O Texto no Teatro Contemporâneo III

Blog   |       |    21 de agosto de 2008    |    2 comentários

Nada como um dia após o outro pra ver a extrema variação de público presente em cada encontro sobre O Texto no Teatro Contemporâneo, promovido pelas Dramáticas em Cena, às quartas-feiras, 21h, no Satyros Um.

Dia 20 de agosto: na porta do teatro, muito mais gente que nas semanas anteriores. Adentramos a sala e na mesa central está uma Dramática e Antônio Araújo, diretor do Teatro da Vertigem. Todos se acomodam como podem. Muitos nas escadas, outros no chão e até atrás do palestrante. O calor chega nos primeiros 20 minutos de conversa. O ar-condiciodado dos Satyros parece não dar conta do recado. Diferente dos outros dias, vemos na platéia dezenas de cadernos e pessoas que anotam desesperadamente como se estivessem numa aula. Não por acaso.

Na última vez que vi Antônio Araújo falar, o barco de BR-3 acabara de sair do Rio Tietê por problemas de produção. Era um encontro em que estavam, além dele, o diretor do grupo XIX e a jornalista Beth Néspoli para discutir, no Ágora, novas arquiteturas de espaços cênicos. Muito pouco foi efetivamente discutido, já que o Tó estava extremamente abatido.

Ontem parecia outra pessoa. O tema, que poderia dar margem a uma discussão mais ampla, acabou, no entanto, centrando a conversa nos processos de criação do Teatro da Vertigem: A Construção da Dramaturgia nos Processos Colaborativos. De modo que o Tó falou muito mais de passado do que de novas pesquisas.

Reza a lenda que recentemente Peter Brook veio para o Brasil e fez questão de fazer um encontro com o povo do Teatro Vocacional. No início da conversa, pediu que falassem de qualquer tema do teatro, mas que não falassem sobre seu processo de criação. Peter Brook não gosta de falar dos seus processos, pois sabe que em cada novo trabalho é necessário criar um novo processo. Dizem também que ele teve a paciência de abandonar o encontro somente na terceira vez que perguntaram sobre o seu processo.

Tó, ao contrário, praticamente só falou dos processos de que participou. Mas se deu ao trabalho de complexificar todas as questões e em momento algum colocou juízos de valor que explicassem o que seria um processo ideal. Ou seja, a mim se apresenta como um partidário da idéia de Brook de que é necessário sempre criar novos métodos. E como é absurdamente rica a experiência de ouvir as mesmas histórias do Teatro da Vertigem recontadas com a lucidez do raciocínio de Antônio Araújo.

Ele relatou que o Vertigem, na trilogia bíblica, contou com o trabalho de três dramaturgos e em cada relação se estabeleceu uma sintonia e um ritmo de trabalho diferentes. O primeiro, Sérgio de Carvalho, acompanhou todos os ensaios e, além de dramaturgo, foi dramaturgista do grupo. O segundo, Abreu, via esporadicamente os ensaios e produziu uma dramaturgia que estaria mais ligada ao gabinete (nome brega que estão usando nos encontros) do que às salas de ensaio. O terceiro, Bonassi, foi uma espécie de meio-termo, encontrando os atores primeiro em todos os ensaios e depois, semanalmente.

Tó contou também como foi quando o Vertigem chamou Plinio Marcos para participar de um de seus primeiros processos colaborativos e a negativa veemente recebida pelo grupo.

Marici Salomão perguntou qual foi a força motriz para a instituição de processos colaborativos no Teatro da Vertigem, ao que Antônio Araújo respondeu que na época de sua criação, o grupo não encontrou um único texto que desse conta das angústias de cada um dos integrantes do Vertigem.

Questões sobre autoria e sobre a participação dos atores no processo também foram levantadas. Tó repetia de maneiras distintas em todas as respostas que havia um dramaturgo em todos os processos, mas que havia uma co-autoria dos atores, dele próprio e do público, que participou dos processos por meio de ensaios abertos.

Mas o que realmente fica na memória desse encontro são as palavras de conexão de Antônio Araújo, que surgiram numa pausa: “Eu vou falando e pensando na negativa do que eu digo”. Movimento de negação que levou à uma reflexão mais ampla, complexa e estruturada do que em qualquer outra discussão que já presenciei sobre a dramaturgia.

Ps: Novamente, comentários dos presentes são mais que bem-vindos.

'2 comentários para “O Texto no Teatro Contemporâneo III”'
  1. ??????? disse:

    O DIA EM QUE CONHECI TÓ ou EU E ANTONIO ARAÚJO (SIM, ELE MESMO) NUMA SAUNA (NÃO, NÃO ERA UMA SAUNA GAY)

    Tudo que sabia, até então, sobre o Teatro da Vertigem (leia-se processo colaborativo), se deu através de minhas incontavéis leituras do Livro “Trilogia Biblica” lançado pelo próprio coletivo em 2001.

    Na impossibilidade de torna-lo meu livro de cabeceira, uma vez que durmo num beliche, meio que inconscientemente transformei o mesmo numa Biblia, onde a criação do universo/teatro se dava pela força de uma divindade sob o seu coletivo (sim, eu sou devoto de Santo Antonio Araújo, senhor dos processos criativos sejam eles colaborativos ou não).

    Dessa maneira, sempre que me senti impotente diante do coletivo e/ou fenômeno teatral (ou seja 24 horas por dia, 7 dias da semana), recorri às escrituras sagradas do senhor das vertigens.

    Mas para o meu (acredito que seu também) espanto, pouco dessas leituras permeneciam em mim; mesmo com toda minha devoção, o aspecto misterioso, sombrio, daquelas escrituras me deixavam, cada vez mais, perdido, confuso, inerte.

    No meu relicário inconsciente, Tó se tornou um Deus, onipotente, onipresente, onisciente, em contante crise com sua obra. E como um bom religioso, eu temi a Tó.

    Então, lá fui eu, de caderno, caneta e gravador em punho, encontrar a Deus, quer dizer, oTó. Eu tava nervoso. Eu temia que ele fosse um holograma. Eu temia não ter mais a quem temer.

    “Ele não é tão soturno” foi minha primeira impressão. As olheiras presentes nas imagens dispostas no meu altar, não estavam mais lá. ” O vertigem deve estar de férias” pensei.

    Quando dei por mim, ele começou a falar, e ao contrário do que eu pensava, sua voz não era forte como um trovão, do trovão só veio o lâmpejo – eloquente, verborrágico, prolixo. Foi catártico.

    A clareza de Tó ao dissertar sobre um teatro feito de um diálogo autoral entre criadores e criaturas – e sobre todas as suas dores e delicias, e sobre todas as suas crises (sempre) eminentes, foram devastoras.

    O mito do artista contemporâneo, conceitual, ‘polivalente’ caiu por terra, e dela mesma, fez-se um outro: de carne e osso, sujeito e diposto a errar, errar e errar denovo, um artista que tenta, mas nunca sabe ao certo, se conseguirá. O Tó, assim como eu e a Cláudia-Raia-Donatela-Mocinha- Da- Novela- Das- Oito, sofre. Eu e Tó, digamos, por motivos mais edificantes. Risos.

    Mais do que as, até então, escrituras sagradas, Tó me deu uma (s) confimação (ões) : de que no seu ponto de vista (como ele, ao contrário de qualquer outro Deus com quem tive contato, frisou o tempo todo) o processo criativo/ colaborativo surge de uma questão coletiva, e é desenvolvido apartir da dialética que se estabalece entre o coletivo e a dramaturgia.

    Tó não é/era um Deus, é um artista tão angustiado, “auto-sabotador”, debochado, quanto eu. Mas sim, todo dia, antes de dormir, eu ainda dobrarei meus joelhos diante dele. E que de todo esse verbo, continue, se fazendo Teatro.

    AMÉM.

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