Manual de Mim
Como usar sua vida
Fotos: Frank de Abreu
Sempre que posso, gosto de rever espetáculos uns dois anos após a primeira temporada, já que no inÃcio o espetáculo ainda está tomando forma. Nem sempre é possÃvel, principalmente no interior, visto muitas vezes as produções terminam antes de fazer o aniversário de dois anos. A tendência é a de que os trabalhos solos soprem muito mais velinhas que os outros (será que tem alguma relação com a quase inexistência de conflitos internos que vão do cachê até qual nome vem primeiro na lista do grande elenco?), dando assim uma oportunidade para esse crÃtico que pensou, quando assistiu pela primeira vez, que o espetáculo ganharia em qualidade quando estivesse mais afinado e com o ator menos preocupado em cumprir uma série de partituras que combinariam perfeitamente com os elementos cênicos e passaria enfim a se divertir em cena. Por outro lado rever um trabalho pode fazer com que se vá armado ao teatro, pensando em tudo para o que já tinha apontado o dedinho. Contando com uma memória que não me ajuda muito e com uma bagagem sócio-cultural desconstruÃda diariamente, desafio-me a rever o monólogo Manual de Mim depois de quase três anos.
Fernando Prado, ator, diretor, dramaturgo, mÃmico, produtor, professor, DJ, web-designer, iluminador, locutor, garoto-propaganda (me perdoe se esqueci de mais alguma atribuição) conduz o espetáculo que dá conselhos ao público (palavras do ator em cena) num espaço cênico delimitado por um tapete cheio de letras (o que estaria escrito naquele tecido?), explorando ao máximo o corpo, material de trabalho que Deus lhe deu e a preparação corporal moldou, seguindo as premissas do teatro essencial.
O desafio então é realizar um manual que faça a existência mais leve, um conflito aparentemente banal, que nos tempos em que a mÃdia gerada em jogar crianças pela janela ou se sentir ofendido por ser indicado a um prêmio, só mostra o quanto os homens ainda são medÃocres em sua necessidade de se sentir únicos no mundo (e conseqüentemente fazer justiça com as próprias mãos para mostrar o quanto se é importante!).
O ator, ao invés de conversar com sua consciência (tão tÃpico de monólogos), faz o papel da consciência do público, como num papo que temos todos os dias com o travesseiro, antes e depois de deitar. Vai escrevendo um manual para resolver qualquer problema que possa nos aparecer (lembrando que à s vezes o importante não é saber resolvê-lo, mas ter o telefone de quem saiba) com um sincretismo cênico que passeia pelo psicologismo (indagando até que ponto o sofrimento de buscar o diferencial vale a pena), o stand-up (rindo do ridÃculo das cenas do cotidiano), o teatro polÃtico (com os velhos dados de pobreza e corrupção), com o auxÃlio da mÃmica para amarrar a multiplicidade de temas que passam nas mentes todos os dias.
O desejo do crÃtico de ver o ator divertir em cena é realizado, e a peça desce leve, com o perigo de uma digestão pesada. Os imprevistos de uma apresentação num espaço não-convencional (com direito a problema técnicos na sonoplastia e iluminação, além da acústica que permitia ouvir um coral cantar Aleluia em uma sala próxima) são encarados com profissionalismo por um ator que se confunde com a peça, quebrando o limite entre ator – perfomance – texto – realidade – mÃmica.
Minha cabeça fica manchada como a camiseta do ator, e a cerveja que tomo após a peça desce com perguntas que me acompanham até o travesseiro. Será que assistir a uma terceira apresentação economizaria uma sessão com o analista?
2 reais dentro do chapéu
P.S.: Comunidades a criar no orkut após assistir “Manual de Mimâ€no “Gente de Teatro†na UFU.
– Vá desarmado ao teatro!
– Eu quero dançar a valsa no debutante do Manual de Mim.
– Eu quero ser um homem multimÃdia.
– Eu quero um manual que faça a existência mais leve.
– Eu quero ser lembrado.
– Eu quero ser único.
– Eu quero ser escravo de alguém!
– Eu uso off acompanhado de ações fÃsicas.
– Fernando Prado campeão de Imagem e Ação.
– Apesar de único, a gente se parece.
– Eu tenho números de telefones de quem pode me ajudar.
– Eu conheço uma traça que comeu o Evangelho Segundo o Espiritismo e virou kardecista.
– Eu amo a Denise Stoklos.
– Odeio CD que dá pala!
– Odeio o Coral da UFU cantando Aleluia.
– Odeio espaços sem acústica.
– Eu preciso de cinqüenta minutos de alienação por dia.
– “Eu caçador de mim†é piegas
Com muito prazer e eterno medo eu leio tuas palavras e me deleito com teu olhar sobre a obra. Como é dificil fazer teatro no Brasil! Como é dificil fazer teatro! E mesmo assim a gente faz e conta com a generosidade, o olhar e principalmente a compreensão do outro. Nem tudo sai como querÃamos, até porque nao sabemos exatamente o que seria isso. “Eu falo de mim para ver se eu me entendo” diz o off – com as ações fisicas – e acho que será assim sempre, mesmo que coloquemos em cena o Shakespeare, o Müller, um Strindberg… no fim das contas é sobre nós mesmos que estamos rindo ou chorando. Quão patético eu sou! Quão errado! Quão Certo… Obrigado sempre.
Será que fazer teatro teria graça se tudo saÃsse como querÃamos? Sair da zona de conforto pode nos trazer boas surpresas também. Como diz o próprio Manual, ainda bem que a vontade de parar de fazer teatro passa rápido em alguns grupos (mesmo com toda a dificuldade de fazer teatro no Brasil) senão ia ser tão chato assistir sempre o padrão certinho e não suscetÃvel a surpresas de alguns que não têm dificuldade em trabalhar. Lógico que as dificuldades vão muito além! Mas porque a vontade de fazer teatro passa rápido? Essa mancha não me sai da cabeça…
E não tenha medo das palavras de Bacantes, elas não costumam morder!