A noite mais fria do ano

Críticas   |       |    14 de abril de 2009    |    27 comentários

Os caras tão traindo o movimento!

Foto: Rui Mendes

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– Aquele cara é o Mário Bortolotto?

РṆo, aquele ̩ o Hugo Possolo.

РPo, o cara ̩ muito bom, n̩?

– É.

РO outro, do cabelo branco (Bortolotto) ̩ meio canastṛo, mas o Hugo ̩ muito bom.

Meu pai se iniciou na Roosevelt na semana passada. Assim como fui eu que lhe ensinei a pescar e a acessar e-mail (coisas inúteis, saca?), também sou eu quem tem que apresentar o novo hall de celebridades da Praça Roosevelt (mais inútil ainda), mesmo que a peça tenha sido apresentada, pra falar a verdade, no SESC Avenida Paulista.

A Roosevelt cresceu, teve filhos (se não sabe do que estou falando, basta conhecer o novo Miniteatro, o antigo Ópera Bufa, novo Galharufa, e o Club Noir, a duas quadras dali, com o mesmo conceito de buteco + teatro) e passou a ser frequentada por muita gente. Um dos rostos que só passei a ver mais recentemente, tipo de 2 anos pra cá, é o de Marcelo Rubens Paiva, que já se apresentou no DramaMix e que agora escreveu e dirigiu uma peça com atores que, esses sim, sempre vi pelas bandas do lado de trás da Igreja da Consolação, mas nunca tinha visto pelas do SESC Avenida Paulista (com exceção de Paula Cohen).

Se você é um daqueles que está na fila do ingresso pra ver a montagem de A Noite Mais Fria do Ano (no dia em que procurei, só havia ingressos pra duas semanas depois), é preciso dizer que este teatro de Marcelo Rubens e companhia é extremamente naturalista. Hugo Possolo, Mário Bortolotto, Alex Gruli e Paula Cohen sobem no palco e interpretam personagens que querem parecer reais, mesmo quando fazem uma peça dentro da peça. Sabiamente, Marcelo Rubens Paiva colocou os mais canastrões para fazerem os papéis da tal peça dentro da peça. Hugo e Paula fazem o casal da peça propriamente (complicado, né? Só parece).

E tudo tem um tom de auto-indulgência que gostaria de ter percebido como irônico. Piadinhas com o teatro de grupo “daquele tipo que carrega cenário e rala”, os que supostamente não ganham dinheiro e pela sequência lógica de raciocínio fazem por amor ao que fazem. Sacadinhas de relacionamentos. Pagação de peitinho (aqui cabe colocar as aspas da Veja, eterna fonte de inspiração: “Sem freios na composição das personagens, Paula Cohen sobressai e protagoniza, ao lado de Possolo, uma das mais delicadas e verossímeis cenas de sexo do teatro recente” concluo que ela é tipo um caminhão descendo a Anchieta em cena), pagação de pintinho (valeu pela expressão Emilli!). Tem até o cenotécnico que tanto vemos na Roosevelt, um garoto ruivo que está sempre ali entre o Satyros e o Parlapatões. Vale tudo pra mostrar que a história não tem camadas mesmo, é aquilo que se apresenta e só. Mais uma história de amor, com um pouquinho de metalinguagem, contada por atores da Praça Roosevelt.

O que me motiva a escrever essa crítica não é esse naturalismo meio arcaico – entendam, não estou tratando de uma nova vertente, de hipernaturalismo, de hiperrealismo, estou falando daquele mesmo naturalismo que você vê na novela, na propaganda de margarina e em 9 entre 10 montagens dos textos de Plínio Marcos. Essa forma que pega de jeito o meu pai e muito mais gente que vai parar no 12º andar do SESC Avenida Paulista. Escrevo, na real, pra discutir essa aura desmemoriada, reforçada pela mídia, de que esses são os atores que “ralam”. Quase como dizendo com outras palavras “nós somos os alternativos” ou a “alternativa”.

Contrasenso: com R$ 120.000,00 captados via lei Rouanet de um patrocinador obscuro de Portugal, e mais de R$ 295.000,00 aprovados para captação até o final do ano – dados do Ministério da Cultura – além de um provável valor adicional pela compra da montagem pelo SESC, direção do autor (entendeu? não tem necessariamente que pagar direitos autorais, nem um diretor a mais), montagem com pouquíssimos objetos cênicos e iluminação simples, os caras só ralam mesmo se for na academia pra ficar mais “parecido com o personagem”.

Em recente matéria da Revista Bravo, a jornalista Gabriela Mellão afirma que a base do teatro na Praça Roosevelt é a independência financeira do estado. Mas a peça do “catadão da Roosevelt” mostra que essa matéria embaça a visão de qual é o motor da praça. E aqui não estou falando das montagens circunscritas na praça, mas do “conceito mais amplo de praça Roosevelt” que está chegando na Avenida Paulista por meio dos Satyros – grupo que no ano passado fez temporada no Itaú Cultural e que esse ano volta para o espigão com a montagem de Liz, anunciada para estrear no próximo mês no SESC Avenida Paulista – e do grupo capitaneado por Marcelo Rubens Paiva, que conta com Bortolotto, do Cemitério de Automóveis, Possolo, do Parlapatões, e Alex Gruli, da Gambiarra.

A metáfora da cadeira das aulas de economia retorna: quando compramos uma cadeira, não vemos o trabalho e a exploração da mão de obra por trás daquele objeto que usamos pra sentar. Da mesma maneira, quem vê o movimento praça Roosevelt atual, não vê toda a grana pública que está por trás, seja nas diversas edições do fomento ganhas pelos Satyros, pelos Parlapatões, pelo Cemitério de Automóveis, ou nas novíssimas solicitações de patrocínio via Lei Rouanet, como é o caso de A Noite Mais Fria do Ano, ou dos Parlapatões, que quando abriram seu Espaço contavam com grana da Petrobras. E por último e não menos importante, mais recentemente contam com a verba do SESC que, não podemos esquecer, vem do protegidíssimo sistema S, e que é também verba pública.

Parágrafo rápido: ter dinheiro não atrapalha em nada. Todo mundo gosta, viabiliza projetos, bebe-se mais cerveja, faz-se mais teatro. Só não me venham dizer no meio da peça que esse é o teatro que rala, porque meu pai acredita.

É tarefa tão inglória apontar esses embaçamentos da mídia em geral, e do público que não vê o que está por trás da mercadoria, mas só a mercadoria em si, que fico com preguicinha de explicar pro meu pai toda essa história. Talvez ele leia aqui. Vez ou outra ele acessa, depois de digitar três vezes bacantes.com.br. Talvez a experiência estética daquele naturalismo + metalinguagem seja transformadora pra ele. O que levo mesmo é que assistir aquele povo todo da Roosevelt ali no alto da Paulista foi mó divertido. Meu pai adorou. Comparou atores. Fez juízos de valor e eu escutei bastante. Me fez refletir um montão.

1 pão de café muito bom antes da peça.

'27 comentários para “A noite mais fria do ano”'
  1. Fred disse:

    Concordo plenamente Fabrício! Seu texto foi excelente.

  2. Carlos Canhameiro disse:

    Valeu, Fabrício.

    Não vi o espetáculo… Mas fico aliviado de ler algumas boas colocações sobre a grana q rola da Praça Roosevelt e a irresponsabilidade de uma “jornalista” ao escrever que os teatros e os grupos que residem na praça vivem sem dinheiro estatal…

    E também sobre a colocação do outro “jornalista” da Vejinha, que acredita que “verossímel” seja um adjetivo positivo para o teatro!

    Só discordo do “título”! Os caras tão dentro do movimento…

    Parabéns e Há braços.

  3. Oi Carlos e Fred
    Valeu pelos comentários.
    Sobre o título, é uma ironia. Na real é uma expressão que ouço muito em contextos bizarros, do tipo NXzero respondendo pra Rolling Stones “não somos emos” e penso “porra, os caras tão traindo o movimento”.
    Pessoalmente, não acho que exista qualquer movimento.

  4. […] Pra ninguém poder dizer que o pessoal da Bacante só procura defeito na Folha, fica chutando cachorro morto ou que não da atenção pra nada mais “descolado” no meio impresso, resolvi botar na roda com mais detalhamento uma discussão que o Fabrício começou na crítica da peça A noite mais fria do ano. […]

  5. Aderbal Prata disse:

    Primeira vez que leio uma crítica que critica o patrocinador. E o contra-regra!!! Dramaturgia, carpintaria, nada. O cara teve a manha de ver no site do MinC quanto o grupo pediu na lei. E todo mundo sabe que pedem xis, para ganhar ípslon. Eu, hein? Parece coisa de invejoso. E a grana que o Zé Celso ganhou para montar Bacantes, Sertões, DVD, Petrobras, fomentos etc? Ridículo analisar teatro sob essa perspectiva. Que a Petrobras de dinheiro para Parlapatões, Satyros. Detalhe: Cemitério do Automóveis nunca ganhou um fomento! Já o Oficina…

  6. Carlos Canhameiro disse:

    Basta uma olhadinha no site da DEC para saber q o Cemitério de Automóveis foi contemplado TRÊS vezes pela Lei de Fomento (I, III e VII edições). E o mesmo se inscreveu sete vezes.
    E, se questionar quanto e como o dinheiro público veio parar nas mãos de um grupo de teatro é coisa de invejoso, fechem o Ministério Público e abram o Ministério das Vaidades.

    E, por favor, vá lá no Oficina Uzyna Ozona e nos informe sobre o que vc perguntou… Melhor do q especular.

  7. Kiko Rieser disse:

    “Primeira vez que leio uma crítica que critica o patrocinador. E o contra-regra!!! ”
    Que bom, novos olhares! Parabéns, Bacante. E Fabrício.

  8. João Saldanha disse:

    Hehehe… pede empréstimo pros caras pra montar as suas peças, meu velho… parece que os caras ganham tudo e vc não ganha nada, porra! Mó sacanagem contigo… tá certo!!!

  9. Ricardo disse:

    O Canhameiro não é da Les Commediens sei lá o que? Eles também já ganharam um par de vezes o fomento… vixe! Tão reclamando de barriga cheia por aqui, hein…

  10. Aderbal, acessar o site do ministério da cultura e outras instâncias públicas e conferir pra onde vai o que nos levam deveria ser algo pra ser feito antes de abrir a caixa de e-mails. E sobre o Oficina, realmente não sei muito. Você tem mais informações?

    Valeu pelo novo comentário, Carlos.

    Pois é, Kiko, não sei se o cara tá argumentando a favor ou contra. Enfim, valeu pelo comentário.

    Oi João. Então, sobre esse lance de pedir empréstimo, é foda porque eu não pago. Mas se eles abaixassem o valor da cerveja, já que não é que sustenta os caras, eu já ficaria contente.

    Então, Ricardo, O Les Commediens já teve Fomento, o grupo em que trabalho tem Fomento e a Bacante tem o Pac. Ninguém tá reclamando não (pelo menos até aqui). Com esses exemplos, parece até que a cultura no Brasil consegue ter verba pra todas as suas manifestações. Por mim, posso dizer que estou discutindo uma matéria leviana publicada na Bravo e uma lógica meio estranha instituída dentro da peça do Marcelo Rubens Paiva.

  11. teatrulha disse:

    vai primeiro resolver tua historia com o teu pai, menino.

  12. Carlos Canhameiro disse:

    O tal “canhameiro” é sim da Cia. Les Commediens Tropicales, que foi contemplada uma única vez pela Lei de Fomento ao Teatro… E, de barriga cheia ninguém reclama, arrota!

  13. Paulo luis disse:

    credo gente…que crítica amarga…
    todo mundo Vê onde cheguei, mas não ve os tombos que levo…não é assim a frase…
    e poxa, se vcs tem o pac poderiam ter coberto melhor o festival de curitiba, a cobertura de vcs foi podre, pra não dizer irrisória…aonde gastam o Pac? na cerveja?
    eu não sou de nenhum dos grupos citados…e acho que o Zé Celso merece ganhar tudo que ele quer…o cara já é patrimônio…chega de todo mundo ganhar dinheiro…chegou a hora dos artistas, mesmo que sejam poucos deles…garanto que não começaram ganhando…acalme-se que tem pra todo mundo…é só ter um Q.I. ou viver saindo na Coluna da Monica Bergamo…

  14. Paulo luis disse:

    não fiquem irritados pelo meu depoimento a respeito do festival…e a cobertura de vcs…foi apenas uma CRÍTICA!

  15. astier basílio disse:

    “(…) Zé Celso merece ganhar tudo que ele quer…o cara já é patrimônio…(…)”

    se o Zé já é patrimônio, não já estaria na hora de tombá-lo não?

  16. Paulo

    Obrigado pelos comentários. A gente raramente fica irritado. Pode falar o que pensa.

    Astier, essa será a primeira categoria do prêmio Bacante de hoje à noite!

  17. ivanildo area disse:

    Adorei a revista, principalmente a revelação que ensinou o seu pai a pescar nos rios e na net, estou longe mas seguirei de perto a sua trajetoria, um abraço Fabricio, continue com o amargor dos criticos.

  18. Querido Tio Ivanildo, da Teresina, do calor.
    Que super mega legal ver um comentário teu por aqui.
    Deve ter sido meu pai que me denunciou? Ainda lembro, como se hoje, da montagem de A vida é cheia de som e fúria, que vi aí, no Teatro 4 de Setembro, apinhado de gente, em Teresina.
    Quero voltar praí com mais calma.
    Sobre o amargo, tio, foi-se muito já. Ando até colocando mascavo nos textos. Mas me falta pequi, buriti e outros sucos doces que só encontro por aí.
    Apareça (virtual e fisicamente) e abração!
    Mande outro a Yanca, Alexandra, Dulce e à menina dela.

  19. Stace disse:

    uau. vou assistir hoje em Vitória/ES.

  20. Stace disse:

    então,

    me deu a impressão que eles ‘sabem fazer’ o que criticam. ahh eu gostei. Aliás, pelo amor de algum Deus’s fale com o povo da Roose’velt trazer mais teatro a Vitória/ES. Fica meu apelo. um abraço aos passantes.

  21. ah sim Stace! Eles sabem fazer o que criticam. Se os teatros burgueses bebem água colorida, eles bebem cerveja, vodca e wisky de verdade. Que sacrifício!
    Aliás, alguém sabe porque sempre tão bebendo Bavaria em toda peça? Será que ela é patrocinadora oficial da galera?

  22. Isabella Muriana disse:

    Olha,vocês podem falar oquê vocês quiserem e tudo mais…Agora Nx zero não por favor ! Fabrício não cite mais essa palavra na bacante.rsrsrsrrsrrsrsrs;

  23. Chico Ribas disse:

    Há tempos eu acompanho a r evista Bacante só pra ler os absurdos que vocês falam. É gostoso apontar os caras né? Falar que atrás do movimento da Roosevelt existe dinheiro público, só que quando a Praça tava abandonada e ninguém colocava os pés lá, Os Satyros foram pra lá e mudaram a realidade daquilo. Só que agora é interessante para os políticos investirem ali, mostrar serviço…
    E se hoje pessoas como Marcelo Rubens, Bortolotto, Os Satyros estão indo parar no SESC com “muito dinheiro”, é resultado de uma trajetória de muita ralação.
    Acho engraçado vocês críticos… vocês adoram falar o que não sabem.
    A crítica acabou faz tempo!

  24. Pô, Fabrício, assim fica parecendo o complexo de pobre que minha mãe me acusou quando quis comprar um fusca. Teatro sem grana acontece, é bonito, é autêntico, mas não paga ninguém, não evolui, é auto-referente. Que nem teatro de escola, que todos nós conhecemos bem né. Devia comemorar o alternativo com grana; o off-Brodway é caro também, meu amigo! Os Fantasmas da ópera, só eles podem? Por trás de tudo que você escreveu, pelos exatos mesmos motivos, há muito mais pra se comemorar que resmungar.

    …Os peitos da Paula, por exemplo.

    abraço

  25. Fabrício Muriana disse:

    Isabella, por favor não deixe de utilizar o prefixo Tio, antes do meu nome, pra escrever um comentário por aqui. Mesmo que seja pra falar do seu amado NXzero. É uma relação de respeito que eu quero conservar, porque faz com que eu pareça um crítico velho. E o público que comenta na revista adora críticos velhos.

    Oi Chico. Concordo com você. A crítica acabou faz tempo. A gente fala com os mortos por aqui. Valeu por me contar da ralação dos Satyros. Juro que não sabia.

    Tomé, concordo na parte sobre a Paula. Mas fiquei com a impressão que você não leu o “parágrafo rápido” da crítica. Volta lá, tá bem no final. Tudo bem, o texto é meio longo mesmo. Eu não leria. Ah, e não estou resmungando, falo isso de sorriso aberto com a cobertura de cultura dos jornais e o trabalho social realizado na Roosevelt. Valeu pelo comentário. Foi legal ver você como clown dos Parlapatões em São Caetano. Abraço

  26. Juli disse:

    Oi, Chico. Só por curiosidade… quanto à transformação da praça e ao interesse político em investir ali… de qual parte da praça você fala? Você bota o pé lá de noite? Você já ouviu falar que praça está pra ser reformada há mais de sete anos com projeto pronto e tudo? E que, hoje, forma-se um lagão ali no meio toda vez que chove?

    Desculpe, isso não tem nada a ver com a crítica. É que todo mundo tem essa mania de falar do que não sabe…

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