Mercadorias e Futuro

Críticas   |       |    24 de março de 2009    |    1 comentários

A máquina Lirosky

O pátio nobre do Theatro José de Alencar parecia um formigueiro organizado em dois caracóis gigantescos, somados a um espigão que levava à praça que tem o nome do autor do romance Iracema. A praça José de Alencar, situada na na capital cearense, a dita “Fortaleza Bela”, slogan com a qual a prefeitura vende a cidade ao turismo, é um local onde acontece durante o dia um grande feirão de variedades: ambulantes que vendem da borracha para panela de pressão e o desentupidor para fogão a gás ao santinho milagroso de todos os santos; os micro-shorts de todas as mulheres frutas da estação e logo-logo, as roupas indianas da nova novela das 8. Em meio a esse mercado livre, somam-se evangélicos fervorosos, pregoeiros e seresteiros que juntamente com os artistas populares, malabaristas, palhaços de rua, o quebra-côco, o engole faca – que nunca engole – e o homem cobra constituem um verdadeiro mix popular. E o melhor de tudo, lá não existe o famoso jargão OLHA O RAPA!

Neste ambiente, Lira-Lirinha-Lirovsky, o herói de nossa epopéia, poderia encontrar um refúgio para vender seu livro Mercadorias e Futuro, mas a praça estava interditada pela prefeitura em uma reforma sem fim, e ele teve de se contentar com o palco do velho Zé. Talvez, por isso, a sua saga não tenha sido tão promissora, pois “o bichim num vendeu nem um livro”.

Durante os noventa minutos de sua trajetória, Lira-Lirinha-Lirovsky tenta, por todas as vias, maneiras e formas, vender seus escritos em folha de cadmo, que segundo ele “valem mais do que o cara que fez”. Estas suas folhas preciosas versam sobre poesias proféticas de três visionários – João Pedra Maior, Tereza Purpurina e Benedito Heráclito – que lhes dão a tarefa de registrar as suas profecias poéticas e vendê-las por “um preço que não tem preço”. Para cumprir sua saga, nosso herói tem ajuda dos metalúrgicos egípcios na construção de uma geringonça tão engenhosa que manda os professores Buginganga e Pardal chuparem dedo e assistir o Sábado Animado com a Maysa. Depois desta breve apresentação, podemos perceber que nosso poeta é um visionário, um homem a frente de seu tempo e que colocaria facilmente no bolso o dono do baú, se este ainda fosse camelô.

Lira-Lirinha-Lirovsky surge, com e como a luz do fim do túnel, diretamente da Interlândia – o país, o estado, a cidade, o bairro ou a praça onde tudo pode acontecer. Com a ajuda desta luz, procura o melhor ângulo e local para aparecer, vencer a concorrência e “vender seu peixe”: vender suas idéias, vender seus escritos, vender suas poesias, vender suas profecias e as profecias dos outros, vender seu livro, vender mercadorias e futuro. Vender! É, meus caros amigos, vender. Vender, vender e vender. Tudo se vende. Tudo é inventado para ser vendido. Tudo é mercadoria. Mercado. Mais-valia.

Vemos em Lira-Lirinha-Lirovsky três em um só, um só em muitos, multidão. Um atuante que se utiliza do espaço, do instante e do público, aproximando-se do que viria ser um ato performático para fazer a sua muvuca.

Mesmo que não pareça, a peça consegue, de forma não panfletária e sem preocupação didática, propor uma reflexão sobre as leis que regem o mercado e a publicidade que o circunda. Em nossas divagações ficam as seguintes marteladas incitadas pelo atuante:

“Vender é descobrir nas coisas outras propriedades”;
“Dinheiro, expressão do preço”;
“Preço, manifestação do valor de uma mercadoria”.

Uma andorinha não faz verão, mas um Lirovsky faz muita confusão.

'1 comentário para “Mercadorias e Futuro”'
  1. Uma pena que o espetáculo aí tenha sido prejudicado por questões de infra. Aqui em Uberlândia bombou. Teatro Rondon Pacheco lotado (340 lugares, mais 04 cadeirantes), livros vendidos à beça, troca de idéias com Lira, Mauro e Gigante depois no espaço cultural do GOMA, tudo muito descontraído, muito bonito. Até o Chacal antecipou a vinda pra assistir e se arrepiou. Lindo, lindo…
    Ah, e Interlândia vem do inglês “Interland” – terra do meio – e se refere a cidades que ficam distantes dos portos. Como a nossa Uberlândia e a Arcoverde deles. (fonte: Lirinha)

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.