Fuerzabruta
Más de lo mismo, ou A crÃtica cai na balada
Fotos: www.fuerzabrutabrasil.com.br
Quem chega a São Paulo por Congonhas encontra no aeroporto um enorme painel publicitário que não deixa dúvidas: o espetáculo Fuerzabruta é uma nova atração turÃstica na cidade, assim como também já viraram tradição os musicais do teatro Abril – que vivem entupindo o trânsito da Brigadeiro LuÃs Antônio com os ônibus de excursão cheio de gente que vem conferir o melhor do teatro que não é criado aqui, mas que cobra os ingressos mais caros da cidade.
No quesito preço, Fuerzabruta (criado por alguns dos argentinos do De La Guarda após a cisão – vulgo treta – do grupo) também já está compatÃvel com essa categoria de programação importada: seus ingressos custam 120 ou 150 reais a inteira (dependendo do horário e do dia escolhido) – cada pessoa que vai ver a apresentação poderia, com esse dinheiro, comprar quase dois ingressos pra ver o Hamlet do Capitã… digo… Wagner Moura, uma das peças com o ingresso mais caro na cidade, ou uns 15 ou 20 ingressos do SESC. Se pensarmos que cada apresentação comporta até 1.100 pessoas, o faturamento de cada sessão lotada, só de meias-entradas, é de mais de 60 mil reais. Nada mal para um espetáculo contemplado pela lei Rouanet (ou seja, com dinheiro público) – tipassim, mais um caso “Cirque du Soleil”, inclusive em cartaz no mesmo espaço.
Passado o susto com o preço do ingresso, vêm mais algumas inconsistências: qual a conveniência, afinal, cobrada sobre o valor do ingresso, sendo que eu tive de ir pessoalmente até a avenida Paulista para comprá-lo num guichê que o gera automaticamente? É a conveniência de não ser obrigado a ir até o Credicard Hall ou até o Parque Villa-Lobos? Super-conveniente, né? E também não entendo o fato dessa conveniência ser proporcional ao valor do ingresso (20%!): pra quem paga a inteira a venda é mais conveniente do que pra quem paga a meia? Não entendi, me explica?
Terceiro susto: ao entrar no Parque Villa Lobos (que é um espaço público, vale ressaltar), o valor do estacionamento é de mais vintão. Tento, ingenuamente, usar os 30% de desconto que minha seguradora me garante na rede de estacionamentos em questão mas não adianta: lá se vai mais uma nota amarela antes mesmo de entrar no lounge da apresentação.
Ah, o lounge, grandiosa invenção pra acomodar (mal) toda a perfumada classe média que estava ali em busca de uma programação “diferente”. Era possÃvel comer um sushi ou uma pizza, tomar um drink ou comprar brindes do espetáculo: camisetas, sandálias (que, espero, não soltam as tiras e não têm cheiro) ou guarda-chuvas com a marca do show. Também era possÃvel dançar na pequena pista, mas acho que ninguém estava ali exatamente para isso – todos sorriam, confraternizavam e tiravam fotos na decoração cafoninha com seus celulares moderninhos, mas estavam apenas esperando para entrar na tenda principal onde ocorreria a apresentação.
O formato era todo similar à estrutura armada anos atrás num enorme galpão do Brooklin (ou era Morumbi? Sei lá, é tudo longe igual) para a temporada de Villa Villa, espetáculo do grupo De La Guarda (patrocinado por uma marca qualquer de birita). As imagens de divulgação que eu havia visto no site, no trailer de cinema e na televisão já sugeriam que não apenas a estrutura seria parecida com Villa Villa.
Foi só começar a performance que minha suspeita se concretizou: mais uma vez, como em De La Guarda, os argentinos com um puta trabalho corporal comprovaram que têm muito para mostrar – sobrevôos, mergulhos, travessias de paredes, corridas ultrarápidas em esteiras elétricas, dancinhas coreografadas e chuvas de papel. Acontece que ainda não foi dessa vez que eles mostraram que têm algo a dizer – ainda falta uma amarração conceitual mÃnima para que cada cena se conecte e transmita algo além das imagens esvaziadas de sentido maior do que o de entreter pura e simplesmente.
Mas como não havia exatamente uma expectativa por um conteúdo naquele formato (não por não acreditar ser possÃvel, mas por desacreditar na intenção de ser mais do que apenas caça-nÃqueis para turistas – seja na Broadway, onde o espetáculo também está em cartaz, seja em São Paulo, para um público que é turista quando o assunto são as artes cênicas), resta-me apenas o deleite com as imagens deslumbrantes – ainda que muitas trouxessem fortes sensações de déjà -vu (seja pela fórmula repetida – e desgastada – do De La Guarda, seja por outros espetáculos já vistos que envolvessem elementos similares – até de Zé Celso me lembrei!). Mas não há déjà -vu maior do que aquele provocado pelos vÃdeos de divulgação – que revelam todas as imagens mais bacanas da apresentação, e aqui nem peço desculpas pelo spoiler porque, veja bem, quem estragou a surpresa não fui eu, mas eles mesmos.
No entanto, isso não pareceu incomodar o público que aplaudia cada momento e dançava ao som do DJ, aderindo à proposta de fazer do tempo de espetáculo uma grande balada repleta de luz, som e fúria, significando nada (aqui parafraseio Shakespeare em homenagem ao Hamlet Prime). Para mim, fica a sensação de frustração porque, após anos, essa turma guapa não só não encontrou uma maneira de atribuir um sentido maior a seus eletrizantes espetáculos, como também se acomodou com uma fórmula de sucesso que aparentemente os impediu de enfrentar novos riscos – o que faz com que seu trabalho artÃstico se restrinja a mero entretenimento de balada.
1 porção de imagens incrÃveis. Pena que eu já havia visto todas.
Leia a também a crÃtica de Paulo Toledo para Fuerzabruta clicando aqui.
Puxa MaurÃco, pelo seu post, tomei um balde de água fria!
Mas vou assistir o espetáculo assim mesmo para poder emitir uma opinião.
Eu assisti o Villa Villa e gostei bastante, então não perderei o Fuerzabruta.
Depois de assistir comento o que achei.
Oi Lu,
Foi mal pelo balde de água fria… Mas pelo menos a água em que as meninas mergulham sobre o público (a única cena que eu realmente adorei) é quentinha, hahaha…
Eu também gostei de Villa Villa, mas com esse novo espetáculo fica a sensação de produção em série, o que é uma pena…
Depois conte o que achou!
Abraços.
Não fui (provavelmente não vou) ver por causa do preço, mesmo.
Na Broadway, o ingresso sai por U$ 75,00, quase o mesmo que aqui, se calcularmos só pela taxa de câmbio…
Não sei se os estudantes pagam meia entrada por lá – provavelmente não, mas eles também não devem ter lei de mecenato. Se você for de excursão, dá pra assistir o espetáculo até por U$ 35,00.
Ah… e a taxa de conveniência é de U$ 1,00!
(http://www.telecharge.com/BehindTheCurtain.aspx?prodid=5908&mode=gettingTickets
http://groups.telecharge.com/shows/show_page.aspx?pid=5908)
Pois é, Lucas,
Lá fora é tão caro quanto, e isso no fim das contas nem é tão relevante (não adianta fingir que não vivemos num mundo regido pelo mercado). O problema maior é a questão do dinheiro público. Vale lembrar que a lei Rouanet não é mecenato, é isenção fiscal, é dinheiro que deixa de entrar nos cofres públicos para beneficiar uma empresa que não devolve à sociedade contrapartida social proporcional à dedução.
Ainda não tomo antidepressivos pra me contentar com a justificativa de “Possibilitar ao público brasileiro assistir ao espetáculo argentino, dinamizando o intercâmbio cultural entre Brasil e Argentina, destacando a produção das artes cênicas sul americanasâ€. Até porque, na boa, que “intercâmbio cultural†ocorre quando o produto é internacional (ou pasteurizado) o suficiente pra não refletir caracterÃsticas da produção cultural de paÃs algum?
Grande abraço,
MaurÃcio
Afora o caso Lei Rouanet – que é realmente uma merda – mas em nada se diferencia do que faz Miguel Falabella e seu Os Produtores (sete milhões) e o Hamlet do Wagner Moura e Aderbal (800 mil). O que pouco justifica também. Apenas mostra que tantos os brasileiros qtos os estrangeiros estão usufruindo (ou usurpando) a maldita Lei para colocar seus trabalhos em cartaz sem riscos financeiros maiores.
Qto ao espetáculo, que em Nova York estava fora da Broadway e fora inclusive do quarteirão Broadway, tinha ingressos a 70 dólares. Era feito num espaço bem menor para bem menos gente. E havia uma promoção a 20 dólares, para quem chegasse bem bem bem antes.
Enfim, é foda todo esse invólucro financeiro, mais estacionamento, mais classe-merdia, publicidade de show/rave e tentar assistir o espetáculo como espetáculo. Fruir como arte.
Vi esse pessoal em outro contexto. Sem essa euforia cafona tÃpica de produto importado. E, aÃ, frases como “ainda não foi dessa vez que eles mostraram que têm algo a dizer – ainda falta uma amarração conceitual mÃnima para que cada cena se conecte e transmita algo além das imagens esvaziadas de sentido maior do que o de entreter pura e simplesmente.” – Não refletem, nem de longe, a obra em questão.
O grupo, surgido após a incursão do Fura dels Baus pela Argentina, merece mais profundidade crÃtica do que: “amarração conceitual mÃnimaâ€. Ou “imagens esvaziadas de sentido†– É possÃvel algo ser esvaziado de sentido ou é possÃvel que não se consiga atribuir um sentido à quilo que se está vendo? O que é diferente de não ter sentido. E ainda, que papo é esse de “ter algo a dizerâ€? Ainda estamos na poética Aristotélica? Ou de Diderot? E, em pleno boom “pós-dramáticoâ€, no caso um boom bem defasado, ao gosto brasileiro, esperar de uma obra como Fuerza Bruta tenha conexão entre cenas? E mais uma vez o “Entreter pura e simplesmente†ser colocado como demérito? Não fosse cair em contradição, diria q isso sim é falto do que dizer. Ou, que essas fórmulas são repetidas e desgastadas.
Parece-me que se o “crÃtico†gastasse mais linhas em explicar o que entende por “deleite com as imagens deslumbrantesâ€, apresentaria maior material reflexivo sobre a obra. O que é esse deleite? Por que você os tem? O que de deslumbrante uma imagem precisa ter para provocar tal deleite. E mesmo, sendo déjà -vu – e ainda estamos querendo originalidade e novidades nesses tempos – por que ainda assim entretinha o “crÃticoâ€?
Pondero novamente, talvez o invólucro capital atrapalhe uma leitura mais especÃfica do trabalho. Mas os “crÃticosâ€, talvez pudessem buscar esse discernimento. Talvez.
São muitos outros pontos sobre o texto em questão, mas a preguiça me toma. A mesma que parece tomar a crÃtica teatral (ou mesmo artÃstica) brasileira. E não receio a generalização. Desejo uma crÃtica “pós-dramática†– para incorrer num modismo!
“Quanto mais reflito sobre a arte dramática, mais meu humor se volta contra aqueles que escrevem sobre ela. É um tecido de leis particulares das quais foram feitos preceitos gerais.†– fica no anonimato o autor!
Que venham logo as tais reflexões e/ou poéticas da recepção. O mundo artÃstico anda farto e enojado (bem ao gosto espanhol) de bobagens crÃticas como: “significando nada†(será isso possÃvel), “atribuir um sentido maior†(talvez seja a hora de um teatro evangélico), “acomodar em uma fórmula de sucesso†(time que ganha…), “enfrentar novos riscos†(mais fácil que enfrentar novos ricos, ou novos crÃticos) e viva a Gambiarra!
Mas, no entanto, isso não parece incomodar o público, nem os crÃticos!
1 porção de crÃticas… Pena que já havia lido todas.
Carlos, legais os pontos que você levanta. Realmente há muito o que ser pensado na “era do pós-dramático” (se a população da cidade fosse composta por gente do teatro, esse livro do Lehman certamente estaria nas listinhas dos mais vendidos…), mas não é por isso que tudo seja justificado com essa história.
Realmente não consigo dissociar a produção artÃstica do Fuerzabruta do aspecto mercadológico, e isso nada tem a ver com esperar aristotelismo ou linearidade. Quando digo que falta uma amarração conceitual ou “algo a dizer”, é porque não consegui captar qualé a do espetáculo mesmo, do ponto de vista artÃstico. Qual o sentido de fazer turnê, estar aqui, estar em cartaz em NY… O que eles queriam, artisticamente, quando começaram esse projeto? Nada disso aparece pra mim, nem mesmo na tentativa de encontrar essas respostas além do espetáculo, na busca por referências, relatos, etc. Tudo é demasiadamente publicitário, falso, pouco convincente. Não é com pirotecnia isolada por equipe técnica e ausência total de contato direto, que eles conseguem estabelecer a “linguagem universal da alegria” com o público presente. E, nesse ponto, acho o aspecto econômico realmente muito, mas muito mais revelador do próprio espetáculo do que sua realização – infelizmente.
Mas essa é a minha visão pessimista. Seria bem bacana se houvesse ainda outras visões por aqui (essa semana será publicada outra crÃtica, inclusive), por isso convido você a deixar também sua opinião. Que respostas você daria pra essas perguntas que você mesmo me levantou? Que diálogos e provocações Fuerzabruta consegue, afinal, estabelecer com o que é produzido no Brasil? Como acontece o tal “intercâmbio” da justificativa da Rouanet?
Essa semana entra mais uma crÃtica aqui, pra enriquecer ainda mais a discussão. Vamos ver no que dá. Sobre a crÃtica pós-dramática, assim como na produção dos espetáculos, aqui também há experimentações, convido pra dar uma olhada. Tem crÃtica binária, em forma de roteiro cinematográfico, fragmentada em cores e autores, fotográfica, manuscrita e tudo mais. E também crÃticas a aspectos que, ainda que menores, sejam mais reveladores da produção artÃstica do que a obra em si – porque assim como o formato dramático está constantemente sendo colocado em cheque, os parâmetros pra se questionar e fruir uma obra também são outros (ou ao menos não são mais, necessariamente, os mesmos, e a própria crÃtica está – lógico – nesse balaio).
Abraço,
MaurÃcio
Então, ganhei o ingresso em uma promoção do Buteco da net, fui no show e achei sensacional. Ok sim tem todas essas questões comerciais, mas gostei muito. Dancei na água no final, tirei foto com los hermanitos. Bueno chicos, es eto me gustó muchisimo.