Los Kamaradas

Críticas   |       |    8 de junho de 2010    |    0 comentários

To play

Fotos: Emilliano Freitas

Haduken – hataduken – roryuken

Comecei a escrever essa crítica 3 vezes.

Primeiro, escrevi a descrição de todo o espetáculo, sem nenhum motivo específico para ser uma crítica, a não ser pra satisfazer o meu desejo de contar pra alguém como tinha sido minha experiência.

Depois escrevi outra e percebi que estava pagando o maior pau pra peça parecendo aqueles críticos camomilas que utilizam muitos, muitos, muitos adjetivos cretinos e vazios.

Então escrevi outra, a pior das três, com um pé no distanciamento brechtiano , esquecendo minha paixão por palhaços, comédia e rua, com uma análise imparcial, cheia de termos técnicos e que escondia tudo o que eu realmente tinha sentido ao assistir o espetáculo.

Só escrevo essa quarta porque não posso me calar sobre a apresentação de Los Kamaradas, com o  Jogando no Quintal,  no Festival Internacional de Circo em Belo Horizonte. Não porque a dramaturgia seja impressionante, o cenário seja elaboradíssimo, vários efeitos especiais aconteçam simultaneamente, e haja muitas trocas de figurinos ou qualquer outro enfeitinho.

aaaláááááá… passou

Pelo contrário, os palhaços ocupam o espaço público com o mínimo de recurso. Aqui, a dramaturgia não tem o menor interesse. Podiam ter contato a história de Branca de Neve ou Hamlet no lugar da amizade entre Dinho e Igor, que não faria a menor diferença. O cenário é o asfalto, os efeitos especiais são mímicas (bem ao estilo Imagem e Ação), não há unidade plástica, os figurinos não são uma surpresa (são as roupas que cada palhaço utiliza normalmente identificando sua personalidade), a encenação não inova em nenhuma linguagem olha-o-que-eu-sei-fazer-e-que-ninguém-mais-sabe.

São três palhaços que apostam nas relações entre eles e o público, dando tudo o que podem oferecer sem nenhum artifício, e não se deixando levar pelo riso fácil. Improvisando o tempo inteiro, incluem pessoas da platéia como personagens da história, transformando anônimos em Seu Zé, a tia com sotaque australiano, colegas de escola e até mesmo a Julinha (ao som a musiquinha de Love Story).

Virtuosismo circense também não é uma especialidade deles. Diferentemente dos outros três espetáculos do Festival Mundial de Circo que utilizavam de muita acrobacia, malabarismo e afins (mesmo que às vezes desconstruídos por cômicos que transformam a dificuldade em graça) os palhaços não dão sequer uma cambalhota para dizer que são “número um” na arte circense. Os “ohhhhhhh” e “olha o que ele consegue fazer” são atingidos por atitudes ingênuas, mas que desafiam o companheiro de cena e o público, como cusparadas em velas que não se apagam (no caso as velas eram os palhaços) e até mesmo saborear uma banana triturada pela boca de outra pessoa. É uma espécie de virtuosismo do ridículo.

Não há nada redondinho. Imprevistos, como crianças que atravessam o picadeiro, o som que dá problemas, um senhor que reclama, uma garota que tem namorado e não pode beijar o palhaço na boca, e todas as coisas que a rua proporciona para um espetáculo que está aberto a esse universo, deixa o conjunto arrebatado de ruídos. É a oportunidade de fazerem aquilo em que o grupo é especialista: improvisar. Nesses momentos Chabilson, João Grandão e Fonseca conseguem estabelecer relações com o público quebrando qualquer hierarquia entre atores e não-atores.

carrinho de mão badá, badá, badá-dá

É um jogo, compreendendo bem o que os atores ingleses querem dizer com seu to play. O público se diverte, mas os palhaços também estão curtindo pra caramba. E o espetáculo existe nesse espaço entre um e outro. O público está cansando de saber que quando João Grandão ouve o nome de Julinha cai em transe ao som de Love Story, mas como crianças que gostam de ouvir a mesma piada 30 vezes fica esperando ansioso o violão tocar a musiquinha de novo só pra ver aquele homem daquele tamanho todo derretido. É o espaço que mistura surpresas (imagine que do nada surge um palhaço magrelo correndo só de cueca) e repetições e desafia ao mesmo tempo o público e os atores.

Um dos ensinamentos clássicos repetidas por alguns mestres-palhaços é que esse ser de nariz vermelho pega o público na mão, passeia pelo seu mundo clownesco e depois o devolve pro cotidiano. É o estabelecimento de um pacto entre duas partes: isso é uma brincadeira, temos um roteiro, mas tudo pode acontecer de agora em diante. Chabilson, João Grandão e Fonseca fazem isso, cheio de arestas e excessos, mas, imitando o Astier Basílio e citando Willian Blake, é no excesso que a gente chega às portas da percepção.

РA pe̤a foi assistida em 29/5/10, numa rua da Savassi em Belo Horizonte, como parte da programa̤̣o do Festival Mundial de Circo.

01 copo d’água e 01 pacote de amendoim, um oferecimento do Banco Mercantil do Brasil

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