Besouro Cordão-de-Ouro

Críticas   |       |    12 de fevereiro de 2008    |    3 comentários

Aquele tal do público civil da capoeira

Entramos num ambiente escuro, quente, mal iluminado, montado dentro do galpão do Sesc Pompéia, para assistir Besouro Cordão-de-Ouro e descobrimos que estamos velando o caixão do tal do Besouro Mangangá. Na Bahia, é tradição beber o defunto e, por uma felicidade dessas da vida, a tradição foi incorporada à peça de forma naturalista, retomando o sentido político do teatro (do encontro dos iguais pra tomar uma caninha). Olhamos o caixão e lá dentro vemos nós mesmos, refletidos entre santinhos e na frente dos primeiros versos das músicas que serão entoadas na seqüência.

Seguimos a romaria curta e nos acomodamos (mal) numa sala muito maior, em meio a almofadas e rodeados por caixotes. Nossa disposição se parece com a de uma arena, mas logo se nota que estamos assim porque somos parte de uma grande roda de capoeira. Besouro Cordão-de-Ouro é capoeirista lendário, cujas histórias serão contadas de forma propositalmente caótica. Isso explica a presença de tantos capoeiristas na platéia – o tão sonhado público civil, de que a Fernanda D’Umbra comentou e que o Maurício citou.

Mais uma vez, relembro Vemvai – O Caminho dos Mortos, para entender que este musical quer assumir (entre muitos) um papel parecido, o de retomar a cultura dos grupos étnicos formadores da nossa sociedade – não pra fazer uma aula de história, mas para demonstrar de fato e in loco a riqueza desta cultura. Vemvai pesquisou os ameríndios. Besouro Cordão-de-Ouro coloca os negros, e sobretudo a capoeira, no centro do espaço cênico para demonstrar o quanto dessa cultura profundamente política estamos deixando de lado.

Besouro Cordão-de-Ouro é um musical contagiante (nunca achei que escreveria essa frase), que não perde o ritmo mesmo com vários intérpretes muito diferentes. Os temas são sempre os mesmos: alguma história de valentia do Mangangá contra as autoridades. Algo que começa sempre como insubordinação e termina com a vitória de Besouro (menos, evidente, no caso de sua morte), associando este personagem à imagem de um povo que tem a mácula da escravidão em sua história, quase como uma seqüela indelével da sua formação, mas que se rebela e que não se contenta com o teatro italiano, ops… viajei. E por opção da direção de João das Neves, começamos no velório desse povo, representado por Besouro.

A gente (público) fica se perguntando a peça inteira se eles vão abrir a capoeira para o público. E chega o momento da roda verdadeira. Muitos capoeiristas se exaltam em direção a ela, tantos que nem é possível desfrutar do jogo por muito tempo. Algum eco dos Sertões, de Euclides da Cunha, adaptado por Zé Celso. Não, eu não fiquei com vontade de fazer capoeira depois da peça (até porque fui forçado a fazer quando era criança, pois era matéria do colégio, e me traumatizei. Ainda bem que o teatro nunca foi matéria), mas é impossível passar pela experiência de Besouro Cordão-de-Ouro sem repensar a política inerente às coisas mais triviais da vida, como beber no boteco, ir ao teatro ou jogar capoeira.

5 estrelinhas pela caninha

Ps: Já que a assessora ainda está pra nos mandar as fotos do espetáculo e não pudemos mandar o Maurício para fotografar, pois seu equipamento foi afanado, confira as fotos da peça feitas pela Lenise Pinheiro aqui.

'3 comentários para “Besouro Cordão-de-Ouro”'
  1. Heron Coelho disse:

    adorei o espetáculo, e essa crítica devia ser o texto do programa.
    paulinho pinheiro merece todo o reconhecimento, primeiramente pelo conjunto de sua obra musical, e agora como dramaturgo, prova de sua versatilidade irrefreável.
    salve Paulinho, salve Luciana, salve Neves!!!

  2. Fernando disse:

    Muito bom mesmo ver coisas assim que faz agente entrar dentro da historia e viajar sobre ela eu adorei mesmo.
    Meus parabéns.

  3. Diemerson disse:

    besouro cordão de ouro foi quem deu inicio a luta pela liberdade da capoeira,hoje poucos se lembram dele,porém,hoje a capoeira é patrimonio cultural brasileiro graças a besouro.

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.