É Só Uma Formalidade

Críticas   |       |    28 de setembro de 2010    |    1 comentários

Obs.: Entre os dias 02 e 12 de setembro de 2010, Paulo V. Bio Toledo participou do 25º Festivale, em São José dos Campos, como crítico convidado pelo festival. O texto a seguir foi originalmente publicado na página do 25º Festivale (veja aqui)


Outras “ideias fora do lugar”

Fotos: Marco Aurélio Prates/ Divulgação (marcoaurelioprates@terra.com.br)

O jovem grupo mineiro Quatroloscinco – Teatro do Comum nasceu faz três anos num ambiente que vem sido bastante fértil para o surgimento de novos e vigorosos coletivos de teatro no Brasil. O Quatroloscinco vem juntar-se a grupos como a Cia. Luna Lunera e o Espanca!, que já possuem reconhecimento nacional pelo delicado trabalho que realizam em Belo Horizonte – MG.

A localidade não é a única coincidência entre os grupos, há também certa paridade formal e investigativa nos trabalhos – como bem apontado no debate após a apresentação no Festivale. A limpeza da composição espacial e a ausência de qualquer ilusionismo, bem como a interpretação simples, sempre em relação convidativa com a platéia, a confusão proposital entre as fronteiras de ator e personagem e, principalmente, o jogo constante entre os atores são elementos que muito se irmanam ao espetáculo Aqueles Dois da Cia. Luna Lunera (em que, inclusive, um procedimento de aquecimento também é “incorporado” já como parte do espetáculo: no caso de É Só Uma Formalidade o Boxe e em Aqueles Dois o Contato-Improvisação). Um olhar mais atento mostra ainda que não se trata de uma estética especificamente mineira, mas, em verdade, um certo padrão cênico que vem se repetindo com sucesso em vários grupos no Brasil todo.

Entretanto, já é possível perceber por aí um processo de incorporação desta poética como modelo “up to date”. Sua enorme aceitação atual no Brasil vem impulsionando diversas experiências nesse sentido e a facilidade, física e financeira, de circulação vêm fazendo deste formato moeda corrente em quase todos os festivais de teatro do país além de em temporadas pelas capitais. Assim, já vemos o risco da poética tornar-se fórmula vendável e sobrepor-se como modelo aceito a todo e qualquer conteúdo.

Em essência, contudo, tal poética propõe um jogo aberto que convida a apreciação ativa (pensante) da obra pelo público: o anti-ilusionismo, a simplicidade e a apresentação episódica (às vezes fragmentada) afastam a empatia catártica e aproximam a razão crítica do material abordado – formato que se aproxima de alguns dos principais procedimentos de Bertolt Brecht com seu teatro épico dialético. A forma, portanto, impulsiona a discussão pública do material e o olhar ativamente crítico. Mas os temas de É Só Uma Formalidade parecem retroceder a um universo intersubjetivo da crise existencial do sujeito contemporâneo.

Na peça há dois “núcleos”: um casal afogado nas “formalidades” institucionais e um homem que saiu de casa em busca de sonhos idealistas, mas volta, após a morte do pai, e depara-se novamente com tais “formalidades”. A priori, então, parece haver o desejo de problematizar a naturalização burguesa das instituições sociais; colocar tais “verdades” em crise etc. Porém, a personagem do “homem que retorna”, que teoricamente representaria o contraponto a esta institucionalização da vida, tem um tom patético. Seus sonhos de libertação são representados pelo sarcástico: “foi fazer teatro político com fantoches”. Assim, a crise desloca-se das instituições formais e recai na triste condição do homem. Ora, se o homem que rompe com tais instituições é tão “miserável” quanto aqueles que ficam, a impressão é que tais “formalidades” não são o real problema. O conteúdo de É Só Uma Formalidade, portanto, parece querer representar (ou diagnosticar) a condição do indivíduo em tempos de suposta solidão, crise e incomunicabilidade humana. E isso fica ainda mais forte quando unido a um dado performático que há na forma: o alinhamento dos atores, e suas idiossincrasias pessoais, ao que se representa.

Mas a forma que impulsiona ao debate e ao pensamento fica assim restrita, no conteúdo, a apenas mais uma constatação naturalizada da miséria existencial (incomunicável) do homem contemporâneo. O espaço do pensamento crítico, a que a estética convida, fica neutralizado por este já repetitivo diagnóstico (a velha solidão contemporânea, incomunicabilidades semiológicas etc.) – cujo ponto de vista é ESPECÍFICO de uma determinada conjuntura histórica européia (“o centro do mundo civilizado”), mas que é difundido como se fosse uma constatação UNIVERSAL da contemporaneidade: e nós, mais uma vez, apenas reproduzimos – reverentes que somos – tal discurso. (com certeza não há crise semiótica ou solidão contemporânea no processo de transformação política na Bolívia ou na Venezuela – quiçá em toda a América Latina – por exemplo)

Não será, portanto, o momento de superação destes velhos diagnósticos europeus? Não será hora da investigação ativa das causas de tais descompassos contemporâneos no Brasil e na Am. Latina? O drama de É Só Uma Formalidade se passa onde?

Foto: Ronaldo Jannotti/Divulgação

O espetáculo foi assistido gratuitamente dia 06 de setembro às 21h no CET-Parque da Cidade em São José dos Campos como parte da programação do 25º Festivale

1 sessão extra do espetáculo para aqueles que ficaram de fora

'1 comentário para “É Só Uma Formalidade”'
  1. Luciana disse:

    Por que essa necessidade de que o drama se passe num ponto definido geograficamente, quando ele se passa no palco diante da plateia, no presente e no aqui, diretos?

    Onde e quando, aliás, não se restringe a constatar a incomunicabilidade (embora creio que tão lugar comum quanto encenar a incomunicabilidade é desmerecê-lo a priori, o problema não estaria no tema, mas na abordagem), mas coloca em questão as estratégias humanas para tentar vencê-la, como a ideia de que “a vida não é bonita o bastante”, por isso a arte (ou a imaginação, a ilusão, o momento de sublimação pela fumaça…) se faz necessária.

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