estão protegidos no teatro, deixando a merda acontecer lá fora”, um retrato do teatro como espaço de proteção, distante das influências externas, ou, mais precisamente, tendo as influências externas sob seu controle e direcionamento. Agra lembra que Décio Pignatari já dizia: “Interativo é palavra”, desconfiando da efetivação de tal encontro.

Kill traz outra complexidade para a discussão, que é a da qualidade da participação e lembra que as interações visíveis fisicamente não são a única possibilidade de incluir o espectador na construção dos sentidos e não podem ser gratuitas. Bia Medeiros reforça essa idéia, lembrando muitos exemplos de obras de edições do FILE (Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas), inclusive premiadas, que te induzem a realizar movimentos que interferem no formato das obras, mas que não modificam nem a obra, nem o espectador e que não têm objetivos para comunicar. Um exemplo muito claro era o de uma espécie de quadro abstrato colorido que mudava de cores com a ação do espectador. “Continua sendo só a pintura de um quadro”, afirma ela, questionando o conteúdo e a posição crítica dessas ações e, sobretudo, a ilusão de que, só porque a obra utiliza tecnologia ela é diversa.

Então, chega-se um momento em que torna-se quase obrigatório adaptar sua obra para que pareça interativa, como parte do empacotamento para venda do produto.

Eis que uma voz se levanta para apontar a morte do teatro e da crítica (deve ser divertido anunciar a morte de algo que nem tem, a rigor, vida a perder)! Puta merda! E agora??? Bem, agora vamos com calma. Talvez estejamos falando da crítica de jornal legitimada nos tempos de nossa inspiradora Babi, mas nem esta crítica morreu, pois continua doando expressões e juízos de valor a muitas outras manifestações críticas em todos os meios. Então, parece mais sensato dizer que é um momento de “crise”, como aponta Kill “Bil” Abreu. E a crise não é questão exclusiva da crítica, é uma crise de diluição de fronteiras e de lugares de autoridade, que começa, bem lentamente, mas já com efeitos visíveis, a fazer cair do salto artistas que pairam sobre a sociedade, da mesma maneira que críticos que pairam sobre a sociedade e os artistas.

Muito dessa dissolução se deve, sem dúvida, à Internet, que habituou as pessoas a outra relação com qualquer tipo de informação e com a própria idéia de comunicação. Assim, quanto mais vozes podem tornar-se públicas e serem compartilhadas no sentido de formar, em conjunto, um panorama diverso de visões subjetivas, mais estará sendo combatida a velha crítica que servia simplesmente de “lugar de trânsito da mercadoria [o produto espetáculo]”, como define Lucio Agra. E, inserida nesse coletivo de pontos de vista, a subjetividade deixa de estar presa e cercada no campo do indivíduo e se expande como ingrediente do diverso.

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