Oração

Críticas   |       |    2 de setembro de 2008    |    3 comentários

Rezando para não perder o emprego

Fotos: Ricardo Borges

[diálogo entre um dos diretores da peça e um amigo da classe na porta da mini-sala da técnica (aquele lugar de onde se opera a luz e o som)].

РParab̩ns (pausa, abra̤o), a gente tem que fazer o que acredita!

– Ah obrigado (cara de “que bom!”).

(Olhar sério e profundo do amigo da classe para esse que escreve, enquanto estava sentado com um ar blasé esperando sair do lugar)

– É…. (respiração profunda) Depois o nosso amigo escreve a crítica.

Peraí. Pára tudo!

Quando me convidaram para fazer a direção de arte do que apelido de dramaturgia dos sentidos (calma que explicarei melhor depois), e operar a luz desenhada por Fernando Prado, jurei que não indexaria nada sobre o espetáculo na internet (leia-se crítica), além de uma divulgação básica nos meus cotovelos mudos e orkut.

Ok! Combinado! Isso não é uma crítica!

Até porque se fosse uma, seria muito complicado. A Revista Bacante preza não se guiar pelo juízo dos gostos (apesar de às vezes tentarmos enganar os editores, leitores e a nós mesmos), mas mesmo assim as pessoas ainda ficam martelando em suas cabeças se a gente gostou ou não. E se entendessem no mais profundo subtexto, se gostei ou não, seria um caminho para a forca.
Se alguém lesse a resenha (vamos deixar a palavra crítica de lado) e achasse que eu não tinha gostado ia falar: “Esse moleque é doido! Participa do negócio e fala mal! Vai ser despedido!”. Se julgassem que estivesse elogiando demais, iam falar: “Lógico né! Ele quer valorizar os amiguinhos e fazer sucesso! Tá garantindo alguma coisa!”

Nem uma coisa, nem outra!

Não sou público, muito menos criador. Só um menino que fica sensivelmente mexendo nos dimmers para que a luz acenda e apague (que meigo). Que pelos conhecimentos plásticos foi convidado a dar uma mãozinha no prólogo da peça, apelidado gentilmente por mim de dramaturgia dos sentidos – um vídeo, uns monóculos com fotos, um choro de bebê (que fofo!). Lógico que quando pedem minha opinião eu reluto (pausa para pensar se dou ou não uma opinião), mas solto uns pequenos pitacos (afinal eu não consigo ficar calado). E só.

Mas por que então fazer uma resenha?

Um grupo composto por quatro pessoas com trajetórias tão diferentes, montar Oração de Fernando Arrabal, numa cidade bem no centro do Brasil, numa casa com poucos recursos físicos (e conseqüentemente para um público limitado), apoiados pela recente lei municipal de incentivo à cultura (que apesar de ser uma importante fonte de investimento para alguns grupos de teatro, ainda gera discussões), faz minha pequena cabeça borbulhar entre perguntas que não sei responder, e respostas que vêm sem nenhuma pergunta.

A visão que tenho da janela que dá para o salão da casa, espaço onde ocorre a encenação, dá possibilidades de enxergar a reação da platéia durante a peça (e se essa corresponde aos anseios da direção). Além disso, quando não fazemos parte da camada de artistas criadores, temos a oportunidade de escutar o público (leia-se quem a gente tem intimidade), em toda sua sinceridade, as expectativas pré-espetáculo, as conclusões que vêm depois e ressalta dúvidas se isso interfere ou não no processo de criação.

Não vou me alongar muito nisso, já que o objetivo não é fazer uma crítica, tecer um comentário, ou redigir um projeto de mestrado (até porque seria uma chatice para o leitor não-acadêmico todo o meu blábláblá).

Acredito que a trajetória dos artistas do grupo, com suas particularidades, é fator determinante para deixar o trabalho com suas marcas, quebrando barreiras e estigmas. A opção em dividir a direção entre quatro pessoas (um coletivo entre atores, preparador físico e palpiteiros) é um risco, pois se pode cair na cilada de um espetáculo com mil idéias que não se cruzam, o que não acontece. Será que não tiveram medo da seleção de cenas? Respeitaram a opinião alheia? São humildes? Até que ponto correr certos riscos é necessário? Não sei.

Em cena o ator Rodrigo Rosado tem uma atuação sem floreios, distanciando esse trabalho dos que já fez (com sucesso de público, crítica e título de VJ) em peças infanto-juvenis. O fardo da palhaça Ximbica que atriz Rose Battistella carrega desaparece na energia que faz seus olhos esbugalharem em cena, e nos momentos em que causa risos constrangidos na platéia não vemos a palhaça, mas a fraqueza da mulher na guerra dos sexos.

O processo de construção teatral (considerado por 95% dos atores muito melhor que a própria apresentação) é escancarado em cena através da memória afetiva do corpo no trabalho proposto por Vanilto Lakka, um dos diretores. Acaba resultando no que Artaud chama de linguagem para satisfazer os sentidos, onde as poesias dos corpos no espaço “se resolve exatamente no domínio do que não pertence estritamente às palavras” (me sinto tão chique fazendo citações de Artaud).

A ousadia do texto de Arrabal, utilizando o sagrado para discussões existenciais, cruza com a ousadia clownesca de Briotto, um diretor que por ora incompreendido em montagens perigosas (fazendo uma “A Serpente” em padrões não muito apreciados por rodrigueanos do cerrado), tem a oportunidade de dar suas pinceladas irônicas num natal que chega com a música da Coca-Cola, um quê melodramático em cenas consideradas sérias demais e um final que não contarei, já que não quero ser o chato que entrou no cinema antes de começar Titanic e gritou: “O Leonardo Di Caprio morre no final”.

E o menino que fica dentro da cabine aumentando e diminuindo a luz sente-se mal quando jogam a Bíblia como um brinquedo e comem Jesus (afinal já fui coroinha). A platéia levanta dos desconfortáveis caixotes de madeira com remorso de não ter dado uma moedinha pra senhora que pedia pela neta doente no ônibus. Só por hoje eu vou ser bom. Mas o que é ser bom mesmo?

01 Espírito Santo sabor açúcar

P.S.: Como isso não é uma crítica, é a chance para quem viu o espetáculo de dar os seus palpites aí embaixo. Afinal eu também quero ter a chance de falar: “depois o nosso amigo escreve um comentário.”

'3 comentários para “Oração”'
  1. marcelo (o Brioto) disse:

    Oi Emiliano… seu jeito de escrever é bem sarcástico… eu gosto disso. He he he… O risco está sempre presente quando a gente se dispõe a fazer piadas de nós mesmos – Sei que vc concorda. Gostei demais do texto, valeu pela citação da Serpente… Abção e depois a gente comenta mais na técnica…

  2. ah Marcelo, eu vou fazer uma promessa pra 2009 largar de ser sarcástico e ser bem mais doce! Igualzinho uma pombinha de pasta americana!
    E a gente vai comentando mais coisas na mini-técnica! Abç!

  3. Josaine Melo disse:

    Ola Emiliano, eu gosto do espetáculo tb tenho algumas obs., mas o espetéculo é cheio de signos q me chamam a atenção, o texto as vezes me perdi confesso pq ficava viajando nas imagens, rs, gosto do espetáculo e recomendo.
    Adoro espetáculo inteligente, to de saco cheio de espetáculo de choque, kkkkk, chocar quem?
    Fiquei discutindo horas sobre o espetáculo com a Míriam (psicóloga) e to baixando o texto da net pra ler.
    Muito bom
    bjs a todos

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