Asas

Críticas   |       |    24 de junho de 2008    |    2 comentários

Uma atriz e mil palavras

Foto: Vinícius de Carvalho

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Depois dos remakes triplos de Balaio Popular e O Santo e a Porca (sendo que o último promete uma quarta montagem ainda pra esse ano), o Grupontapé de Teatro estreou uma nova versão para o monólogo Asas. Destaque do espetáculo De flor eu também gosto que reunia além de “Asas” (anteriormente intitulado de Asas ao redor de mim) outros dois monólogos escritos e dirigidos por Irley Machado. A nova versão preserva apenas o texto e a atriz Kátia Bizinotto, e de uma cena de 20 minutos se extrai um espetáculo de uma hora.

A distância do resultado atual e o antigo jogou água fria na minha tentativa de não comparar as duas propostas. A disparidade começa na citação de Antonin Artaud (o dramaturgo que desde sua morte está na moda em todas as coleções primavera-verão / outono-inverno), no programa do espetáculo, resultando perguntas internas vistas em olhares perdidos na fila de espera: “visceralidade em um texto de Irley Machado?” Não que a crueldade em uma dramaturgia embasada na morte e sofrimento humano seja um equívoco. Mas, pra quem conhece a dramaturga, professora doutora pela Sorbonne (por que repetem o título dela em todos os lugares?), a ajudinha do francês parece óleo e água na aula de ciências. Com uma trajetória teatral presa pelo espírito naturalista Stanislawiskiano, que agradaria muito a tia Babi, seu texto retrata delicadamente os momentos finais da vida de uma mendiga, que ao ouvir música clássica em um concerto sente que seu corpo cria asas, tamanha sua felicidade.

A sensibilidade do texto em tirar poesia da miséria entra em contradição com a busca da direção por um sentido político-ideológico revolucionário. A mendiga adquire o caráter de sujeito social com a oportunidade de denunciar seu sofrimento, valorizando o contexto social dos fracos e oprimidos, que até seria interessante caso a dramaturgia não pendesse para a sensibilidade que resta nos excluídos, gerando identificação direta no público (que não mora nas ruas, mas acha que Deus pode resolver todos os seus problemas).

Percebe-se então um combate: fazer poesia com a política ou política com a poesia? A direção opta pela segunda e perde pontos se levarmos em conta a emancipação do espectador contemporâneo, que ao interpretar o mundo já o está questionando. É, parece que atores doidões gritando contra o mundo já não fazem mais efeito.

Na primeira versão, a poesia ganhava da política, através da interpretação delimitada tanto espacialmente quanto pela sutileza com que as situações eram retratadas, possibilitado que a passividade da personagem transformasse em ação interna do espectador, dando margem então ao pensamento político (uma tendência do teatro mineiro do século XXI?). Agora, percebe-se uma vontade em ocupação de todo o espaço cênico (palco, arquibancada, área externa da sala de encenação) num embate entre público e atriz, mesmo que a cenografia e iluminação sejam organizadas estaticamente, com direito a demarcações Dogville e coelhinho-sai-da-toca (uma tendência do teatro paulista do século XX?).

Essa transgressão do espaço cênico, se por um lado é desconcertada e muito marcada (o fato de ser uma estréia daria um abono?) com elementos cênicos e marcações que dariam outras três peças, por outro lado, permite à atriz a construção de uma personagem complexa (indo do drama ao cômico). Com a quantidade de objetos, marcações, invenções, iluminação, música e tralálá as cenas parecem não se concluir e a quando o público resolve se emocionar é forçado a ver luzes acendendo ou pétalas caindo (imagens tão bonitas que não duram mais que trinta segundos, e imediatamente são cortadas para algum protesto ou outra idéia super-sensacional). Os mirabolismos cênicos distanciam a personagem do público, e se devíamos sentir nojo quando a mendiga sentasse do nosso lado, temos a mesma reação que teríamos com qualquer atriz em outro papel, gerando às vezes riso fácil.

A importância da atitude (em contraponto à narrativa) constrói um espetáculo cheio de arestas e oposições. É um polígono com vários lados diferentes, onde o vigor e preparação da atriz luta com o mix de idéias super-mega-criativas (nem sempre bem executadas, com um desconto a mais pelo fato de ser uma estréia) para realizar o seu trabalho. Pena que isso faz a interpretação parar no plano técnico. E a visceridade artaudiana vira enfeite, tipo um bibelô sem o pé.

02 taças de espumante com a galerinha da classe.

P.S.: Será que o Grupontapé aceita pedidos de remakes? Caso aceite, jogo minhas fichas em O Beijo na Terra. Por favor, não é um pedido de emprego, afinal acumulei 15 quilos a mais e minha cara de bebê não é a mesma de quando estreei no teatro com o grupo. Seria muito bom ver uma outra versão para essa peça!

'2 comentários para “Asas”'
  1. público disse:

    Piadas sem graça não combinam com achismos sobre Artaud.
    Vc não é mais o bom menino de O Beijo na Terra. Devia gostar de alguma coisa garoto!
    Sorte!

  2. […] o encontro faz parte das comemorações de 15 anos do Grupontapé, estou procurando uma boa companhia para tomar prosecco comigo na festa de debutante na […]

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