Mãe Coragem e Seus Filhos

Críticas   |       |    7 de abril de 2008    |    3 comentários

Coragem de se apropriar de Brecht

Desde que vi a montagem da Companhia Armazém para Toda Nudez Será Castigada no Teatro Sérgio Cardoso (e depois novamente no Teatro São Pedro, em Porto Alegre), minha grande indagação sempre foi: o que, afinal, aquela peça tinha de tão especial, que fazia com que ele ficasse tão marcado em minha memória? Não havia nenhuma grande ousadia na proposta de encenar Nelson Rodrigues, assim como não se tratava de nenhuma tentativa de descaracterização ou releitura do universo rodrigueano, mas ainda assim era daqules espetáculos que eu certamente adoraria rever sempre que houvesse uma nova oportunidade.

Foi com essa indagação que fui parar no Teatro da Reitoria da UFPR (que, aliás, concorre ao Prêmio Bacante de Teatro com as cadeiras mais rangentes do Brasil), para assistir meu único espetáculo na mostra oficial do Festival de Curitiba. O que teria aprontado aquela turma com a Mãe Coragem e Seus Filhos, de Bertolt Brecht? Será que, afinal, eu teria a resposta para a questão do parágrafo anterior? Pois é, fui ao teatro assim como Paulo Coelho terminou sua viagem pela Sibéria ao lado da Glória Maria: cheio de dúvidas.

Antes mesmo do início já era possível notar algo diferente no ar, ou melhor, no palco. A tradicional carroça que seria levada pela personagem-título (interpretada por Louise Cardoso, quem propôs a montagem ao diretor Paulo de Moraes) foi convertida na fuselagem de um avião mas, ainda assim, seria uma carroça. Algo me dizia que eu veria algo um tanto diferente da montagem careta da Cia. do Latão para o Círculo de Giz Caucasiano, que apesar de sacal, foi uma das montagens de Brecht mais bem-acabadas que eu havia visto até então.

Logo no início desta Mãe Coragem, uma arqueóloga desenterrando esqueletos propunha um diálogo entre o presente e o passado em que teria acontecido a história, mas para isso talvez já fosse suficiente a própria contradição da protagonista: uma mulher que, durante uma longa guerra religiosa, atravessava os campos de batalha carregando sua carroça e alternando seu amor incondicional entre seus três filhos e o dinheiro que acumula ao se beneficiar com a batalha.

A mediação da arqueóloga-narradora – solução encontrada pelo grupo para gerar o famoso “distanciamento brechtiano” dos personagens com relação à narrativa – talvez pudesse ser suprimida, mas não chega a ser um grande problema – e ainda é muito melhor do que o documentário (também chatíssimo) que o Latão projetava antes do espetáculo mostrando o Movimento dos Sem-Terra, tornando a relação do texto com o presente tão, mas tão óbvia (pra não dizer bocó), que matava qualquer possibilidade de interpretação pela platéia.

Na primeira montagem de Brecht do grupo (ao menos de acordo com o livrão que eles lançaram com a história deles – e o livro é bonito demais pra não acreditar nele), o Armazém não tem a pretensão de reinventar roda alguma: figurinos, adereços e cenário remetem à mesma Guerra dos Trinta Anos que inspirou o texto, mas sem se subjugar ao registro realista desse momento histórico. Isso se torna claro através da cenografia ousada (um avião que anda pelo palco todo), das atuações que usam o texto a seu favor (sabendo que ele não morde) e do humor que desponta em alguns momentos (como na cena impagável em que um dos atores interpreta um pato). E algumas semanas depois desta apresentação, fica muito claro que o que tanto me atraiu – seja neste Brecht ou no Nelson Rodrigues citado no início do texto – foi exatamente tudo isso: um grupo que consegue dar sua própria cara para um texto sem necessariamente descaracterizá-lo, fazendo aquilo que muita gente não consegue por achar que o texto sempre será maior do que sua encenação, quando, na prática, isso só deixa qualquer texto datado e velho.

700 cadeiras rangendo em uníssono

'3 comentários para “Mãe Coragem e Seus Filhos”'
  1. Ronaldo disse:

    Eu vi 04 ou 05 peças do Armazem… Tenho camisetas, dvd’s.. hehehehe… pronto me sinto aqueles fãs de banda, sabe?

    Quero muito ver essa montagem!!

  2. Ronaldo, comecei minha coleção de “souvenirs” depois desse espetáculo, com o livro da companhia e dois DVDs, hehehe….

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