Um homem é um homem

Críticas   |       |    18 de fevereiro de 2008    |    0 comentários

Aquele que diz sim! Aquele que não sabe dizer não!

Fotos: Bianca Alin/Divulgação

Uma fila quilométrica se forma na porta do Sesc de Uberlândia. Gente de teatro, pessoas que não costumam ir ao teatro, imprensa, limpinhos, sujinhos, colunáveis e colunistas sociais, todos esperando para entrar no ginásio do Sesc para assistir aos mineiros do Grupo Galpão, na abertura IV Mostra Nacional de Teatro de Uberlândia. Quinze minutos de atraso, mais quinze minutos de rasgação de seda com os patrocinadores, vídeos, piadinhas das apresentadoras, mais um sorteio de quinze assinaturas de um jornal e, enfim, os três sinais dados pelo apito de um militar. Vai começar o espetáculo.

Um homem é um homem foto três divulgação.

Entram então 11 atores em cena, todos em traje militar, num prólogo tipicamente “galpaniano”, ou seja, muita música para anunciar Um homem é um homem. Na adaptação do grupo para o texto de Brecht, a Índia vira a cidade fictícia de Dagbah, e o acampamento inglês é agora um acampamento das tropas ocidentais coligadas. Galy Gay (não faça trocadilhos com o nome do cara, porque nem os atores fizeram!), um cidadão comum que não sabe dizer não sai para comprar um peixe, enquanto sua mulher coloca a água no fogo. Em vez de peixe, compra da dona do acampamento do exército um pepino. No caminho de volta, é convencido pelos soldados da Primeira Cia. de Metralhadoras a tomar o lugar de Jeraiah Jip (não o ninja Jiraya mas um soldado que metralha todos em nome da paz ocidental).

A contextualização proposta pelo grupo, com adaptações no original de Brecht, nos leva ao clichê das rodas teatrais – por que montar o alemão hoje? Até que ponto a tal contextualização do momento histórico, trazendo à cena o domínio de “países ocidentais civilizados” causadores de todas as desgraças do Oriente Médio (num “distanciamento” da realidade brasileira) não é mera alegoria? Será que o esforço de adaptar o texto para a melhor compreensão do público não o deixa óbvio demais (como o leilão da ‘galhufa’ – um arsenal bélico de mentirinha – que no original era um elefante)? Ou a reflexão brechtiana sobre as condições de sobrevivência do homem ante a manipulação, a corrupção e o capitalismo, são tão contemporâneas que não importa se a peça se passa na Índia ou na Portelinha? Por que sempre que vejo Brecht, os momentos de fazer piadinhas, dar beijos na boca e de cantar uma bela canção brechtiana, são tão separados dos momentos sérios, de reflexão, em que o ator vai para a boca de cena e faz um longo discurso moral (soluções cênicas da época do alemão)? Agora é uma coisa! Agora é outra! Aquele que diz sim! Aquele que diz não!

Nesse quesito, o Galpão ganha pontos, porque apesar dos maneirismos de uma peça didática, Paulo José mantém a mesma linha de encenação de seu O inspetor geral, abusando do que os atores do grupo têm a oferecer (e eles oferecem muito!). Mas agora, o ritmo é mais intenso, o que dá a impressão de estar vendo um monte de crianças barbadas brincando no quintal. Os números musicais não se restringem aos tradicionais “galponescos”, que remetem a uma trupe mambembe com canções populares. Alguns lembram musicais do teatro Abril, com muito deboche e, lógico, a platéia aplaudindo no final de cada um.

A alma do grupo está em seus atores. Não sou o Serginho pra citar um por um, mas não poderia de deixar de comentar as movimentações do Eduardo Moreira na sua cadeira de rodas, as gracinhas infalíveis do Rodolfo Vaz e a interpretação contra a corrente de Inês Peixoto. Esta faz um personagem daqueles temidos pelos atores, a mulher do protagonista que só está ali para explicar alguma coisa da história. Então adota uma postura linear, com os diálogos em ritmo definido, e o que poderia ser uma idiotice de teatro escolar é a carta na manga da atriz, que nos faz torcer para que a Sra. Galy Gay entre em cena logo, o que só acontece duas vezes.

Galpão 2 Um homem é um homem doto divulgação

Enquanto muitos grupos querem inventar o que ainda não existiu, o Galpão se reinventa nas suas próprias tradições. Podem até querer estar plugados nas tecnologias projetando imagens (o que infelizmente só reforça o didatismo da peça, como se fossem legendas que anunciam o tempo e letras de música), mas é a energia dos tiozinhos, em pular nas suas pernas de pau, assoviar, dar piruetas, tocar trombone e chupar cana ao mesmo tempo, aliada à reflexão humana e ao teatro popular, que mostra que para fazer teatro contemporâneo não há necessidade de complicar tanto.

682 colunas tortas na arquibancada

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.