A Reserva

Críticas   |       |    19 de agosto de 2008    |    2 comentários

Cozinhando sonhos

Antes de mais nada, é importante dizer que A Reserva, em cartaz no Teatro Cosipa Cultura, não é daquelas peças que falam sobre culinária e que aproveitam o tema pra encher o público de quitutes ou outras gostosuras. Portanto, se o seu objetivo é ir ao teatro e encher a pança, talvez seja mais interessante ver a peça do Olivier Anquier e provar alguma coisinha sofisticada que ele resolva preparar; ir ao Espaço dos Fofos e se deliciar com os docinhos de banana ou então ao Oficina e devorar qualquer coisa que seja servida nos banquetes dionisíacos de Zé Celso e sua trupe. Se, por outro lado, você aceita numa boa a idéia de que uma peça cujo tema esteja relacionado à comida não necessariamente precisa oferecer um rango enquanto você assiste à peça, então pode comprar sem problemas o ingresso para A Reserva.

A peça é protagonizada e produzida por Irene Ravache (aquela atriz que costuma fazer par com o Tony Ramos nas novelas), interprete de Vera, uma dona de casa sonhadora que resolve abrir seu próprio negócio – o restaurante “Fio de Azeite”. Irene divide o palco com mais dois atores: Patrícia Gasppar, que interpreta Madalena, uma empregada doméstica que age como uma faz tudo e vê no restaurante uma oportunidade de aprendizado e ascensão social (nas palavras da personagem: “agora eu não sou mais doméstica, sou funcionária de um restaurante!”); e Evandro Soldatelli, no papel de Zeca, o filho de Vera, que ajuda sua mãe no restaurante e, com ambições conflitantes, vai ser o agente catalisador da maioria das mudanças da peça.

Em essência, o espetáculo fala sobre os sonhos e sobre tudo aquilo de que precisamos abrir mão pra conquistar estes sonhos. O texto de A Reserva, de autoria de Marta Góes, é estruturado e desenvolve de maneira satisfatória os relacionamentos entre as três personagens. Existem, é claro, os clichês usuais (típicos daqueles filmes edificantes cheios de mensagens subliminares e que depois cumprem carreira perpétua na Sessão da Tarde), mas o uso do humor, aliado à estruturação dos diálogos e ao desenvolvimento das três personagens faz com que isso não incomode. Os diálogos refletem a complexidade do relacionamento entre mãe e filho, a cumplicidade existente entre Zeca e Madalena (cumplicidade da qual a mãe não faz parte) e finalmente o misto entre amizade e relação de patroa e empregada existente entre as duas mulheres. Curiosa também é a relação de Vera com uma nora que nunca é vista em cena, mas a quem sempre são feitas menções que geram boas risadas.

Quando o restaurante começa a ir mal, inicia-se o embate entre a mãe – que não pretende abrir mão dos seus princípios – e Zeca e Madalena, que tentam fazer com que Vera mude a essência de seu restaurante para torná-lo mais comercial e, assim, aumentar seu público e seu lucro. Conforme o embate continua e o restaurante se afunda em dívidas, o filho se oferece para bancar financeiramente o restaurante da mãe, de forma que ela não precise mudar nada para se adequar às mudanças do mercado, e possa fazer tudo unicamente de acordo com os seus princípios, sem nenhuma preocupação com o lado financeiro.

Neste momento, a veemente resposta negativa da personagem de Irene Ravache gera uma curiosa reflexão, uma vez que ela argumenta que a alternativa oferecida seria falsa, pois nunca poderia cozinhar para alguém que ela não sabe se viria, nunca poderia passar o dia trabalhando e ao final ver um restaurante vazio e mesmo assim saber que as finanças estariam em ordem. Não consigo deixar de fazer uma rápida associação com alguns espetáculos financiados pela Lei Rouanet, que estréiam completamente pagos em função dos patrocínios obtidos pela Lei Federal e que depois amargam temporadas de teatros vazios.

Ainda bem que não era este o caso de Irene Ravache, cujo espetáculo, contemplado pela lei Rouanet, apresentava-se para um teatro praticamente lotado. Se bem que esta situação financeiramente confortável poderia propiciar um ingresso mais baratinho, não é mesmo? Ou então podiam dividir algum dos pratos com a platéia, né? Por mim poderia ser até mesmo o Pavê de Sonho de Valsa, ou um dos docinhos execrados por Vera em uma das cenas, só porque eram feitos de Nescau e de leite condensado.

O que será que está no cardápio… digo… em cartaz atualmente no Espaço dos Fofos?


239 espectadores com fome

'2 comentários para “A Reserva”'
  1. Quebrando ilusões do Marco: de acordo com o Video-show as guloseimas não são de verdade. É que as artificiais ficam cenicamente mais gostosas!

  2. Marco Albuquerque disse:

    Pôxa Emiliano!! Você não precisava ter me dito isso…
    Agora estou me sentindo traído pelos meus olhos e pelo meu estômago..rsrs
    Grande abraço

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