Histórias de Além-Mar

Críticas   |       |    17 de janeiro de 2010    |    1 comentários

Tá vendo aquela cidade, moço? Ajudei a levantar.

Fotos: Luisa Lobo

Maurício de Nassau. O que vem na minha mente? Meu pai contando que uma vez, em Recife, fizeram uma pesquisa para saber qual tinha sido o melhor prefeito da cidade, o que mais tinha feito obras e tal. O vencedor? Mesmo que tendo governado só por 7 anos, o escolhido foi Maurício de Nassau. Outra história. Essa quem me contou foi um casal amigo meu lá de Recife. De que no tempo no tempo dos militares (década de 70, eu acho) em que cismaram de mandar uma daquelas pontes que Nassau construiu pelos ares. Armaram os explosivos. Tudo pronto? 1,2,3,4. Nada da ponte explodir. Diz que nem se mexeu nas estruturas. Segunda vez, então. Mais bomba. 1, 2, 3, 4. Também nada. Desistiram.

Verdade ou não, era isso o que eu tinha de informações, afora o básico que todo mundo sabe sobre Nassau, quando eu fui ver Histórias de Além-Mar, direção de Claúdia Maoli. Remo Produções Artísticas & Teatro Munganga. De cara, derrubam qualquer preconceito meu a respeito de montagens sobre personagens históricos e que tem um cunho didático, o pé na arte educação – que, sem lhe tirar valor e importância, muitas vezes, é mais educação do que arte, como muita peça infantil que eu vejo por aqui, pela Paraíba, com uma Chapeuzinho Vermelho encontrando com o “Lobo Bom”.

“Vamos contar a história de um herói”, dizia uma atriz e pegava um chapéu típico dos três mosqueteiros. “Herói? Como assim um herói?”, tomava o chapéu e perguntava um ator. “Herói sim, ele construiu, ele fez obras importantes, construiu a cidade”, respondeu outro ator, tomando o chapéu. “Ele era um ganancioso, isso sim, ganhou dinheiro em tudo que fez”, outro ator tomava o chapéu para si e discordava, fechando a ciranda dialética.

Esse foi o ritmo da apresentação: o de quebra brechtiana. Um exemplo? Ratificando a perspectiva da montagem, a de que a história era apresentada e comentada em suas contradições, uma cena emblematizou Um Nassau bestializado, batendo em um tambor com fúria, beirando o animalesco, aos berros de: trabalho, vou construir prédios e pontes, defendo inclusive o trabalho escravo. Tudo isso sublinhando pelo personagem do escravo que perguntava quantos homens foram necessários para se realizar os caprichos de Nassau, como de transplantar palmeiras adultas para enfileirar em frente da alameda de seu castelo? Os rostos anônimos e esquecidos que construíram os monumentos. Enquanto o senhor e o servo duelavam, os demais atores pontuavam o ritmo estalando em cinturões.

Além da dialética, o espetáculo também se pautou pela metalinguagem. Ambas estratégias combinadas com um sentido: forma e conteúdo se justificando e se complementando. Exemplo? Nos momentos dramáticos, com grande carga interpretativa, sempre era desestabilizado por uma ironia; quando se fecham os componentes da esquadra que vem ao Brasil, os atores somem nos baús, que fazem as vezes de navio, e num gesto gradiloquente puxam a capa que vestem com o braço em horizontal, todavia, que não há lugar para a atriz. “Não tinha mulher nessa expedição, fica aí”. Ela, então, a atriz, arruma uma forma de aparecer na história. Detalhe que joga luz para uma outra questão, tudo isso com poesia, sem panfleto, pois, pensemos que a atriz arruma um jeito de entrar na história, na trama, interpretando um caçador, como foi o caso; isso faz lembrar da história com H maiúsculo em cujo registro durante muito tempo, o seu lugar, da mulher, foi negado, transformando-a em um personagem invisível. Outro exemplo de como um assunto delicado, o do racismo, foi tratado também pela chave do humor, sem descuidar da reflexão. Dos quatro atores nenhum deles poderia interpretar um europeu de linhagem. São, na falta de uma melhor definição, ou da definição deles próprios, afros. Só que em um deles os traços são mais acentuados. “Já sei, eu que tenho que fazer o escravo, tá legal, tudo bem”. Até isso, essa questão que rende muito o que falar, não foi contornada e assumida com humor.

1 boi voando nos céus do Recife

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'1 comentário para “Histórias de Além-Mar”'
  1. cristhiano aguiar disse:

    “lobo bom”??? hahahaha

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