Invasão

Críticas   |       |    24 de fevereiro de 2010    |    0 comentários

Um curto questionário ao professor

Chegar ao teatro do Sesc Santo Amaro no Recife não é das experiências mais fáceis, sobretudo sem carro, nem van oficial. Mas é, com certeza, uma maneira de viver a cidade, que me ajudou a estabelecer uma entre as inúmeras relações entre São Paulo e Recife: o estado de medo permanente em que vivemos. Devo ter ouvido pelo menos umas 50 vezes que aquele caminho era perigoso para ser feito a pé, como comentei nesse outro texto. De todo modo, depois de chegar ao teatro meio esbaforida, tudo o que eu queria era adorar aquela peça. Invasão. De um ator brasileiro residente em Portugal, que assina criação, texto, direção e é o elenco. Um bombril.

A peça começa e o desempenho do moço é inegavelmente criativo – com alguns objetos do banheiro de uma casa ele cria figurinos simbólicos para interpretar personagens históricos ligados à época em que a família real portuguesa foge para o Brasil e a um estranho orgulho por Dom João VI ter sido o único Rei da Europa a enganar Napoleão Bonaparte. Trata-se de um professor de história.

(Parênteses)

Dias depois da peça, aconteceu a festa de premiação da APACEP (Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco). A confraternização me proporcionou uma breve conversa com Junior Sampaio – o ator-criador-dramaturgo-diretor da obra em questão nesse texto – sobre a crítica e os possíveis diálogos com ela. Em poucas palavras, ele deixou claro que nunca responde críticas, porque o espaço dele é o palco e o espaço da crítica é… enfim… o espaço da crítica. Então, para tentar explorar a intenção da Bacante de misturar palco e reflexão e flexibilizar esses papéis colocando-os em diálogo, perguntei a ele se ele não responderia mesmo se o formato da crítica em si pedisse uma resposta, ao que ele prontamente respondeu: “Se você me fizer perguntas, eu respondo”.

A partir dessa conversa, esse texto que você está lendo e que já estava para ser publicado foi cortado e refeito neste ponto para experimentar um tipo de diálogo mais direto.

(Fecha parênteses)

Pergunta 1: Você tem alguma formação em pedagogia? A inspiração do personagem professor de história é em alguém que você conhece ou ser professor era um desejo seu?

Pergunta 2: Quando você estava na sexta série, suas aulas de história eram insuportáveis?

Pergunta 3: O fato de Dom João VI ter “enganado” Napoleão com sua fuga ao Brasil é realmente orgulho nacional em Portugal ou foi você quem exagerou isso na peça?


Foto de Wellington Dantas

Pergunta 4: Você acha que uma aula tem potencial cênico por si mesma? Nesse caso, por que você decidiu privar de qualquer participação os personagens mais importantes da cena – os alunos?

Pergunta 5: Quando escreveu a peça, você a pensou para uma faixa etária específica?

Perguna 6: Você não acha que a escolha de trazer à cena características cômicas dos personagens históricos ao mesmo tempo em que os torna mais próximos de quem assiste, também acabou por deixá-los menos complexos e contraditórios do que foram?

Pergunta 7: Você, pessoalmente, acha que ser professor é ser ator? Por quê? Quais seriam as fronteiras entre um e outro na sua visão?

Foto de Wellington Dantas

Pergunta 8: A mim parece que há uma quebra imensa entre o didatismo da aula do professor e a parte final em que você inverte os conceitos da Revolução Francesa dizendo que o mais importante é a fraternidade, depois a igualdade e depois da liberdade. Essa quebra é proposital? Você acha que o público acompanha o caminho que você trilhou até essa tese de inversão dos valores? Ou, em outras palavras, que a peça dá elementos para que essa conclusão seja natural?

Pergunta 9: Uma de suas conclusões é desejar que as tragédias de ontem se revertam na paz de amanhã. No entanto, contraditoriamente, a peça desvia das “tragédias” daquele período histórico específico, ignorando também personagens das classes mais pobres, enquanto coloca o foco nas piadas com o comportamento da elite. Além disso, a obra não puxa esse fio condutor que relacionaria passado, presente e futuro, não nos mostra os elementos políticos de ligação entre os períodos. Essa contradição é proposital?

A cotação dessa peça fica em aberto, uma vez que essa crítica está em construção e depende ainda das respostas do meu interlocutor

***

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