In on it

Críticas   |       |    26 de agosto de 2009    |    1 comentários

Dentro, mas escorrendo pelas bordas

Foto: Divulgação

In on it

A gente espera muito de quem está próximo a se tornar um monstro sagrado. Espero muito do Tó  Araújo, do Felipe Hirsch, do Newton Moreno, da Cibele Forjaz, do Enrique Diaz e de mais meia dúzia de nomes. Da mesma forma que meu pai sente tremores ao encontrar um jogador do Botafogo no restaurante, a mídia me deixa com calafrios ao ter que ficar na mesma fila da cerveja que o Kike. Parece que está escrito bem grande em sua testa: aí está a cara da encenação no Brasil na atualidade. Vai ter seu nome em livros de história do teatro (e não os que as próprias companhias lançam) no capítulo que analisa o teatro do final do século XX e início do século XXI, citado como o cara da metalinguagem. E lado a lado teremos duas frases de Bárbara Heliodora, uma sobre Ensaio.Hamlet: “esse tipo de ensaio não pode levar a nada”, e outra sobre In on It: “de excepcional qualidade, imperdível” Praticamente um monstro, com capacidade para ser amado e odiado.

Isso dá um medo danado. In on it seria meu primeiro contato com uma direção do cara. Depois de tanto ler e ouvir falar de Gaivota, Ensaio.Hamlet, ver trechos do Melodrama em VHS, e um vídeo mostrando seu trabalho na Europa, fui pro teatro pra ver a coisa pegando fogo. Atores se apropriando do texto, esfregando terra no corpo, falando em microfones, interagindo com projeções, brincando com a metalinguagem.

Então, nos primeiros cinco minutos, aqueles em que a gente já avalia e calcula mais ou menos como a peça será até o final, todas as expectativas me frustram. Deparo-me com uma encenação quase minimalista e caretona. Dá uma vontade imensa de bater com a cabeça na parede e fico me perguntando: “onde foi que ele errou?”.

O duro é que aparentemente não há erro. O erro pode ser dos idiotas (como eu) que esperavam outra coisa. Tipo ir no show do Wando e ele não cantar Fogo e Paixão. Venderam-me que Wando canta Fogo e Paixão, os atores do Antunes fazem voz de pato e Enrique Diaz é o cara da metalinguagem pirante, que instiga o pensamento crítico do público (o deixando por horas desorientado) fazendo com que o trabalho do ator, por meio de workshops e técnicas como viewpoints, seja fundamental para a transformação da encenação.

Parece que o texto foi encenado sem nada daquilo que a Cia. dos Atores (mesmo a equipe defendendo que esse trabalho não é da Cia. dos Atores) tanto almeja. A encenação cumpre o papel de colocar o texto em cena, sem mexer em nada na sua estrutura. Será que é porque finalmente Enrique Diaz encontrou um cara que escreve da forma como ele pensa a cena? A senha para o sucesso foi encontrada e assim o processo não precisa ser escancarado? Este vira memória afetiva (o quê? Stanislavski e forças motivas interiores agora?),o público atinge a catarse, e levar lenço pro teatro para enxugar as lágrimas finalmente volta à moda. Por um lado isso é ótimo, mesmo com a culpa de parecer um anti-intelectual sensível vou ter mais chance de torcer pro mocinho.

Me sinto parte do “público especializado” e embarco numa de investigar em qual parte da cena o trabalho dos workshops (alguém sabe me explicar porque mudaram o nome de laboratório pra workshop?) está inserido. Em determinado momento vejo princípios do jogo de raias (mas é tudo suposição, pode ser só uma viagem). Aí percebo que o olhar muda, numa necessidade de mostrar o ator pra fazer o jogo de metalinguagem. Eles bebem água em cena escancarando o lado humano do ator que sente sede depois de dançar “Sunshine, Lollipops and Rainbows” da Lesley Gore. E a busca de onde é que está a mão do diretor sugando do ator qual o papel daquele texto vai ficando sem sentido pra mim.  Porra, aqui isso não é o importante! Trata- se de uma peça dentro da peça, que fala sobre o fim das coisas. É quase uma comedia romântica gay. Neuras críticas, parem! Fiquei com medo de no meio da peça o ator pegar o celular e falar: “Tô aqui mandando uma mensagem pra ver o que faço com o esse menino da primeira fila que não pára de me olhar tentando achar alguma coisa. Pô será que ele não percebeu que eu estou em outra? Eu preciso de um plano de saúde.”

Então, surpreso com a dramaturgia e sacadinhas de iluminação e marcação cênica, sentindo como uma criança que preferiria duas notas de cinco reais a uma de dez, saí feliz do teatro. Verdade.

Aí leio uma crítica do meu Primo Basílio. E minha frustração se desfaz, porque as brincadeiras do jogo crítico formalistas do Astier, que considera a peça outra coisa “bem feitinha” no meio da multidão, mostraram que o buraco é muito mais embaixo.

O crítico paraibano, que assistiu a peça do meu lado, cria uma personagem de cachecol que diz: “ah, mas não teve trabalho de processo colaborativo a peça já veio prontinha…” Esse lance de processo colaborativo está bem na modinha. Todo mundo fala. Mas voltando ao que falei anteriormente sobre forças motivas interiores, teoricamente isso também seria um processo colaborativo. Temos quatro pessoas colaborando, não? A peça veio prontinha em termos de dramaturgia. Restam ainda dois atores e um diretor instigando essa construção de personagens e um desenho de cena. E o resultado não me deixa claro em nenhum momento o que é dedo do Kike e o que é dos atores. O ator, assumindo o papel de compositor, também desenha a cena, e isso é dominante no trabalho da Cia. dos Atores. Então fica a pergunta, processo colaborativo pode ter meio termo? Pode ter uma dramaturgia que será seguida à risca?

Aí o outro personagem da crítica fala sobre “depuramento técnico, mostrando as possibilidades de composição narrativa a partir da técnica do view point”. Não há ápice de depuramento técnico de viewpoints. Fiquei feito um detetive procurando e vi apenas sombras. Então as possibilidades de composição narrativa vieram por outro caminho que não é o de praxe. Não é opressor pensar unicamente pela lógica da trajetória da equipe de trabalho? O resultado apresentado neste caso não é um grito de: “as alternativas para a metalinguagem não estão saturadas!”? Sem determinismo de cânones. Cada trabalho necessita de diferentes abordagens.

Se isso é bom ou ruim não sei. Mas com certeza é um pontapé que quem quer ser um monstro sagrado não faria. Trocar a superabundância pelo minimalismo. E fazer isso não só em entrevista pra Folha, mas de fato apostar em mostrar o mesmo tema de outra forma… forma… forma… talvez essa palavra seja o guia do diretor, mas ao contrário do que pensa Astier, a forma não vem enquanto parnasianismo teatral. É resposta das perguntas que o texto faz ao encenador.

Portanto faz muita diferença se a cena era squash ou tênis (até porque eles não estavam jogando nem um, nem outro, estavam treinando arremesso de bola de beisebol. Uma cena fundamental pro quebra-cabeça que o autor propõe, um joguinho que vai além de reflexões como “sobre os 20% das pessoas do mundo que ficam com 80% das riquezas”. Isso sim não faz diferença dentro do espetáculo. Então que tipo de reflexão temos? E volta a cena dentro da cena mostrar que não é mera alegoria. E as perguntas sobre as esposas de Abel e Caim e o fato de Jesus ter tido dois apóstolos de nome Tiago são fundamentais para as construções de verdade e mentira dentro do espetáculo. E entre saídas e entradas no quadrado de madeira fica difícil separar o que é ator, personagem, performer. E quando o ator refaz a cena onde a esposa devolve o casaco do marido não temos a personagem feminina que segura os braços mas outra dimensão de interpretação. Nesse momento seria só uma punheta dos atores brincando de fazer teatro ou a reflexão consegue fugir do joguinho?

E finalmente, Astier, chego a pergunta mais difícil de responder: pra que montar aquele texto?

Às vezes a gente precisa falar coisas muito bobas pra poder compreender que algumas coisas terminam, outras simplesmente param. Talvez os livros de história do teatro que lançarem em 2050 poderão te responder melhor.

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