Ultimo Adaggio

Críticas   |       |    3 de junho de 2008    |    4 comentários

Respondendo (só pra mim) o que não foi perguntado!

Antes do início do espetáculo, a diretora da companhia, Yaska Antunes, avisa ao público que se aperta no hall do Bloco 3M da Universidade Federal de Uberlândia que o trabalho é resultado de uma disciplina, e que, como processo teatral, ainda não estaria acabado. Portanto, apresentariam o resultado obtido até então, numa pesquisa feita sobre o universo de Clarice Lispector em seu livro Água Viva. A diretora também falou em uma “busca de imagens”, antecipando que os olhos comeriam boa parte das cenas.

Seria um ensaio ou mais uma experiência levada para fora da sala de aula (com medo de se intitular espetáculo)? Quando se abre a sala de ensaio, o que o público deve esperar, um espetáculo ou uma busca de construí-lo, sem obrigações de justificar imperfeições (e dando para isso respostas como: é apenas uma experiência)? Em processos teatrais experimentais existiria o ponto certo de “estar pronto?”

Dou de cara com três garotas em cena, que tagarelam e formulam respostas para perguntas que as intrigam. Em “Ultimo adaggio” ou “Nós todos somos fracassados, nós todos vamos morrer um dia”, essas respostas não enquadram naquele formato de mulheres incompreensíveis que tomam dry-martini sozinhas escutando Maria Bethânia depois de um fora. Com cara de Lispector, procuram o responsável por torná-las como são hoje (isso em minutos, dias ou anos).

Ouço no meu MP3 a vozinha de Fernanda Takai cantando em A hora da estrela que “não há no mundo quem entenda sua felicidade”. Entender certas coisas parece impossível, independente do papel social que cada um se encaixa, seja o de garotinho ou garotinha. Se chego em casa depois do trabalho puto com o mundo, tomo dois comprimidos fitoterápicos e durmo. As mulheres da minha vida não! Brigam, choram, ficam horas no telefone, comem chocolate, e depois de cinco horas tomam um calmante. Mas garanto que tanto nós, “machos dominantes” quanto as “mulherzinhas sensíveis” quando sozinhos, lavando louça ou esperando o ônibus, inventamos nossas verdades. E a reflexão em Clarice pode estar aí, em momentos não programados, quando independentemente do sexo, os problemas da vida vão infernizando aos poucos.

As atrizes vão construindo cenas fragmentadas, e a proporção das pequenezas que fazem tempestades em copos d’água, marcam o espetáculo com um ritmo lento e delicado contrapondo a interpretações que ora beiram o trágico. As palavras vão saindo da boca das garotas, até que recebem de presente um quarto elemento – do sexo masculino – que entre lamúrias é acolhido pelas mulheres, e mais queixas vão dissolvendo no espaço, entre gestos de cuidado.

Se certas palavras soavam vazias, as imagens milimetricamente trabalhadas construíam os pequenos fatos da vida. Projeções psicodélicas estáticas conversavam com atos singelos, como o andar das atrizes, que misturando elementos cotidianos à partituras teatrais, faziam a ponte entre as conclusões da autora e as da platéia. A plasticidade empreendida em atos corriqueiros vai impressionando mais que mil palavras ditas em vozes empostadas tragicamente.

As tentativas de uma linguagem teatral que refletisse as idéias de Água Viva mostram um resultado que, apesar de não estar com o carimbo de “pronto”, permeia importantes reflexões entre texto e corpo, atingindo momentos tocantes quando são utilizados, com consciência poética, os recursos que se tem em mãos, sem para isso ter que reinventar o fazer teatral, como na cena em que as maçãs que caem do saco de papel são arremessadas como vasos em uma sala de novela das oito depois de uma crise. .Muito diferente quando vícios do teatro universitário (sim, é uma generalização preconceituosa) entram em cena e corpos retorcendo me parecem bons apenas para quem está retorcendo.

Não responder a basicamente nenhuma pergunta que fiz no início pode ser reflexo de ter saído da sala de encenação com a cabeça recheada de mais perguntas (quiçá, mais importantes). Essa tal pós-dramaturgia me traz tantas dúvidas, me confundindo entre estética-poética-sentido, que nem sei ao certo qual pergunta devo formular para me esclarecer. Talvez por isso, SENTIR deva ser o princípio de tudo. Espero que algumas perguntas não sejam respondidas por um bom tempo.

2 pedaços de maçã na cara

'4 comentários para “Ultimo Adaggio”'
  1. Fernando Sampaio disse:

    Emiliano,

    Como fotógrafo desta e das outras fotos que você auto-intitulou que eram da “Divulgação” e que na verdade estavam em um site de relacionamento, permito-me dizer:

    A foto publicada surgiu de um ensaio e não me consta, até então, nenhum pedido da sua parte para fazer o uso de qualquer foto do espetáculo!

    Acredito que se espera de um crítico um mínimo de imparcialidade e cuidado com os fatos.

    ( Algo que torço para que se passe a preocupar com o tempo.)

    Dou-lhe parabéns pela escolha da foto, pois realçou muito bem o relógio no braço da atriz!

    E antes que me esqueça, criticar negativamente por puro deleite, fundamentalismos e falta de contextualizões já não são valorizadas nem em conversas corriqueiras.

  2. Fernando Sampaio disse:

    Salve o Português!

    Erratas:

    1 Р( Algo que tor̤o para que voc̻ passe a se preocupar com o tempo. )

    2 – E antes que me esqueça, criticar negativamente por puro deleite, fundamentalismos e falta de contextualizações já não é valorizado nem em conversas corriqueiras.

  3. Ah Fernando, desculpe se peguei a foto em um site de relacionamento. Mas como a minha solicitação por fotos para uma das atrizes não foi atendida a tempo (apesar dela ter me respondido que poderia utilizar as que tinha em mãos), acreditei que as postadas em um perfil de outra atriz, eram exatamente para “divulgação”. E se foram tiradas no ensaio, a fotografia está muito boa que pensei que era do dia da apresentação. E considerando que a diretora disse que o apresentado era ainda um processo, porque não colocar uma foto do ensaio. E por que o relógio te incomoda? Eu gostei da composição, e não ofusca a beleza da Priscila (que está incrivelmente linda em cena)! Mesmo assim, mil perdões, seu nome já está nos créditos da foto! E da próxima vez pode ter certeza que vamos tomar mais cuidado (afinal não queremos que isso seja motivo pra lamentos).

    E antes que também me esqueça, o que você entende por “criticar negativamente por puro deleite, fundamentalismos e falta de contextualizões”? Às vezes nem sinto prazer em tocar em certos pontos, mas fazer o quê quando se acredita que o diálogo sobre a produção artística é engrandecedor. A revista não tem o intuito de discutir teatro pra ser valorizada ou bancar a dona da verdade. Buscamos a reflexão, e conseqüentemente o diálogo (é acho que diálogo e fundamentalismo não combinam né!).
    Abç.

  4. Victor disse:

    Eu gostaria de ser capaz de “criticar negativamente por puro deleite, fundamentalismos e falta de contextualizações”, porém nao sei faze-lo…. nessas horas gostaria da iluminação de Anoeli.. ó grande mestra, que fazes parte da”gente do teatro”; faça sua voz ser ouvida mais uma vez e traga luz para essa discussao!! \o/

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