Donka – Uma carta para Chekhov

Críticas   |       |    29 de agosto de 2010    |    3 comentários

Gran Circo Barroco

Fotos: Viviana Cangialosi / Divulgação

Foram várias as indicações de Donka, seja de amigos, seja de comentários que li por aí (inclusive em Belo Horizonte, onde a peça também se apresentou), mas não lembro de ninguém ter dito o motivo das recomendações. Então foi assim que fui ao teatro Paulo Autran, quase que às cegas e seguindo o hábito de aproveitar a repescagem que o SESC sempre faz das grandes atrações gringas que os festivais trazem.

Esperando um espetáculo teatral, deparei com um espetáculo de novo circo. Lembro-me imediatamente das primeiras peças desse formato que vi, sempre nessa dinâmica do SESC pegando carona na curadoria alheia. Acho que eles gostam bastante do formato. As primeiras apresentações eram fascinantes, saí deslumbrado de todas elas, com toda aquela técnica circense misturada com teatro, que por sua vez se misturava com a dança que por sua vez se misturava com a música. Uma beleza só (não por acaso, a palavra beleza pode se repetir nessa crítica). Mas se os primeiros espetáculos de novo circo me extasiavam, vieram os segundos, terceiros, quartos e quintos (todos no SESC), que me deixavam entediado – não porque o quinto fosse pior que o primeiro, mas simplesmente porque ele era o quinto, coitado. Um tédio que vinha embalado quase sempre num embrulho elegante, sofisticado e exaustivamente ensaiado para ser apresentado com precisão.

Mas não quero desmerecer o formato ou invalidá-lo (até porque o conceito de válido e inválido é suficientemente subjetivo e adjetivado para não servir pruma crítica) – cara, não tem como não se deslumbrar com a técnica, a perfeição com que as imagens são concebidas e realizadas ali, ao vivo, na sua frente. E é a isso que Donka se propõe, ao menos do que eu pude perceber (tinham acabado os programas da peça quando eu cheguei, então não deu pra ler o ghost writer do Danilo Santos de Miranda traduzindo a proposta com palavras grandes e genéricas): partindo (bem) livremente da vida e obra de Tchekhov (gosto de escrever esse nome com T no começo), desenhar um caleidoscópio de imagens oníricas onde a forma é suprema sobre o conteúdo, tão sutil que apenas serve como ponto de partida temático e como base de amarração de um número ao outro.

Mas nessa crítica eu queria falar menos do espetáculo em si, e mais de minha experiência de espectador. Durante a primeira parte do espetáculo, fiquei o tempo todo me perguntando o que aquilo tudo me dizia, buscando qual era o tipo de conflito ou estranhamento proposto ou estabelecido para que a minha troca com o espetáculo se efetivasse. Estava bem difícil de chegar a qualquer resposta conclusiva, uma vez que a condição de espectador passivo que peça me propunha me permitia apenas me entregar ao deleite do deslumbramento e contemplação daquelas belas imagens e toda aquela técnica. Como sempre diz a Juli, tudo isso ficaria ótimo se fosse usado em uma peça.

O intervalo técnico veio, então, pra galera limpar a sujeira toda que ficou no palco (adoro ver atores fazendo bagunça em cena, espatifando coisas no chão). Bem, além de deixar o cenário limpinho pra segunda parte, essa pausa me ajudou também a calibrar as expectativas. Saí para acompanhar, durante um cigarro, um amigo que convidei de última hora e que nunca vai ao teatro, e que estava sentado do outro lado da sala.

Ele me vem com aquela pergunta triste, a do “o que você tá achando?”. Digo que é lindo, mas não me toca, não fala comigo. Ele me chama de velho e confessa: “pode ser porque eu sou turista aqui, mas tô adorando”. Volto ao meu lugar com a expectativa calibrada: sim, o objetivo agora parece claro: encantar as centenas de pessoas ali presentes. Considerando isso, a missão estava cumprida – ou assim indicavam os aplausos efusivos ao final e em cena aberta, em diversos momentos.

Ao longo da segunda parte da apresentação, me contentei em me divertir, assistindo ao espetáculo como se tivesse ido ao circo, contemplar a beleza de tudo aquilo (dança, acrobacia, malabarismo, patinação, sapateado, canto, música e quebração de gelo) sem esperar, em contrapartida, por qualquer tipo de provocação. É mais fácil assistir ao espetáculo sem exigir nada em troca – embora não seja esse o tipo de fruição que eu tenha buscado ultimamente.

Ao término, fui jantar com meus amigos. Contente, sim, por ter visto um belo espetáculo, mas frustrado por não ter visto, naquele circo, sequer um palhaço que conseguisse me fazer olhar pra qualquer aspecto da realidade ao meu redor, fora daquela caixa cênica enorme, e que me fizesse rir de mim mesmo e de minhas próprias contradições. E olha que o diretor do Teatro Sunil, o suíço Daniele Finzi Pasca, é um clown…

1 vontade imensa de patinar no gelo na sala da minha casa

A peça foi assistida em 20/8/2010 no Teatro Paulo Autran, no SESC Pinheiros – última apresentação da temporada paulistana. O valor pago pelo ingresso foi de R$ 5 (valor para trabalhador do comércio e serviços).

'3 comentários para “Donka – Uma carta para Chekhov”'
  1. Sophia Bueller disse:

    É triste comentários tão vagos. Não a pergunta de um espectador/expectador comum. É uma pena não há um pequeno interesse em se deleitar sobre a encenação e a proposta narrativa que mais do que amarra todos os “blocos”.

    O poder narrativo da peça é digna de gigante. Seja clown, seja qualquer outro formato.

    É uma pena que o “não me toca” resulte sempre na procura desesperada por palavras para se por como um ser superior e quase desrespeitoso ao trabalho de um artistas.

    Comentário preguiçoso e presunçoso.

    Que pena.

  2. Oi Sophia, obrigado pelo comentário.

    Sempre me cansa esse negócio de “desrespeito ao trabalho de um artista”, sabe? Afinal, se não for para registrar uma leitura sincera, que alternativa me resta? Escrever palavras bonitas quando no fundo a peça não me toca e o que quero dizer é outra coisa? Não, valeu. Já tem muito disso no mundo. O exercício crítico vai para além do “falar bem ou mal”, também tange estabelecer leituras.

    O papel desse texto, assim como desse site, é provocar debate, de explicitar pontos de vista. Em seu comentário você me ataca, mas os “comentários vagos” quem usa é você, para desmerecer minha argumentação sem propor contraponto para um debate. Mas não vamos brigar por isso, proponho uma coisa diferente.

    Fala um pouco mais sobre “o deleite sobre a encenação e a proposta narrativa que amarra todos os blocos”, sobre o “poder narrativo digno de gigante” (vai ver que não saquei esse por ter 1,67m de altura). Seu contraponto com argumentos seria bem mais legal do que um comentário agressivo.

    Você diz que meu texto é presunçoso, mas repare que eu o trago o tempo todo para a premissa pessoal – e que em momento algum eu assumo ser “um ser superior”. Você é que está atribuindo a mim essa postura. Repare que esse texto não parte de lugares de poder para dizer o que penso, não parto de nenhuma autoridade crítica. Estou falando do ponto de vista de quem estava lá como espectador e que achou que estava vendo uma repetição de conceitos. Sem desrespeito, sem presunção. E sem afetação de quem se obriga a gostar do que vê “porque sim”.

    Também não há procura desesperada por palavras. Se houvesse alguma dúvida quanto ao que escrever, esse texto não existiria – como ocorre com tantos outros espetáculos que vejo constantemente. Seria um texto preguiçoso se eu me contentasse a repetir o que já se fala sobre o espetáculo, ou se eu abrisse mão de fazer conexões e contrapontos em nome do “deleite”. Na verdade, se houvesse preguiça, de verdade, esse texto sequer existiria, sem a menor sombra de culpa.

    Repare que a puxada de orelha nem é ao espetáculo em si, mas ao contexto produtivo que o traz ao cartaz na cena paulistana (inclusive, pela data de seu comentário você deve ter visto a montagem nessa SEGUNDA VEZ que o SESC trouxe essa produção para São Paulo, o que reforça ainda mais minha crítica aos critérios curatoriais do SESC como um todo).

    Mas enfim, se você estiver afim de discutir a peça, a curadoria do SESC ou alguma outra coisa que não seja a “presunção e preguiça” do meu texto, vambora. Se sua intenção é só me atacar gratuitamente só porque escrevi algo com que você discorde, aí sim haverá preguiça da minha parte, que se resumirá a uma não-resposta.

    Enfim, espero que o papo prossiga!

    Abraços,
    Maurício

  3. leonardo disse:

    gostaria de saber aonde esta sendo apresentada a peça donka?obrigado

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