Simplesmente eu, Clarice Lispector
Simplesmente eu, Beth Goulart
Essa crÃtica faz parte do registro do XVII Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga. Clique aqui e confira a cobertura na Ãntegra.
Fotos: MaurÃcio Alcântara. Confira também a galeria de fotos deste espetáculo.
Antes da programação do festival ser iniciada, conversávamos durante o almoço no mosteiro de Guaramiranga sobre provincianismos que se manifestam nas mais diversas ocasiões, por todo o paÃs, sempre estabelecendo relações de superioridade e admiração análogas à quelas que se dão entre colônia e metrópole (mudando sempre, caso a caso, quem é quem nessas relações). Lembrei-me imediatamente desse diálogo ao acompanhar uma orientação da produção aos policiais que estariam de plantão ao longo do evento, dizendo pra ficarem atentos “principalmente no espetáculo de estreia, com a Beth Goulart, que é uma atriz bem conhecidaâ€. Ao final do espetáculo, a conversa vespertina é retomada por minha memória ao ver a atriz agradecendo “pela presença, pelo carinho, pelo silêncio quando possÃvel (sic)†e dizendo “que bom que vocês têm um festival e um teatro, isso é maravilhoso, venham mais a ele, ele é de vocêsâ€.
Entre uma conversa ouvida sem querer e os agradecimentos da atriz, houve a primeira apresentação do espetáculo (foram duas naquela noite). Em cena, a atriz dá vida a personagens, correspondências e a biografia de Clarice Lispector – ora incorporando uma caricatura da escritora, com um sotaque difÃcil de engolir, ora mesclando-a com seus personagens, ora assumindo uma ponto de vista da atriz para quem foi Clarice.
No entanto, ainda que seja perceptÃvel a intenção de pluralizar os pontos de vista, somente um é realmente exposto no palco: o da atriz, que enfeita tudo o que é dito com um show de técnica (na interpretação, na cenografia, na luz, no figurino). Talvez não por coincidência, também não há pluralidade de vozes na construção do espetáculo – além de atuar no solo, Beth também o dirige e assina a dramaturgia – a partir de sua relação Ãntima e pessoal com a obra da escritora.
No entanto, todos os elementos vistos em cena – o que inclui o cenário, figurinos, luzes, adereços (tudo minimalista, beginho, chique) -, menos do que remeter ao universo de Clarice, parecia remeter ao universo de Beth Goulart pensando em Clarice, usando a personagem para construir uma imagem de diva que, não cabendo à Clarice representada, recai sobre a atriz mesmo que, altiva, faz uso de todos os elementos cênicos possÃveis mais para marcar mudanças e transições (talvez pra não dar aquele soninho no público) do que para construir signos e conceitos que dêem conta de falar de Clarice como forma de complementação do texto dito. Assim, poderia ser qualquer outra escritora ali representada por aquela forma e por aquele registro (Clarice, Rachel de Queiroz, Simone de Beauvoir, Ana Maria Braga) – mas só conseguia ver Beth Goulart.
1 revoada de morcegos
O espetáculo foi assistido no dia 4 de setembro de 2010, às 19h, no Teatro Rachel de Queiroz, Guaramiranga-CE, como parte do XVII Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga, com entrada gratuita por meio da credencial de imprensa do festival.
Outras crÃticas do Festival de Guaramiranga:
– Voo ao Solo
– As Três Irmãs
– Uma Vez, Nada Mais
– Cacuete – A incrÃvel performance de crendices (em breve)
– Mostra Guaramiranga Em Cena (em breve)
por sinal, duas apresentações “densas” seguidas! aquela dificuldade em se tornar coletivo que vc relatou no Voo Solo caberia bem aqui em Clarice.
belos textos!
abs
Mau, é isso mesmo. Inclusive, no debate de Voo ao Solo foram mencionadas as semelhanças dos dois espetáculos em sua forma.
Cada vez mais tenho a sensação de que nosso teatro tem girado cada vez mais em torno do “como” e do “o quê”, deixando o “por quê” e “pra quem” em segundo plano.
Pra mim, deveria ser exatamente o oposto.
Abraço!
MaurÃcio, gostaria de partilhar da minha impressão a respeito da encenação de Beth Goulart “sobre†Clarice. Digo isto, porque ao sair hoje do Teatro de Santa Isabel, no Recife, onde a peça foi encenada, só ouvia comentários positivos e isso me assustou. Acabo de assistir à apresentação e voltei com sensação semelhante a tua. Não vi Clarice, mas certa caricatura de uma Clarice monofônica, neurótica que faz a platéia rir em muitos momentos. Não vejo Clarice assim. Não há nada de óbvio no universo clariciano, muito menos automático como evidenciam os inúmeros gestos da atriz (Beth é quase uma bailarina em cena, produzindo poses para belas fotografias). Não vi Beth saborear as PALAVRAS. As frases são muitas vezes aceleradas como a vibração estressada e desarmônica do dia a dia, nada a ver com a pulsação nada apressada do universo polifônico e enigmático de Clarice. Quanto a isto, as personagens não se diferenciam. Também não a senti mergulhada na linguagem, ou impulsionada por esta, o que parece ter sido minimizado em virtude da preocupação em sustentar um “sotaque”, que também me incomodou. Sentia Clarice ser mais descrita, do que VIVIDA. Foi mais uma decepção quanto à interpretação de Clarice Lispector. Recordo-me de outra que foi a encenação “tragicômica†de Ãgua Viva por Susana Vieira. Isso me leva a crer na IMENSA DIFICULDADE que é transpor Clarice para a cena, que é tirá-la do papel, enfraquecendo o ritmo da sua ESCRITA, complexa na sua simplicidade.
Oi, Lóri,
Me intrometendo porque gosto muito de Clarice, acredito que a dificuldade esteja na proposta, no objetivo da encenação. Talvez haja mais possibilidades de nos tocar como público pelo universo de Clarice, se não tentarem desenhá-la de maneira realista para nós.
Lendo seu comentário lembrei imediatamente de uma montagem, bem mais despretenciosa que essa da Beth, que aconteceu em São Paulo, com base em um livro de Clarice e chamada Se eu fosse eu.
Aqui tem o link da crÃtica: http://www.bacante.org/critica/se-eu-fosse-eu/
Naquele caso, eu mergulhei, como público, na linguagem junto com os atores. E a Clarice nem estava no palco. Mas estava. Sabe?
Outra coisa! Na Bienal de Artes de São Paulo deste ano tem um vÃdeo com um trecho daquela famosa entrevista dela que também já esteve em exposição no Museu da LÃngua Portuguesa há alguns anos. Naquele contexto, a fala dela está muito incrÃvel! E tem toda essa tranquilidade extra-cotidiana que você mencionou.
Bjo,
Juli =)
bom texto.
jura que foi tão horrÃvel assim?!
vc viu aquela versão que a mariana lima fez, dirigida pelo henrique diaz, para ´a paixão segundo gh´?
meu sonho era ver essa montagem…