Sobre o teatro e seus refletores

Blog   |       |    2 de junho de 2009    |    1 comentários

No dia 31 de maio de 2009, o jornalista Cristiano Castilho publicou na Gazeta do Povo de Curitiba uma matéria sobre a Praça Roosevelt, com título “Teatro ilumina praça em São Paulo”. Para a elaboração do texto, o moço fez uma entrevista por e-mail comigo, que rendeu um quadrinho para a matéria. Como sempre acho que falta contexto pra todas as discussões relacionadas com a Roosevelt, reproduzo aqui abaixo a íntegra da entrevista que respondi. Sei que é meio óbvio, mas é sempre bom deixar claro que as perguntas são do Cristiano e as respostas são minhas. Grifo em vermelho o pequeno trecho que entrou na matéria.

Nome completo e idade:

Fabrício Muriana, 24 anos

Profissão:

Ator, publicitário e editor da Revista Bacante (site com foco em teatro).

Onde nasceu e onde mora hoje:

Nasci na cidade de São Paulo e morei por 21 anos em Pirituba, bairro no limite entre a zona oeste e a zona norte.
Mudei há três anos para o centro da cidade, na esquina das ruas Gravataí e João Guimarães Rosa, de frente pra Praça Roosevelt.

Como era a Praça Roosevelt quando você a conheceu?

Fui pela primeira vez à praça Roosevelt há cerca de 6 anos. Comecei conhecendo os teatros (studio 184, teatro do ator, satyros 1 e 2). Desde o princípio, perguntava-me exatamente o que era a praça, porque o que chamam de Praça Roosevelt é uma grande estrutura de concreto, que parece muito pouco com uma praça.

Há pouco mais de 3 anos, quando comecei a pesquisar apartamentos no centro, fui conhecer melhor a região e vi que havia também um supermercado embaixo da estrutura de concreto, mas que não havia muitas entradas de luz (como também acontece com boa parte da área embaixo do minhocão, que fica sempre à sombra). Naquela época, a Praça ficava com alguns pontos sem iluminação nenhuma de noite, o que nunca foi sinônimo de violência. Como a estrutura de concreto serve de proteção pra chuva, uma constante da praça são os moradores de rua, que nunca passam muito tempo por lá, pelo que pude observar. Do lado dos teatros sempre havia movimento. Do outro lado, pra onde me mudei na sequência, havia somente o colégio Caetano de Campos, um boteco e uma pequena pizzaria que funcionavam de noite. Aos sábados já havia o samba, quase na esquina com a Consolação.

A Praça Roosevelt passou por algumas mudanças nos últimos anos. Como
você as vê?

A mudança mais concreta que eu vi no últimos anos na praça foi a saída do supermercado e da escola infantil, que também ficava embaixo do pentágono de concreto. Na época, a justificativa era que se colocaria abaixo toda a estrutura de concreto, portanto o supermercado e a escola teriam que sair. Foi quando vimos um aumento desproporcional de moradores de rua que ocuparam a área referente ao mercado e à escola. Três vezes vi, da janela do meu apartamento, a Guarda Civil metropolitana retirando os moradores de rua de lá, de noite ou madrugada. Como a obra na praça não começava, eles, os moradores de rua, sempre voltavam. A prefeitura então resolveu derrubar as paredes que não eram estruturais e derruabaram todas as que correspondiam à área do supermercado e da escola. Foi nessa época que a Guarda Civil Metropolitana passou a deixar uma viatura de frente para a praça. Colocaram luzes em diversos pontos, mas a estrutura central de concreto nunca foi tocada. O movimento do lado dos teatros aumentou, mas pouca gente que frequenta aquele lado efetivamente passa pelo meio da praça. Com exceção dos três dias de Satyrianas, ao longo do ano a praça fica abandonada e quem eu mais vejo ocupando aquela área são os moradores de rua e os skatistas. Então, de uma maneira geral, não vejo nenhuma alteração estrutural do que era a praça quando a conheci.

As Cias de Teatro que lá se instalaram foram responsáveis por essas
mudanças de maneira positiva?

As cias de teatro são responsáveis pelo fluxo de pessoas que frequenta um lado da praça. Pra ser mais exato, os bares dos teatros são responsáveis pelo principal movimento de pessoas que por ali passam. De quatro teatros, quando conheci, hoje existem sete (ou oito, posso estar enganado) fora os teatros que abriram na região. Três deles ficam abertos como botecos. Daquele lado, abriu também uma loja de quadrinhos, uma galeria de arte, ou seja, o movimento aumentou. E isso é muito positivo do ponto de vista político, já que vemos uma parte do centro sendo reocupada pela população que a havia abandonado. Mas não dá pra dizer que essas mudanças alteraram a praça e sim que alteraram o movimento de um lado da praça.

Segundo Ivam, da Cia Satyros, o teatro “jogou luz” sobre os
traficantes e drogados que frequentavam a região. Você concorda?

É uma afirmação metafórica. Não consigo dizer, assim sem contextualização, o que essa “luz” quer dizer. Por um lado dá pra dizer que o teatro feito naquela região colocou no palco alguns temas relacionados com o entorno. Ou seja, “jogou luz”, por consequência, nas histórias de muita gente dali, inclusive traficantes. Já os “drogados” continuam por lá – se por drogados entendemos qualquer pessoa que utilize substância ilegal. É comum ver gente fumando maconha na região. Também aqui vemos uma segunda acepção de “jogar luz”. Os usuários de maconha que já estavam por ali meio na penumbra, agora têm o seu hábito iluminado tanto na praça, quanto de frente aos teatro (o que não quer dizer que a polícia tenha sido menos ostensiva no combate da prática). Mas se o “jogar luz” quer dizer que os traficantes e drogados foram “iluminados” pelo teatro, no sentido de que por meio do teatro encontraram caminhos lícitos para suas vidas, eu não concordo. O teatro só aumentou a quantidade de pessoas que circulam por ali. Mas não passou nem próximo da população de rua que ocupou temporariamente a antiga estrutura do supermercado, mesmo estando na mesma praça.

Como você vê essa postura empresarial das Cias (abrir bares e
restaurantes anexos aos teatros)?

É uma maneira de se manterem enquanto não se consegue verba pública para as montagens. Os grupos dali acabaram concentrando um movimento noturno semelhante, mas em bem menor escala, ao que acontece na Vila Madalena, na Vila Olímpia e em alguns pontos da Augusta. É claro que o público da Roosevelt é muito específico e que existe uma afinidade muito maior com o teatro, porque foi onde tudo começou e porque as salas têm programação permanente. O que você chama de postura empresarial, eu vejo como uma adaptação à realidade cultural brasileira, em que um grupo nunca pode contar com uma verba por um período maior que um ano. Pula-se de edital em edital, de patrocínio em patrocínio (sempre com verba pública, mesmo que via Lei Rouanet) e não há garantia de “salário” ou verba permanente. Então com os bares, há sempre uma fonte de renda para o grupo, que não será a principal (os grupos da região continuam utilizando massivamente verba pública), mas que pode sustentar os grupos enquanto não tiverem verba. Pena que isso só aconteça na Praça Roosevelt. Não conheço outros grupos de São Paulo que tenham essa fonte adicional de renda vinda dos bares. É necessário haver concentração de pessoas pra que essa oportunidade de negócios (não artística, é bem importante não confundir) apareça.

Como acha que a cidade de São Paulo vê o espaço hoje e o que poderia
melhorar lá?

São, novamente, muitas idéias do que pode ser a “cidade de são paulo”. Se o recorte da cidade de São Paulo for a prefeitura, a praça (estrutura de concreto) provavelmente só receberá reformas em 2010, quando haverá novas eleições. Mesmo assim não é garantido que resolvam tudo antes das eleições por que a estrutura é muito grande e complexa (ela está sobre um túnel que faz a conexão do eixo leste-oeste). Quanto aos moradores e os diversos problemas sociais da região, não vejo movimentos da prefeitura no sentido de saná-los. Pelo contrário. A prefeitura de São Paulo tem fechado albergues da região central e o discurso da revitalização tem justificado a expulsão de moradores de rua em outros bairros centrais (como aconteceu na Luz e na Sé).
Se a cidade de São Paulo for a sua população, teríamos que recortar somente as pessoas que passam por ali e dependem daquele espaço. Nesse caso, o que vejo é uma certa apatia e e total falta de consciência política, no sentido de o que fazer para que os problemas da região se resolvam. Espera-se que a prefeitura faça investimentos na região para que o valor dos imóveis suba. Só isso.
Se a cidade de São Paulo for um recorte das centenas de grupos de teatro que nela atuam, acho que também é papel deles ocupar efetivamente a praça e dialogar com as questões sociais que ali estão. Não somente fomentar a circulação de público nos seus teatros fechados, mas ir efetivamente para a praça.

'1 comentário para “Sobre o teatro e seus refletores”'
  1. Paulo disse:

    Muitobom.
    pena que eles só publicam uma linha sem contexto.

    E essa onda de reportagens sobre a Roosevelt já tá enchendo o saco pela superficialidade extrema … e pela visão sempre unilateral

    Daqui a pouco vai ser capa na revista EXAME (ou da TIMES)

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