Gran Circo Máximo

Críticas   |       |    28 de setembro de 2010    |    0 comentários

Obs.: Entre os dias 02 e 12 de setembro de 2010, Paulo V. Bio Toledo participou do 25º Festivale, em São José dos Campos, como crítico convidado pelo festival. O texto a seguir foi originalmente publicado na página do 25º Festivale (veja aqui)

Diante do Trator da História

Fotos: Divulgação

Aqueles pequenos circos familiares itinerantes ainda existem hoje e viajam pelo interior do país. Obviamente, a expectativa que causavam ao chegar às cidades não é mais nem perto do que um dia parece ter sido. Sua insistência em existir contém um misto de arcaísmo e curiosidade, um monumento empoeirado em homenagem a outras épocas. Assim, nas grandes cidades, a passagem de um pequeno circo é o índice de uma decadência quase patética e entristecida de um palhaço miserável. A pequena estrutura que invoca glamour torna-se quase ridícula perante os arranha-céus e/ou os conglomerados de entretenimento du Soleil. Mesmo nenhuma lei de mercado conseguindo explicar a continuidade destes pequenos clãs circenses – que, dia a após dia, tem de se embrenhar mais longe para buscar localidades tão afastadas, ignorantes ou paupérrimas em que seu aparato “grandioso” ainda possa surtir o efeito almejado – já se foi a época das histórias de belas moças que fugiam com o circo da cidade para nunca mais voltar… Hoje só os endividados o fazem…

A sátira felliniana do Grupo Matula a este mundo em decomposição, que paira num vácuo entre o passado e o progresso autoritário, coloca em questão justamente a máquina veloz do imaginário popular e a da própria sociedade cuja evolução tecnocrata esmaga aqueles que ficam para trás. O Gran Circo Máximo da família Herrera é a imagem do pequeno circo que, para tentar resistir, vai incorporando imitações baratas de sucessos populares: a começar pela música ambiente quando entramos na pequena lona construída pelo grupo, que coloca em dúvida se veremos o circo ou um duvidoso show de forró ou algo do tipo; depois, atrações como o cover playback da Banda Calypso ou uma luta de Telecatch entre mulheres (Mulher-Gato vs. Mulher-Maravilha).

O espetáculo se desdobra, portanto, na sequência de atrações patéticas protagonizadas por um revezamento entre as duas irmãs Herrera e, por vezes, algum intermezzo do funcionário “pau pra toda obra”, Robson Aparecido. A ironia cômica da paródia é intensa e o riso constante do público ao longo do espetáculo é dolorido perante a penúria da situação apresentada – gargalhamos diante da miséria, da decomposição do circo esmagado pela “evolução” social.

Há, no entanto, uma fundamental ruptura em meio a montanha de ridículos números. Em determinado momento uma das irmãs (representada pela atriz Alice Possani) para no centro do palco e se emociona. Fica ali, imóvel, com um olhar perdido e lágrimas nos olhos… O pequeno relance, de longos segundos, escancara a dura situação proposta no espetáculo, inverte nossos risos e impõe o pensamento crítico sobre a questão toda. Com esta pequena ruptura, sem necessidade de ser justificada ou explicada, transforma-se criteriosamente a relação com o material abordado pelo grupo. Como se fosse um átimo de consciência, uma fagulha de percepção estranhada do entorno… Como se fosse o próprio espanto da personagem diante do acúmulo de entulho – restos da moderna construção do futuro – jogado sobre ela e o seu mundo.

Todavia, em determinada altura o grupo começa a construir uma relação logicamente dramática entre as duas irmãs. E aqui se opera uma redução no potencial crítico. Ou seja, quando se enfatiza o histórico subjetivo daquela família, quando aparecem conflitos dialógicos entre as irmãs (mesmo que patéticos), quando surge uma perspectiva biográfica familiar da história (o circo ser uma herança do pai etc. etc. etc.) há uma minimização do caráter social do debate apresentado. O particular interpõe-se e sublinha, portanto, o patetismo ESPECÍFICO daquela família Herrera e tende a esvaziar o estranhamento das rupturas como a já citada acima.

Assim, o Gran Circo do Grupo Matula adquire grandes proporções políticas quando estranha a si mesmo em meio ao caos patético da decomposição. Porém, reduz a crítica quando fortalece o que há de específico naquela história; quando injeta drama onde não existe.

O espetáculo foi assistido gratuitamente dia 03 de setembro às 23h no Parque da Cidade em São José dos Campos como parte da programação do 25º Festivale

R$1,00 a pipoca que sobrou da sessão das 19h

+ na Bacante:

Das saborosas aventuras de Don Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança (também direção de André Carrera)

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