Ichschaudir in die Augen, gesellschaftlicher Verblendungszusammenhang!
(Estou te olhando nos olhos, contexto social de ofuscação!)
Foto: Divulgação
Para fazer jus à nossa impressão do espetáculo, uma criação conjunta do diretor René Pollesch e o ator Fabian Hinrichs, essa crÃtica tinha que ser escrita em alemão. Essa seria uma possibilidade para travar contato com os seus sentidos ou a falta deles. Ou talvez nem o alemão fosse suficiente. Talvez nem o gramelô, a lÃngua dos sinais, a telepatia…
Ao menos de um dos seus sentidos estamos seguros (ou não): a peça trata da nossa impossibilidade de comunicar-se de forma plena. Ou, para ser mais precisos (e mais alemães, fazendo eco ao pensamento de Walter Benjamin), da nossa incapacidade de narrar experiências em um mundo pós-moderno. Por isso todas as ações inúteis, objetos, textos, rótulos e parafernália tecnológica são trazidos à cena para mostrar que vivemos em uma época em que quase tudo está à disposição do nosso consumo indiscriminado, mas que nada é suficiente para alcançar algum sentido de existência, alguma possibilidade de comunicação.
Estamos em um teatro, uma pequena comunidade reunida para algo, “uma comunidade artificial†(ou algo parecido a isso), como diz o ator. Uma experiência que alguém propõe e que pode ou não concretizar-se. Nos perguntamos: a que viemos? O que esperamos? Uma experiência? Pollesch e Hinrichs parecem descrentes dessa ideia, sua peça é sem esperança. Para eles, narrar, compartilhar e propor uma experiência, parece uma possibilidade utópica.
É interessante pensar nos jogos de referências trazidos pelo ator: tirar a roupa e jogá-la à platéia, caminhar sobre as poltronas, tocar todo o tipo de instrumentos e convidar o público a acompanhar com palmas, obrigar um espectador a usar sua escova de dente… Todas tentativas patéticas e inúteis, remarcando o discurso enunciado pelo texto: aqui nada disso vai causar nenhum efeito ou talvez apenas cause um efeito descartável e temporário.
Inevitável não pensar no espetáculo de Angélica Liddel, Yo no soy bonita, em que a performer faz um jogo semelhante, com o uso excessivo de objetos e referências. Em vários aspectos, o espetáculo espanhol e o alemão parecem tão irmãos quanto antagônicos: em Yo no soy bonita, a intérprete é uma mulher, morena, em Ichschaudir in…, um homem, heterossexual, branco e loiro (como o próprio declarava algumas vezes) / no espetáculo de Liddel, uma profusão de objetos e referências que queriam dar conta de narrar uma experiência traumática, no espetáculo de Pollesh uma profusão de objetos e referências que queriam dar conta da impossibilidade de narrar uma experiência traumática.
Sem entrar em uma guerra dos sexos, de algum modo o espetáculo de Pollesch nos ajuda a entender as debilidades do espetáculo de Liddel. “Não, Angélica, a sua experiência não está nos objetos, nas ações, você vai fracassar, você vai continuar sozinha com o seu trauma, porque nada disso vai preencher o vazio que você sente, nenhum desses quatrocentos milhões de objetos em cena vão te tirar da sua solidão. Justo o contrário. Isso só vai te afastar mais de você mesma e de todo mundoâ€, poderia dizer Fabian Hinrischs a Angélica Liddell (ou seus personagens, ainda que os dois provavelmente estremeceriam ao serem chamados de personagens) em um imaginário ringue teatral.
O mote do espetáculo de Pollesch é ironizar o teatro interativo, propondo um chamado teatro interpassivo (o conceito de interpassividade foi cunhado pelo pensador alemão Robert Pfaller e interpretado por Slavoj Zizek), o que parece resumir suas intenções. Ichschaudir in… é um manifesto teatral. Explicita a dificuldade em comunicar-se na tentativa de expor seu próprio discurso. Ou não. A escolha por realizar um espetáculo-manifesto, repleto de conceitos e referências dirigidas a um público alemão possui a virtude de uma proposta interessante e o risco de não chegar a produzir muito além de uma reflexão cÃnica e distanciada do evento teatral.
Cotação: 345 delays na projeção da legenda, 800 pessoas com cara de “O quê?â€
Parabéns pelo texto, deu para ter uma noção do que é o teatro interpassivo.
Abs.
nada verrrrrrrrrrrrrrrrrr