Era… uma vez

Críticas   |       |    18 de fevereiro de 2008    |    2 comentários

Título, título, título.

Foto: Divulgação
Pego o plug, ligo na tomada, ligo o estabilizador, o monitor e a CPU. Sento na cadeira. Abre o Windows. Com o mouse clico em iniciar, programas, Microsoft Word. Rememoro o espetáculo visto ontem. Relaciono com meus pensamentos sobre o pós-modernismo e o teatro. Digito. Digito. Digito. O cérebro acompanha todos os movimentos, sem a mínima necessidade de realizar um ritual para escrever essa crítica. E por sorte, diferentemente de algumas pessoas que não conseguem sequer levantar na cama sem um ritual, ainda não sofro de transtorno obsessivo compulsivo.

era uma vez

A evidência desses transtornos no homem contemporâneo aparecem em “Era… uma vez”, encenada por atores que saíram dos bancos da Unicamp. O mito de Sísifo (do filósofo existencialista Albert Camus), o homem condenado a escalar uma montanha carregando uma pedra e, ao chegar em seu cume, deixá-la rolar, para novamente realizar a tarefa, é a guia mestra para a discussão das obsessões, em que são acoplados depoimentos de portadores de T.O.C.

O espaço cênico, um tapete branco ladeado por pedras ao centro, e em suas arestas cantinhos restritos reservados um para cada ator no meio do público, o espetáculo inicia sem nos dar pistas sobre para que veio, parecendo um monte de exercícios teatrais em cena, onde os atores utilizam o máximo de técnica corporal. Aos poucos, as coreografias dão vez a um jogo cênico não-linear, e o mito de Sísifo se torna significativo ao conversar com o sofrimento do homem que realiza as mesmas tarefas dia após dia. Através de depoimentos, dados em cadeiras na platéia, vamos nos identificando com os casos (e lembrando da vizinha que arranca os cabelos e da tia que volta toda hora em casa para ver se a porta está trancada), e a relação ator-platéia torna-se intensa, com tentativas de interatividade (e os estouradores compulsivos de plástico bolha se divertem).

A divisão do espaço cênico, acompanhada de interpretações cheias de detalhes, a simbologia e a repetição, ao invés de cair na facilidade ilustrativa, proporciona à platéia o poder da interpretação pessoal, sem imposições do grupo. Este aliás, chega a dar inveja a alguns atores, tamanha é a qualidade técnica em interpretar-dançar-atuar, que apaga qualquer deslize que possa ocorrer (como o tom falso todas as vezes em que se distanciam da cena dramática, e conversam entre si como se não estivessem atuando).

Se o T.O.C. de Jack Nicholson nos faz rir arrumando os produtos do armário e pulando as linhas da calçada, o do Grupo Terraço Teatro nos faz refletir até que ponto estamos protegidos de nós mesmos.

04 corpos retorcidos

'2 comentários para “Era… uma vez”'
  1. Icebox disse:

    Crítica procedente, mas mto sutil para uma peça tão magnífica. Facilmente, é a melhor peça teatral que eu já vi. Fantástica. E eis meu ponto.

  2. Fabrício Muriana disse:

    Pra alguém com a frieza do seu nome, você até que é bem caloroso no comentário.
    Apareça.
    Abraço

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