Um Homem Célebre

Críticas   |       |    20 de agosto de 2007    |    3 comentários

Machado e os civis

Certa vez, vi uma apresentação de Os Sertões com a platéia preenchida por uma excursão escolar. Eu, no lugar dos educadores responsáveis pela idéia, certamente faria o mesmo, mas infelizmente os alunos pareciam estar mais preocupados com o elenco nu de Zé Celso do que com qualquer história ou mensagem que a peça pudesse lhes trazer. Às vezes penso no quanto a educação nos força algumas coisas que, na verdade, deveríamos descobrir sozinhos (no máximo estimulados, nunca obrigados). Por isso sou contra a inclusão de escritores como Machado de Assis, Clarice Lispector ou Guimarães Rosa em listas de leitura obrigatória para vestibular. (Vamos combinar que o ensino superior – e o vestibular – tem estado cada vez mais relacionado com a auto-ajuda corporativa do que com a literatura, né?) Então tá, desabafo feito e radicalismos à parte, vamos à peça.

Foi exatamente nisso que pensei ao conhecer o projeto Machadianas, do Ágora Teatro. Estamos falando de um escritor cuja obra deve ser sempre, em minha opinião, (re)descoberta, (re)desvendada, (re)investigada. É exatamente isso que o projeto propõe: uma grande experimentação teatral sobre esta obra, e é o que vemos em um dos resultados do projeto, a peça Um Homem Célebre: quatro atores experimentando uma apropriação cênica para um conto narrado em terceira pessoa, em que um compositor de polcas vivencia a celebridade instantânea gerada pela publicação de uma de suas composições.

Trata-se muito mais da conclusão de um processo de pesquisa do que de uma produção que deva permanecer por muito tempo em cartaz. A cenografia é simples e a encenação se apropria bem do espaço (o que eles não poderiam imaginar é que na janela ao fundo do palco poderia aparecer um gato preto desfilando calmamente sobre o muro e atrapalhando a cena).

Descontando-se eventuais interferências felinas, o Ágora mostra-se cada vez mais como um importante pólo de pesquisa dramática da cidade, pela qualidade desta e das últimas produções que vi no espaço. É sempre bom saber que tem gente que ainda está mais preocupada com a investigação teatral do que com sucesso e glamour.

Este texto terminaria por aqui, não fosse por um comentário da atriz Fernanda D’Umbra em seu blog: ela diz sentir falta de um público mais “civil” nos teatros, menos classe teatral, mais dentistas, padeiros e operadores de realejo (e seus respectivos periquitos) – as profissões de exemplo são por conta da Bacante. Analisando sob esta ótica, Um Homem Célebre não parece ser um espetáculo “civil” (e isso nada tem a ver com a proposta de pesquisa machadiana). Acontece que as pessoas normais – entenda-se por “normais” aquelas que têm algo melhor pra fazer do que ficar perdendo muito tempo com teatro – dificilmente se contentariam com os 40 minutos de uma despretensiosa performance corporal resultante de uma pesquisa cênico-literária.

Análise interessante essa, que já havíamos esboçado, por exemplo, ao falar da mostra de repertório da Companhia dos Atores no SESC Pinheiros, onde a classe teatral era vista em peso fazendo caras blasê no foyer. É importante começarmos a perguntar para quem (ou para quê) são, afinal, feitos os espetáculos que assistimos. O teatro “civil” sem pesquisa de novas linguagens pode tender à inércia. Em contrapartida, um teatro que se proponha experimentações sem considerar que a platéia talvez esteja mais interessada em um espetáculo acabado do que em uma experiência, muitas vezes pode soar pedante.

4 bons atores e um gato preto se exibindo

'3 comentários para “Um Homem Célebre”'
  1. david disse:

    mais cara, o legal é que os “civis” vejam tambem este tipo de teatro, um teatro de experimentação e mais ainda: que gostem deste tipo de estetica tambem.
    afinal na europa os europeus sabem ver qualquer tipo de peça, por que? sera pq mtas escolas tem historia da arte e ate mesmo do teatro como obrigatorias?
    acho que sim.
    entao no Brasil devemos levar o pulblico civil a este tipo de teatro também, e vendo esse tipo de estetica quem for um pouco mais curioso vai procurar entender o que é aquilo por si só.
    resultado: ou ganhamos um espectador para este tipo de teatro, ou perdemos um espectador para este tipo de teatro.
    na melhor das hipoteses vamos ganhar pulblico!!!
    gostei da reflexão.

  2. Maurício Alcântara disse:

    David, também acho que os “civis” deveriam ver esse tipo de espetáculo, não faz mal algum (na verdade faz bem). Mas acho ingênuo achar que toda arte deveria ser feita para todos, assim como acho mesquinho achar que ela deva ser feita para uma minoria que a consome.

    Cabe a cada proposta definir a quem ela é voltada. O que eu defendo é que tentemos aproximar o máximo possível estas duas realidades (manja aquela expressão péssima, “sucesso de público e de crítica”? é mais ou menos isso, mas esvaziado do panfletarismo comercial da expressão).

    Agora… não sei o que realmente acontece com a cena cultural na Europa, não sei se é como você diz ou não. Só sei que aqui as coisas são diferentes… E por isso mesmo, acho não levam muito longe comparações sobre a fruição do povo europeu e do povo brasileiro com relação à arte experimental (ou qualquer outro treco do gênero)…

    Quanto ao “ou ganhamos ou perdemos um espectador”, leve em consideração que, a cada espectador perdido, é um argumento a menos para que patrocinadores, apoiadores ou mantenedores continuem estimulando esta pesquisa. Não podemos nos esquecer de que aqui no Brasil a arte não é (e está longe de ser) autosuficiente… infelizmente.

    Grande abraço, e vamos continuar o debate!

  3. merda disse:

    ah vai toma no teu cúúúúúúúúúúúúúúúúhhhhhhhhh

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