Congresso Internacional do Medo

Críticas   |       |    29 de julho de 2008    |    0 comentários

Palestra Mineira do Medo

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Fotos: Maurício Alcântara

O Espanca!, além de vencedor da categoria Bate que eu gamo do I Prêmio Bacante AOCA, é também um dos grupos que mais chamam atenção na cena brasileira contemporânea. Após o sucesso instantâneo de Por Elise, seu espetáculo de estréia, e do repeteco de sucesso com Amores Surdos (que, inclusive, é uma das peças mais indicadas no primeiro semestre ao Prêmio Xéo), a trupe mineira acaba de estrear nos dois FITs (o de BH e o de Rio Preto) sua terceira produção – desta vez bancada pelo Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil.

Em vez de chuvas de abacates para contar pequenas histórias, ou de sapateados na lama para falar de distâncias entre pessoas que vivem muito próximas umas das outras, a proposta agora é sair do universo do que é pequeno e partir para algo oposto, grandioso, internacional. Não, caro leitor, a peça não é um musical da Broadway, mas um congresso internacional – inspirado num poema de Carlos Drummond de Andrade que, inclusive, batiza a montagem:

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Os personagens, convidados a um evento cujo assunto desconhecem, reúnem-se em torno de uma mesa rústica de madeira (devidamente ornando com um enorme tapete de pele de vaca – tipassim uma decoração de rancho do Sérgio Reis). Aos poucos revelam-se não exatamente pessoas amedrontadas (tipo Regina, a apavoradinha do Brasil), mas figuras que não conseguem mais dialogar com o mundo em que vivem. Entre eles, os dois últimos representantes de uma tribo indígena, já tão “homembranquizados” – ela com cara e pose de modelo, ele com enormes tatuagens aparentes (que, ainda que não fossem propositais, aparecem e ganham significado) – que seria possível afirmar que não representam mais tribo alguma; um homem negro, talvez africano, de português excessivamente rebuscado; uma mulher de burca que fala um idioma que remete ao oriente médio; um homem que fala algo que seria espanhol se não fossem todas as sílabas embaralhadas; e a tradutora cadeirante que distorce todos os discursos, anulando qualquer forma de diálogo pleno.

Ao passo que dá pra identificar traços que já são característicos do grupo – caso dos personagens peculiares e a incomunicabilidade entre eles -, nesta produção ainda não desponta a mesma coesão e a mesma síntese dos demais trabalhos, tampouco uma dramaturgia que dê sentido a todos os elementos em cena (que eram aqueles dançarinos mesmo? E o sino? E o filtro de água? E tudo junto?). Da mesma forma, ainda não há radicalização com o formato de congresso e o medo não desponta como o tema central dos diálogos: no congresso em que o falatório pretende perder todo seu sentido diante da vida e da morte, o sentimento que mais interfere no público é uma angustiante sensação de deriva.

No parágrafo anterior menciono duas vezes a palavra “ainda” porque, ao que eu saiba, Amores Surdos também estreou cheia de rebarbas e levou um certo tempo até chegar à versão que pude ver com tanto gosto (como diria minha vó) no SESC Avenida Paulista. Será que também não é o mesmo caso deste Congresso, aparentemente estreado às pressas pra prestar contas ao mecenato do núcleo de festivais? Ou estarei eu apenas tentando encontrar em minha cabeça uma razão para tamanha diferença entre tais produções? Bom, são coisas que só o tempo e o grupo podem dizer. Enquanto isso, prefiro lembrar da sutileza do hipopótamo escondido no quarto e do cachorro que late palavras, e esquecer a grandiloqüência deste congresso sobre muito pouco.

1 expectativa frustrada no festival de Rio Preto

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