Anticlássico – Uma Desconferência e o Enigma Vazio

Críticas   |       |    12 de janeiro de 2008    |    2 comentários

A conquista de uma ambigüidade

Foto: Álvaro Riveros

Leia também a crítica de Fabrício Muriana para este espetáculo.

“Avant Garde ou Ava Gardner?”. Essa é a pergunta final que Alessandra Colasanti lança à platéia em Anticlássico – uma desconferência e o enigma vazio, que está em fim de temporada no Sesc de Copacabana. Pode não parecer, mas tal pergunta traz uma discussão sobre o sentido do próprio trabalho da atriz, e cita, ao mesmo tempo, o “Ser ou não Ser” (irônico) de Hamlet, que é personagem, deslocado, e diminuído, na peça. Colasanti não é, e nem poderia ser, uma coisa e nem a outra. Ela o é, entretanto, por conta da falência que se dá na própria peça de ser inventiva ou uma bobagem. A peça é, ao mesmo tempo, essas duas coisas, pois não há despretensão (o que hoje em dia é muito fácil), mas uma ridicularização de sua própria pretensão, um rir-se de si mesmo desavergonhado. Ninguém sem pretensão pesquisa tantas e tantas citações de textos ligados à academia. E quem costuma fazer isso geralmente critica o outro, o acadêmico tísico que gosta de filosofia, não o seu próprio ato de citar. Estamos num país não acadêmico, de atores ainda não acadêmicos. Aqui, o intelectual ainda é o bacharel ou o poliglota, no máximo o romancista-escritor, nunca o filósofo. E citar filósofos sempre esteve em baixa – ou, em alta, só para um público muito sui generis. Neste caso, acredito que a atriz funcione como um espelho autocrítico, visto que a própria caricatura híbrida, pouco natural, composta por Alessandra, não remete a nenhuma figura pública, só à dela mesma, à de performer.

O problema que a pergunta final instaura na peça está amalgamado na personagem híbrida criada pela atriz: uma bailarina de vermelho conferencista – meio musa e intelectual -, mas o humor é de vedete, de atriz de boulevard, nada parecido com um ‘humor sofisticado’, e o ritmo da peça é envolvente até demais. Chamo atenção para uma relação: Pauline Kael achava lúdicas as citações feitas pelo jovem Godard, que para nós parecem muito sofisticadas. A crítica mostrava que ele citava Montaigne (trechos muito conhecidos pelos cinéfilos franceses), Rimbaud (do mesmo modo), Van Gogh, etc. É a citação do já conhecido que o aproximaria, segundo Kael, do ingênuo e do lúdico. A construção de Alessandra não se dá do mesmo modo, nem poderia, é um outro contexto. Não se vive numa cultura onde as citações filosóficas de Foucault e de Benjamin sejam um lugar-comum, ao contrário, aqui, elas são tratadas como especiarias. E a graça é que a performer ri de sua pesquisa de campo, que alguns professores universitários considerariam suficientes. Constrói-se, na pergunta, também um outro paradoxo e que é próprio de nosso teatro contemporâneo: ser alternativo ou ser a musa (ganhar o Oscar e o prêmio Shell)?

“Onde está o autor?”, pergunta de Foucault feita na desconferência. Ele não existe como um sujeito centrado, mas sim personalizado na força desses dois discursos que se inscrevem sobre o nosso teatro que é derivado de um outro lugar. É a bailarina russa, o texto estrangeiro, a contemporaneidade-teórica made in exportação. E se possível com o exagero de uma pronúncia perfeita em língua estrangeira. O próprio título intriga porque brinca com essa tendência do teatro contemporâneo carioca de pôr nomes longos e pseudo-filosóficos, sempre com alguma composição abstrata, assim como “o enigma vazio”. Porém, ao invés de se ver uma atriz muito profunda, ou de um naturalismo elegante, se vê uma atriz exagerada, de perna aberta, mostrando sua bunda e piscando para a platéia.

Há uma citação de Walter Benjamin que é feita assim: “Benjamin, adorooo!”. Total desconstrução, pois coloca na horizontal o nome do crítico numa inflexão, ou jogo cênico, de um besteirol. Não é um lugar nobre, mas também não é pejorativo. Quando numa cena de besteirol, alguma personagem diz: “sexo, adorooo!”, ou “malhar adorooo”, nunca se pensa que a personagem está diminuindo o sexo, pelo contrário, é nessa leveza que o sexo a apraz, e que não é católico. É evidente, que nesses espetáculos de besteirol, talvez, falte uma tensão, o ordinário está posto no seu lugar seguro. A diferença aqui é a retirada e a colagem que não é nada didática. Quem sabe quem é Walter Benjamim entende a piada, quem não sabe, fica sem entender. E o autor é gostoso como o sexo.

É difícil enquadrar o trabalho de Colasanti. Seria possível chamá-lo de peça ou de “performance cool”, de Teatro dos mais antigos (da atriz histriônica) ou peça contemporânea. Nada disso importa. O bom é a conquista desta ambigüidade: “Avant Garde ou Ava Gardner?”

'2 comentários para “Anticlássico – Uma Desconferência e o Enigma Vazio”'
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  2. Assisti no sesc de copa, tem uns 2 anos, eu acho. RECOMENDO! Parabéns Colasanti e João!!!
    Beijoooo, pati

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