A comédia dos Erros

Críticas   |       |    22 de setembro de 2010    |    1 comentários

Errar ou não errar, eis a questão.

Das figuras brasilienses presentes na programação do Cena Contemporânea Brasília, as mais conhecidas pra mim eram os irmãos Guimarães. A distância que separa o ouvir falar de determinadas pessoas e seu trabalho (englobando a televisão, as revistas, a internet, os amigos e os inimigos) e a realidade, já me deu grandes golpes, principalmente no teatro. Não pela subjetividade, gosto ou senso estético, e sim, muito mais pela construção de mitos que geralmente estragam (ou superam) a obra teatral. Desculpem, não sei separar as coisas, e consequentemente as insignificações pessoais acabam preenchendo o campo do “produto” artístico. É aquela coisa de não saber separar vida pessoal de vida profissional, de levar trabalho pra casa, de confundir as relações, etc, etc, etc.

Foto: Portal Caras

Nunca ter ouvido ninguém falar mal dos irmãos Guimarães foi decisivo ao ter que escolher em qual peça de teatro deveria levar um amigo de infância que mora em Brasília, e que nunca tinha cogitado a hipótese de ir ao teatro comigo. No mínimo a peça seria, como ouvi nos bastidores do festival, correta (lógico que esse é um adjetivo muito aberto, mas em se tratando de eventos teatrais, a gente lê nas entrelinhas, feições, postura das mãos e dilatação das pupilas o que uma pessoas quis dizer ao falar pra você uma palavra assim).

Enquanto o público procurava o número de sua cadeira, a falta de cortinas no palco mostrava um linóleo quadriculado em preto e branco cobrindo todo o chão, e me remetendo diretamente a uma imagem de outro espetáculo dos diretores: Eu, você, gregos e troianos, que ilustrava o caderno de programação de 2005 do extinto festival riocenacontemporanea. Era uma imagem forte, com vários atores usando diferentes máscaras, sentados em cadeiras sobre aquele linóleo quadriculado, indicando um espetáculo que relia as obras gregas clássicas. E agora o mesmo linóleo (seria o mesmo ou é um novo com o mesmo desenho?) forrando o palco para “A Comédia dos Erros”, a farsa shakespeariana dos irmãos gêmeos que são separados na infância.

Enquanto não começava a peça, o som do Móveis Coloniais de Acaju fazia fundo pras minhas viagens pré-espetáculo, e o linóleo quadriculado que outrora tinha ficado na minha memória fotográfica ficou formulando perguntas. André Gonzáles gritava das caixas de som “mas essas tuas chaves já não servem mais…” e uma série de conexões começava a ser feita sobre festival, teatro, amizade, mitos, linóleo e dramaturgos, sequer a peça ter começado.

A primeira cena já disse a que veio o espetáculo. A rainha sentada em um trono feito de carrinhos de supermercado, com figurino xadrez, dialoga com um réu, o pai dos gêmeos Antífolos – os protagonistas, com classe e elegância, em marcações precisas, articulando todas as palavras, marcando cada gesto, sendo a cena finalizada com uma coreografia com muitos atores empurrando carrinhos de supermercado com cara de poucos amigos, ao som de uma música indie-modernete. Xadrez, marcações precisas, carrinhos de supermercado e movimentações cênicas elaboradas entre as cenas para criar o clima do que vem depois.

Foto: João P. Teles

A tradução extremamente formal feita por nossa musa Bárbara Heliodora, com direito a rimas forçadas em português, combinada com uma encenação rígida, deixou o espetáculo não só distante de mim – público – como também dos atores, que no esforço de falar o texto em versos e rimas, se preocupavam muito mais em fazer bem feitinho (texto+marcação) e pareciam ter esquecido que estavam encenando uma comédia. Toda essa formalidade fez com que minhas conexões e reflexos pré-espetáculo me acompanhassem durante as duas horas, e lógico, atrapalharam meu lado espectador. Isso quer dizer que mantive uma distância grande entre minha poltrona e o palco, e em apenas duas vezes o espetáculo teve o trabalho de sair da zona da obra de arte e me tirar do meu conforto de público cheiroso.

E o Móveis Coloniais de Acaju vem de novo, não só introduzir uma bela coreografia de carrinhos de supermercado deslizadores, mas me martelar: “mas essas tuas chaves já não servem mais…”. Shakespeare bebe em um texto de Plauto, de trocentos anos a.C., para fazer a sociedade de sua época rir com as confusões que aumentam gradativamente durante o espetáculo. A fechadura escolhida pelos irmãos Guimarães para o grande engano – mote da dramaturgia -, que vai virando um rolo sem ponta, repetida inúmeras vezes por Plauto, Shakespeare, Moliére e Suassuna, é tão polida que deixa a chave entrar facilmente, girar pra lá e pra cá e abrir a porta sem esforço. Sem lubrificante, sem chute na porta, sem experimentar outras chaves, sem conferir se está na casa certa, sem dar aquele jeitinho de enfiar e girar que só o dono sabe.

Se a encenação resolve as coisas facilmente, os atores parecem peças naquele xadrez, pouco à vontade em cena. Até nas coreografias entre-cenas, em que o som de Gogol Bordello invade o teatro, e os carrinhos de supermercado vão compondo o cenário, os atores mantêm aquela classe trágica shakespeariana. Fica bonito, chique, inglês e chato. O pior é que provavelmente eles sabem disso.

Então volto ao ponto em que falo dos dois momentos da peça em que a condição de comunicação entre público e atores dá um tapa na obra de arte. São duas cenas: a perseguição dos gêmeos e a cantoria da mãe dos Antífolos na porta da Abadia. Nesses dois momentos o trabalho dos atores, diretores e dramaturgos se torna híbrido . Não há respeito por um texto clássico, nem encenação inovadora, muito menos preocupação em ser um ator sério, acadêmico, e tecnicamente perfeito. E aí Shakespeare deixa de ser um dramaturgo antigão que só serve pra pesquisas, e o mero divertimento aparente de suas comédias deixa transparecer outras preocupações.

Buscar sentido para determinadas escolhas da direção fez com que minha curiosidade sobre “os mais premiados diretores de Brasília” só aumentasse. Shakespeare, comédia, ensino de teatro no Brasil, festivais de teatro, mitos. Ainda bem que existem os comentários aí embaixo.

1 trilha sonora que seria perfeita pruma balada

– O espetáculo foi assistido no dia 29 de agosto no Teatro da Caixa, em Brasília. Fez parte da programação do Cena Contemporânea Brasíli a 2010.

'1 comentário para “A comédia dos Erros”'
  1. Flavio disse:

    Não é possível que ainda nos tempos de hoje, Um jornalista(Emiliano Freitas), possa chamar de MUSA uma pessoa que faz um desserviço a médio prazo, remunerada e comunada(de comum acordo)com a organização GLOBO(não sejam ingênuos de achar que a Globo quer que as pessoas desliguem seus televisores e vão a o teatro. Isso não é ingenuidade. É burrice). Barbara é uma das muitas marionetes que servem para o empobrecimento gradativo dos brasileiros(claro que a serviço de quem manipula).
    É isso aí. Para bom entendor pingo é letra.
    Abs

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