Velho Mar + Canoeiros da Alma

Críticas   |       |    19 de fevereiro de 2009    |    3 comentários

Nem bonitinho, nem doidão

Foto Canoeiros da Alma: llian Paiva

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Foto Velho Mar: Ana Quina

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Das grandes coincidências pré-espetáculos

Dois espetáculos. Em comum tratam de moradores que vivem à beira d’água. Em Velho Mar, pescadores habitantes do litoral Atlântico. Em Canoeiros da Alma, ribeirinhos do Vale do Jequitinhonha.

Além da água, os dois são apresentados em espaço não convencional (viva a abolição do palco italiano! Viva!), tem elenco jovem e um quê de “teatro de pesquisa”. Ponto pra curadoria da V Mostra Nacional de Teatro de Uberlândia que colocou na programação dois espetáculos que dariam várias possibilidades de reflexões inter-relacionadas.

Antes de entrar no teatro ouvimos da produção do primeiro espetáculo:

­- Fiquem à vontade pra tirar os sapatos e sentar nas cadeiras que estão sobre a areia.

(pensamentos impuros: ahhh só os sapatos?)

Oba! Cenário com areia no chão e possibilidades de interação!

Do próprio elenco do segundo espetáculo, andando pela fila na porta do teatro, ouvimos:

– Apesar da arquibancada, cada um pode sentar onde se sentir à vontade, e acompanhar o espetáculo de onde e como quiser durante o mesmo.

(pensamentos impuros: hum… como eu quiser…)

Oba! A platéia é parte do ritual dionisíaco!

Das pesquisas

Quer dizer então que falariam de povos que tem suas vidas diretamente ligadas à água. Seria uma relação tipo aquela de peças que tratam de determinados temas, ligados à cultura do politicamente correto, e aproveitam dos assuntos pra educar as pessoas, convencendo as crianças do quanto é importante respeitar o meio ambiente – e de quebra conseguir pontinhos pra aprovar uma lei de incentivo? De acordo com os programas e comentários isso era improvável.

Pô, o primeiro grupo parecia mais interessado em narrativas que abordassem “a relação poética entre o homem e o mar” (um crtl+C e um crtl+V básico no programa da peça).

Oba! Teríamos uma pesquisa das histórias dos homens simples, em que o modo arcaico de vida, com crenças e costumes, quando contados com jeitinho teatral, nos emocionaria profundamente! Uma espécie de Café com Queijo com vozinhos falando engraçado, fazendo com que remetêssemos às tradições e mostrando então como temos um pezinho lá no interior.

O segundo grupo desenvolveu o espetáculo dentro dos cômodos da UFU (com direito a viagens lá pelos lados do Jequitinhonha) e, de acordo com todos os comentaristas do cerrado, trabalhou exaustivamente improvisações e viewpoints, tendo uma dramaturgia construída durante o processo de montagem.

Oba! Apesar de falarem de uma comunidade que vive uma realidade totalmente diferente da minha, as investiga̵̤es est̩ticas promoveṛo uma liga̤̣o direta entre os diferentes mundos. A mesma sensa̤̣o de compartilhar viv̻ncias como o conseguido em Vemvai РO Caminho dos Mortos.

Das expectativas frustradas

Apesar dos dois espetáculos fugirem do palco italiano (igualzinho o diabo da cruz), a posição de público continuou sendo aquela do cara que sentou e assistiu. O máximo que aconteceu foi ir embora com um pouco de areia no sapato ou meio molhado devido à chuva vinda das roupas das lavadeiras.

No primeiro não aconteceu nenhuma tentativa de quebra da quarta parede (construída por um bom pedreiro do Stanislavsky), e no segundo, pelo fato de haver uma arquibancada (o que não existia quando as apresentações desde ocorriam nas salas da universidade), o público preferiu ficar longe, e as investidas do elenco para algum tipo de aproximação foram tímidas (e conseqüentemente não convenciam ninguém).

O primeiro elenco canta, dança e interpreta (além de pagar peitinho).

Ah não! As canções ao invés de dar tônus mostram o quanto as coisas parecem não encaixarem (tipo porca e parafuso). São elementos que provavelmente estão ali pra causar poesia, mas em nada ligam ao imaginário litorâneo. Ops, ressalva pro canto das sereias (se bem que era só voz, o que poderia ser facilmente substituído por um CD).

Ah não! As interpretações soam infantis, querendo reproduzir tipos, mas não se decidem entre tipos, realismo e prosódia (enfim achei um lugar pra usar essa palavra! Agora posso escrever em um veículo sério).

O segundo elenco se divide entre registros de momentos da vida de ribeirinhos, e pirações (só estou repetindo um nome que alguns usam pra alguns corpos procurando plasticidade no espaço).

Ah não! As histórias mostradas e contadas são muito cotidianas (qué um sacolé?) e muitas vezes os jogos corporais caem na mesmice, repetindo, repetindo e repetindo ações que acabam por cansar o público. O giz risca no chão, mas fica só num jogo entre o ator e o objeto. E as lavadoras esparramando água por todo o lado é bem bonito plasticamente, contudo acho que já tinha visto isso num vídeo do National Geographic.

Fica difícil de acreditar no que é mostrado, e vemos que apesar do esforço grande dos atores (que se entregam de corpo, água, suor e várias outras secreções) não há comunicabilidade entre público e elenco.

Então que caminho seguir? Será que é o das reflexões brechtianas que a Cibele Forjaz usou ao escancarar que seus atores era apenas um elenco que não tinha a vivência dos índios, e, portanto estavam representando, utilizando para isso truques inventivos guardados em sua manga? Ou o da mimese corpórea utilizado pelo Lume, que investiga cada milímetro do caso pesquisado, e com uma encenação cuidadosa nos deixa claro que não é um documentário de televisão à cabo e sim teatro? Ou outro que pode ser (e está sendo!) pesquisado por diversas pessoas?

Quem sou eu pra responder?

Que venham mais e mais pesquisas e experimentações de todos os tipos, pra refletir diferentes realidades desse Brasilzão sem fronteira. Afinal mesmice não causa nenhum tipo de indagação.

O fato é que não basta experimentações por si só, porque daí vira outra coisa. Nem bonitinho, nem doidão. É preciso comunicar.

02 coelhos com uma cajadada só

'3 comentários para “Velho Mar + Canoeiros da Alma”'
  1. q isso! mas a primeira peça até paga peitinho!!!

    n gostaram..?? o mundo tá perdido!

  2. iroria:
    figura de retórica que exprime o contrário do que as palavras significam e que serve para depreciar ou engrandecer….depreciar ou engrandecer…

    afiado!

  3. Sem polêmicas Paulinha! A cena da sereia era bonita, e os peitinhos foram importantes pro conjunto!

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