Anjos de Fogo e Gelo / O Fogo da Vida
O que João fez, João fará
Pesquisa de imagens: Astier BasÃlio
Sem grana para ir a todos os finais de semana e acompanhar a programação do festival Janeiro dos Grandes Espetáculos (17 dias ao todo), acabei escolhendo ir no último, no encerramento. Recife é pertinho, duas horas de bus de João Pessoa. Devo dizer que fui “meio” credenciado? Devo sim. Uma vez um amigo meu disse que não gostava na Bacante quando a gente reclamava que não tinha sido credenciado, que não tinha entrado em van, que não tinha recebido ticket de janta e afins.
Eu disse, (sim, gente, eu defendo a bagaça aqui) que ir pra um festival sem credenciamento é uma coisa completamente diferente e que este fato não deveria ser ignorado. Não fiquei no hotel, mas pra minha sorte, um amigo meu cedeu a chave de seu ap no bairro do Pina, praticamente a 5 minutos do hotel onde estavam os curadores. Eu ia a pé pra lá, pois, era de lá, do Praia Hotel, que saÃa a van – tão essencial numa programação com uma apresentação à s 19 e outra à s 20h30, em teatros diferentes. Sim, também jantei com os curadores.
Eu sei, desde há muito, que não é pra expormos os nossos gostos pessoais, pura e simplesmente, numa crÃtica publicada aqui. Sei disso, pois li exaustivamente o manual da bacante antes de publicar meu primeiro texto nestas páginas virtuais, curiosamente sobre uma peça que falava de um poeta, o Mário Quintana. Pelo visto a poesia me persegue. Bom, mas não há nada, ao que eu saiba não lembro de ter lido, nada contra reproduzir os gostos pessoais alheios.
Vou narrar então os episódios que se sucederam e dar a voz dos outros.
Recife, saÃda do Teatro Santa Isabel. O crÃtico do Jornal do Brasil, Macksen Luiz está como que interpretando o papel de crÃtico do Jornal do Brasil. O ar é grave. Há aura na atmosfera. Um curador ao lado comenta:
– Gripado?
– Pois é. Deu uma chuva aqui, sabe. Eu estava andando na praia.
O crÃtico continua conversando sobre as razões de sua gripe, em seguida muda de assunto e pergunta ao curador, que é de Pernambuco:
– E hoje? (estão falando sobre a peça do dia Anjos de Fogo e Gelo – a peça sobre Rimbaud/Verlaine, que vamos assistir em poucos minutos)
– Pelo visto é pior do que ontem (estão falando sobre O Fogo da Vida – a peça sobre Rilke e Lou Salomé)
– Num brinca?
– Sério…
Macksen faz cara de crÃtico desapontado e diz ao curador:
– Mas, quanto tempo é essa, pelo menos?
– Uma hora.
Macksen faz um barulho com o canto da boca, uma expressão que revela alegria, faz o sinal de positivo com a mão direita e diz ao curador:
– Ótimo! Ótimo. Pelo menos vai ser curto.
Macksen olha de cima, para os lados, com sói (sonhava em um dia usar esse verbo) a um grande crÃtico e começa a falar da peça do dia anterior, no caso O Fogo da Vida:
– Não tem aquela cena que ela (a Lou Salomé, interpretada pela Sônia Bierbard, que atua e dá nome à companhia que monta o espetáculo, a Sônia Bierbard Produções) diz assim… “estamos em 1903”. Bom, e ela está certa: o teatro que ela faz está em 1903 meeesmo.
O curador de Recife diz que o menino que faz o Rilke é muito fraquinho, mas que… Antes de concluir o pensamento, Macksen interrompe e reforça:
– O menino? HorrÃvel, muito rúim (puxa a pronúncia para a vogal “u” como alguns cariocas e gente que imita os cariocas fazem)…
O curador de Recife toma a palavra e diz:
– Mas ele pelo menos é novo, ainda pode consertar, mas o outro…
– Que outro ? – pergunta Macksen.
– O de hoje…
O curador diz que o ator, o que faz o Verlaine, não tem mais jeito e arremata:
– Se eu pudesse rasgava a carteira de ator dele.
Macksen faz uma interjeição de espanto, algo como: “Nossa senhora nos proteja” e diz, mudando de assunto:
– Sabe que eu já conheço esse teatro todo, né?
O curador de Recife ri, sem entender por quê.
– Não, é que ontem… (durante a peça da Sônia Bierbard) eu olhei todos os adornos (o curador ri)… as frisas… (o curador ri de novo) os detalhes do candelabro… (o curador continua rindo) Conheço esse teatro todinho.
Quando a peça terminou (Anjos de Fogo e Gelo) fomos jantar. Na van dos curadores, algo diferente das vans dos jornalistas, os comentários foram surgindo aos poucos. As primeiras vozes que se levantaram – eu só prestava atenção, embora concordasse aqui e acolá – diziam que a peça era declamatória, maçante… (atenção editores, comentários deles, não meus) que a atriz que faz a mãe do Rimbaud é ruim de doer. Até que um curador, do sudeste, se eu disser que ele é de Minas vão identificá-lo logo, disse o seguinte:
– Gente, essa peça aà (a do Rimbaud), uma produtora daqui do Recife disse num dos debates que tinha recebido R$ 150 mil da prefeitura porque o ator, aquele que faz o Verlaine, era assessor do prefeito… (bom saber: à época, João Paulo, PT que fez o sucessor, João alguma coisa, também do PT. E o mais irônico, o slogan do atual prefeito era: “O que João fez, João fará“).
Barulhos, burburinhos, gente dizendo que era um absurdo 150 paus pr’aquela peça. Pausa. Curadores são pessoas finas, não ficam batendo bocas, citando Bárbara Heliodora, nem tentando fazer o “Top Five” das melhores peças do festival. Até que uma voz, de um curador da região centro-oeste, se eu disser que é de BrasÃlia fica fácil de adivinhar quem é, defendeu a peça, disse que estava bem estruturada, que deu pra ver que o dramaturgo tinha posto a mão na massa, que o cenário tinha sido bem aproveitado com os degraus, que o ritmo declamatório soava cansativo mas que se ajustava à proposta de tragédia da montagem, até que arrematou:
– Vocês estão com preconceito porque é uma peça gay!
Novos barulhos e burburinhos, alguém retruca:
– Como assim, bicha com preconceito de bicha!? Aqui só tem bicha…
Tive que, em nome da minoria hétero, levantar a mão e protestar no que fui acompanhado apenas por uma pessoa da van, que eu não preciso dizer quem é porque assim já estou entrando demais na intimidade alheia.
R$ 4. Esse era o preço do sanduÃche de queijo de coalho – o melhor do sistema solar – feito por Dona Maria da cantina do teatro Hermilo Borba Filho.
hahahaahahahah. Querido, eu não conheço vosmicê, mas adorei o texto. hahahahahaha não pude acompanhar o Janeiro pq estou à s voltas com a conclusão de uma dissertação, mas vc me transportou para lá. E, confesso, nenhuma surpresa. Hilário é ver esse ‘babado’ como descrito por vc. ps: dá uma sacada no nosso site http://www.teatrope.com Ele está bem desatualizado, mas volta pós-carnaval. abs
Rodrigo meu caro,
seu site tá linkado no meu blog,
também não “conheço sua pessoa”,
mas acho que a gente se viu se raspão
no Festival de Recife, de 2007,
lembro que vc pegou a palavra
depois que a Ivana e a Fabiana falaram
– era tu ou não? –
eu, como sempre, tava lá
treinando figuração.
Abraço grande.
Eita, era eu mesmo! Vc tava por lá? Vamo ver se da próxima vez a gente é apresentado. Ah, massa o TeatroPE tá linkado no seu blog. Acabei de ver. 🙂 Onde que eu acho teu texto sobre Tempo Fragmento?
adoro queijo. não conheço esse. me convida?
“sói”? também não conheço esse verbo? help me.
kiss
Rodrigo, morri de rir qdo a Fabiana disse “eu sou a que caiu de paraquedas (agora sem acento e sem hÃfen, né?)”. Eu estava uma fileira atrás de vc. Olha, posso te mandar o texto por email. Gostei do espetáculo de dança embora não entenda muito de dança, enfim.
Clarinha, queijo de coalho é um queijo branco super gostoso e natural, vale a pena, qdo vc vier ao Nordeste tem q comer, viu? E quanto ao sói, vem do verbo “soer” cujo significado real eu não sei te dizer agora ahahahahahaha
hahahahahaha…
so.er
v. Intr. Costumar, estar afeito a, ter por hábito: Como sói acontecer…
obrigada!
Pois é, ela vestiu a carapuça, coitada! E vc só rindo dos pernambucanos que adoram lavar uma roupa suja em público, né? hehehehehehehehe
Manda sim o texto. Tou em dúvida se o email que a gente digita pra poder comentar aparece pra vc.
De qualquer forma: rodrigodourado78@gmail.com
Valeu!
Astier… adorei o que escreveu. Acho realmente esses dois espetáculos bem difÃceis, aliás bem ruins, apesar de achar Anjos de Fogo e Gelo uns dos piores de todo o Janeiro de Grandes Espetáculos. Acho que o curador de BrasÃlia não sabe o que é peça gay, pois defender aquela historinha mal contada, com uma dramaturgia horrÃvel, só estando carente demais. Ui… eu heim.
Parabéns pra vc. E volte sempre.
olá Zoroastro,
deixa eu dar mais um pouco de contexto,
o curador de BrasÃlia, eu imagino, tava querendo animar o ambiente lá na van com uma polêmica. Na verdade ele tava tirando onda.
Abração e valeu pelo comentário.
Sou de Recife também, creio tudo dito, menos que você leu exaustivamente o manual da bacante. Duvido!!!!hahahah
pois é Vanessa,
Apesar desse e de meus outros textos eu li sim, mas acho que não serviu de muita coisa não.
😀
Astier,
Acho que o que a Vanessa realmente quis dizer é o que todos nós já sabemos: esse manual é mto grandeeee! rsssssssss
Bjos.
Mas gente, tem que ser grande! Por que vocês acham que o manual da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo são respeitados???
São? hahahahahahahahah
lá na redação tem um exemplar do Manual do Estadão (a gente adota uma mescla do Estadão com a Folha) que é tipo dicionário, a gente só abre em caso de consulta. Acreditem ou não, eu li o danado do manual da Bacante todo e mais de uma vez e vou dizer pq:
1) eu era leitor da revista, achava do caralho me divertia pacas, mas achava que não conseguia misturar humor à reflexão – Leca (se se lembrar) é testumanha, em Curitiba eu falei várias vezes que não sabia se tinha como colaborar pra Bacante pq não escrevia com o danado do humor.
2) a piada tem um ponto que não pode se exceder, nem ser perdido. Lembro que eu quase cheguei a ligar pra Dercy (a revista é do tempo que a Dercy era viva).
e por falar em textos grandes, eu já li a BÃblia – toda. De vez em quando é útil em mesa de bar. Aliás, acho que toda a nossa existência se justifica em mesa de bar. Pq viajamos ao exterior? Pra contar, fortuitamente, em mesa de bar. Pra que lemos Joyce, Borges, Proust? Pra comentar em mesa de bar. Pra que irmos ao teatro? Pra servir de trilha de assunto pras brejas.
gente, comentários bombando! 😀 hahahahaha
astier, você, sem humor?! isso existe?… 😛
Por que fazer um site de teatro? Pra comentar na mesa do bar… perfeito, Astier! E que bom que vc insistiu em tentar o humor.
BasÃlio. Sou o Diretor de ANJOS. Acho o seu “depoimento” tão claro, que chega a ser profundamente sério quanto ao “equilÃbrio”, qualificação e critérios desta curadoria “Janeiro 2008”.Breve falo sôbre meu trabalho de 40 anos como encenador e prof. da UFPE. Abraços José Francisco Filho