Calígula

Críticas   |       |    10 de dezembro de 2008    |    6 comentários

Um imperador muito malvado

Foto: João Caldas

Calígula conta a história do terceiro imperador romano, Gaius Caesar Germanicus que, após a morte de sua irmã e amante Drusilla, vê-se tentado a testar todo e qualquer limite humano e, amparado em seu poder, submete toda a população romana a uma série de caprichos e atrocidades. A menção do nome Calígula traz ao imaginário coletivo uma aura de transgressão e de erotismo (ou pornografia barata mesmo). Talvez o grande culpado por isso seja o filme Calígula, lançado em 1979, com direção de Tinto Brass e roteiro de Gore Vidal, que foi censurado inúmeras vezes em função de suas cenas de sexo (a maioria delas inseridas de forma gratuita pelos produtores durante a fase de edição do filme) e de violência.

Se você tem as imagens do filme na cabeça e está ansioso por ver nudez, sexo ou violência, não vá ao Sesc Pinheiros, onde Calígula, a peça, dirigida por Gabriel Villela a partir do texto de Albert Camus cumpre temporada até fevereiro de 2009. Isto ocorre porque não há sexo ou violência na peça: no lugar destes, temos inventivas soluções cênicas, que geram o mesmo efeito sem precisar deixar as pessoas extremamente chocadas.

Essas soluções cênicas são baseadas numa série de signos, que criam uma linguagem particular, fazendo com que tudo seja apenas sugerido e não mostrado. Um exemplo é a cena da última morte da peça (que, para não estragar a surpresa, eu não vou dizer de quem é – só aviso que não é do Romeu, nem da Cleópatra, nem de Jesus Cristo e muito menos do Jason Voorhees… putz, será que eu estraguei o final de algumas outras histórias? Sim, porque todos eles, caso você ainda não saiba, morreram no final, apesar de que alguns chegaram até mesmo a ressuscitar depois… De qualquer forma, caso você esteja confuso e para que possamos voltar para esta crítica sem que nenhum dúvida permaneça: não, nenhum deles aparece em Calígula…), na qual a violência é totalmente simbólica e o tempo da ação cênica é interrompido para que o ator possa se maquiar em cena, voltando a encenar a morte da sua personagem apenas após o término da maquiagem.

O sexo também é representado por signos, como numa cena de estupro em que vemos um tecido representando um corpo feminino e este tecido aparece depois rasgado e repleto de manchas vermelhas. Entretanto, algumas cenas um pouco mais literais terminam chocando alguns espectadores: quando Calígula passa a mão (com vontade!) em Cesônia, uma moça que está sentada perto de mim não resiste e solta, chocada, um “Nooooossa!!”. É a deixa para que toda a platéia morra de rir com a reação dela.

Outros recursos teatrais também são utilizados com o intuito de confrontar o público com o fato de que está vendo uma peça teatral, quebrando qualquer ilusão que pudesse existir: o terceiro sinal é anunciado por um ator que vai até o proscênio e simplesmente diz: “Terceiro Sinal”. O mesmo ocorre ao final dos atos, quando Thiago Lacerda anuncia “Fim do Primeiro Ato” e “Fim do Segundo Ato”, para ser recebido por uma série de palmas entusiasmadas (não entendi se as palmas eram o sinal de reconhecimento do público pela qualidade da peça, se eram um sinal de alegria porque mais um ato se encerrava ou se eram sinal de felicidade porque o Thiago Lacerda era simpático e sorria para o publico ao fazer estes anúncios, tão diferente daquela personagem malvada que ele interpretava durante os atos). Estas quebras, entretanto, beiram o exagero em outros momentos: numa determinada cena, Thiago Lacerda faz uma partitura corporal coreografada para, em seguida, se jogar em uma dança da bundinha, da motinha ou da garrafinha (desculpem-me, mas sempre tive grandes dificuldades para diferenciar estas manifestações rítmicas contemporâneas) e o público se esbalda novamente nas gargalhadas.

Fica claro que a maior parte do público está ali para ver Thiago Lacerda. O restante do elenco, praticamente todos egressos de Salmo 91, não tem o mesmo destaque que tinham naquela montagem e terminam, em sua maioria, ficando sub-aproveitados.

Os holofotes nesta montagem ficam, portanto, voltados para Thiago Lacerda e para os recursos da encenação, e são estes que adquirem importância maior. Talvez aí esteja a maior virtude de Calígula e também o seu calcanhar de Aquiles. Fica aquele sentimento de “que bacana que um guarda-chuva foi usado como signo para representar Roma” ou “que legal que uma bolsa da Nike é parte do figurino de uma personagem, o chefe do Tesouro Público, que ainda apresenta um carregado sotaque yankee”, mas não fica nenhum sentimento mais profundo relacionado à temática da peça e esta é bem menos perturbadora ou desafiadora do que poderia ser. A montagem termina ao som de Edith Piaf, Non, Je ne Regrette Rien, o que parece ser um fecho bastante simplista para a história de Calígula. Eu saio do teatro preocupado com a pizza que vou comer… e eu nem gosto tanto assim de pizza…

1 monte de gente reclamando que o Thiago Lacerda não fica pelado

'6 comentários para “Calígula”'
  1. Maíra disse:

    crítica na medida 😉 (não vi a peça)

  2. João Paulo disse:

    Eu, pessoalmente, prefiro a visão de Gore Vidal sobre Calígula do que a de Camus. Eu não estou tentando diminuir a genialidade desse grande artista francês, mas acho que Vidal conseguiu ser mais profundo e realista com o seu roteiro… o filme de Tinto Brass é insuperável e talvez inigualável… é ao mesmo tempo operístico e teatral…
    O texto de Camus ainda não teve uma boa adaptação para as grandes telas e nem creio que terá.

  3. […] aproveitando a repescagem dos espetáculos que não vi em Sampa, hoje conferi Calígula, em uma platéia lotada (e armada com câmeras digitais com flash, sem medo de usar durante a […]

  4. Samya Enes disse:

    Infelizmente não assisti este espetáculo.Gostaria,até para ver que recursos foram estes usados pelo diretor. De qualquer maneira convido para assistir nova montagem do Calígula no Teatro Coletivo todos os sábados às 21:00hs e domingos às 20:00.Quem sabe este te faz esquecer da pizza?

    Abraços,
    Samya Enes

  5. tatyana disse:

    meu amigo,que é ator,assistiu a peça,e disse que ela é muito chata……

  6. Claudinei disse:

    Não assisti a peça, mas se eu fosse seria única e exclusivamente pra ver o Thiago Lacerda pelado, já que ele não fica nú a peça já não me interessa mais.

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