Ser ou não ser tradicional ou Continuando o post anterior

Blog   |       |    21 de novembro de 2009    |    0 comentários

mesa

Mediada por Narciso Telles, professor do curso de teatro da Universidade Federal de UberlÂndia, a mesa-redonda “Experiências entre tradição e renovação em processos contemporâneos de Pesquisa Teatral”, com as participações de Cibele Forjaz, Grace Passô e Fernando Neves, de acordo com o que se ouvia nos corredores obscuros do teatro uberlandense, era a mais aguardada do II Encontro de Artes Cênicas do Cerrado.

A tradição do circo-teatro e a renovação com cara de museu.

Fernando Neves, diretor do espetáculo A Mulher do Trem apresentado na quarta-feira durante o encontro, falou sobre sua experiência em trazer à contemporaneidade o processo do circo-teatro que teve o seu auge entre os anos 1940-1950. Esse resgate aparentemente é um desejo de preservação de um patrimônio imaterial, o fazer artístico daquela expressão, como forma de construção de uma memória artística no país. Em termos de renovação não sei ainda em que sentido esse fazer teatral conversa com os dias atuais.

Por exemplo, Fernando explica que no circo-teatro o espetáculo era voltado inteiramente para a platéia, ou seja, os atores só faziam o que a platéia queria ver. Ele chegou a afirmar que na época que sua família trabalhava no circo “a fome movia o artista”. Portanto, reflexões acerca da vida social, cultural, econômica eram praticamente inexistentes. Conta até que a revolução sexual feminina fez com que a ingênua saísse da cena e fizesse com que as histórias dos vaudevilles e melodrama tivessem menos sentido para os espectadores que estavam vivendo agora em uma sociedade com o apelo da televisão, e novas posturas comportamentais.

O contexto atual em que o circo-teatro vem sendo resgatado é bem diferente de quando ele teve o seu apogeu. Então, fico pensando, por que esse resgate vem sem nenhuma reflexão contemporânea? Se hoje ao invés da fome, o financiamento com verba pública move o artista, por que as barreiras estéticas ainda são tão pautadas pelo modo de como ERA feito? Será que qualquer tipo de interferência na forma do fazer do circo-teatro acabará com o seu valor (tipo aqueles bens tombados pelo patrimônio histórico que a gente não pode fazer nenhum tipo de modificação arquitetônica)? Reproduzir milimetricamente tal qual era feito na época não soa como um teatro de museu?

Trabalhando como pedreiro e fazendo pontes com a tradição

Cibele Forjaz iniciou dizendo que independente do que processo artístico, o resultado será contemporâneo, visto que essa é a denominação que demos à labuta do dia-a-dia teatral atual. Portanto, rotular como “o meu teatro é contemporâneo” pode parecer muito mais usar artifícios sem o pensamento crítico, só pra pensar que é moderninho.

Como foi de praxe em todos palestrantes dessa mesa, a diretora da Cia. Livre contou um pouco de sua história profissional, fazendo as pontes necessárias. Falou de sua formação na USP no final da década de 1980 para entendermos como o seu teatro produzido atualmente tem uma base fincada em suas tradições. Quando saiu da universidade e sentiu a tradicional crise de pós-formados, após assistir “As Boas” dirigida por Zé Celso, decidiu entrar para o Oficina, para estabelecer pontes entre as tradições, e só depois de plantar a raiz, poder contrapor e refletir sobre o fazer artístico.

Pautada então por idéias da antropofagia, acreditando que a nossa cultura se forma pela devoração do outro, ela resumiu sua exposição em uma frase (que por sinal nem foi dita no final): “Na encruzilhada do tempo entre o passado e o futuro a gente encontra o presente no teatro”.

Como diria o É o tcham: “Essa aí Passô, essa aí Passô, essa aí Passô”

A única representante de Minas Gerais na mesa-redonda, Grace Passô, integrante do Espanca, começou falando da confusão que se instalou quando após a estréia do primeiro espetáculo, Por Elise, as perguntas dos jornalistas se a obra era um processo colaborativo, que tipo de teatro era aquele, em que tradições estavam pautados. Com o desejo de fazer um teatro, que falasse dos conflitos e pensamentos pós anos 2000, com a identidade dos jovens mineiros, a apropriação de forma intensa do que se diz em cena, contrapondo a um teatro formalista de montagens clássicas que acontecia naquela época em Belo Horizonte, era muito mais importante do que qualquer teorização preexistente.

O processo do Espanca é colaborativo se pensarmos que, de uma maneira diferente dos tradicionais processos rotulados assim, o texto já existe quando os atores vão para a sala de ensaio, mas ali ele é desconstruído e assimilado pelos mesmos.

Falou-se também do risco, quando um ator uberlandense perguntou pra Grace do porquê fazer um espetáculo como Congresso Internacional do medo, de difícil digestão, após dois sucessos catárticos como Por Elise e Amores Surdos. Fiquei com vontade então da Grace falar mais sobre essa busca desse lugar não tão confortável em seu teatro, que mostra tanto a instalação e desistalação da ilusão na caixa cênica, e de projetos como Barco de Gelo que só prova que o caminho da dramaturga, que poderia ter se rendido ao caminho confiável após ter ganho o seu prêmio Shell, tenta buscar uma desestabilização e estranhamento entre os elementos da cena e o público. Mas ela tinha que ir embora, e como boa mineira pediu desculpas pelo horário do seu avião, e foi-se, sem me dar um abraço (vou desistir da campanha “Grace dá um abraço no Emilliano”).

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