Meu

Críticas   |       |    12 de fevereiro de 2010    |    0 comentários

Quem ainda quer falar de amor?

A peça Meu não foi curada para o festival 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos, mas esteve em cartaz de maneira independente na cidade do Recife, cujo teatro continua vivo antes, durante e depois desse evento. Isso mesmo, o primeiro texto da minha cobertura do 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos não é sobre uma peça do 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos. E antes que haja qualquer confusão nesse sentido: não, este não é um ato lindo de uma pessoa muito generosa e bondosa. Essa é só a tentativa de manter uma postura coerente de alguém que gosta de ver teatro e quer conhecê-lo como é feito nas peculiaridades de cada lugar; e sempre que possível, fazer isso para além dos limites de programações oficiais – até porque, convenhamos, elas passam longe de serem inquestionáveis.

Foto de Sol Nejaim

Feitas as introduções políticas, passamos a falar de uma obra um tanto apolítica (calma, você vai entender ao longo do texto). A história se passa na Rua Esquerda – mas não se confunda, isso não significa que haja menções a Marx ou Che Guevara.

De maneira simplificada, trata-se de uma história sobre o amor. No entanto, o que se vê não são luas cheias, declarações melosas, nem beijocas à beira-mar. (Ufa! Ainda bem!) A opção aqui foi abordar a parte mais dolorida da maneira como se convencionou amar, à qual podemos dar o nome de “posse” ou “dependência” do outro.

O texto busca uma espécie de movimento cíclico, com cenas que se interrompem e se complementam e trechos do texto que se repetem em momentos diferentes ganhando novos significados. No entanto, em cena, a obra não consegue o dinamismo que estes recursos poderiam trazer, talvez porque, ao buscar um registro absurdo, perde o fluxo natural das falas e acaba ficando um pouco truncada mesmo. Outro obstáculo é a falta que faz um jogo de luz para definir as mudanças rápidas de focos entre os personagens.

Foto de Sol Nejaim

A aposta mais visível do autor é nas metáforas, com destaque para a da menina que namora um peixe e estabelece com ele uma relação de controle absoluto, a ponto de pretender colocar sal em seu aquário para substituir a experiência de estar no mar. Mais ou menos como acontece em boa parte dos relacionamentos amorosos que, por propósito ou não, acabam privando as pessoas de suas descobertas e da individualidade mesma. O ponto alto é o uso da frase extremamente clichê “Como assim você está feliz? Você está sendo feliz sem mim?”, dita no contexto absurdo em que a menina está enciumada da relação de seu peixe com o gato do vizinho.

Foto de Chico Ludermir

Além deste, outros dois relacionamentos amorosos são apresentados: um deles procura colocar as brigas e discussões barulhentas em oposição ao silêncio do fim dos relacionamentos, mas o tema fica explorado superficialmente. No outro caso, mais absurdo, a mulher não suporta mais viver com seu marido – que tem orgasmos de 30 minutos, como um porco – mas também não toma a atitude de sair da casa, ainda que a porta esteja sempre aberta. Ao repetir inúmeras vezes que a chave foi perdida e a porta está aberta, o texto exacerba que a prisão do casamento é interna, ou seja, as amarras não têm conexão com o real, mas com convenções e determinações abstratas e, talvez por isso mesmo, mais difíceis ainda de serem vencidas.

Foto de Sol Nejaim

Por meio desses três casais – todos intencionalmente pouco verossímeis – a montagem comprova a tese de que amar (pelo menos desse jeito) faz mal ao coração, embora fuja de afirmar isso categoricamente, deixando a conclusão para a platéia.

E, mencionando a platéia, chego ao que vejo como uma entre muitas possibilidades de um futuro de pesquisa para o grupo. Isso porque, em um dado momento, a montagem investe na interação com o público, iniciativa que, a princípio, é desafiadora e pode gerar diálogos novos nesse encontro teatral. No entanto, a maneira escolhida para esta interação é constrangedora e não permite à pessoa convidada do público nenhuma autonomia criadora diante da obra. Então, quem sabe, mais cuidado na aproximação com o público possa levar o grupo a pesquisar interações verdadeiras e espontâneas que de fato permitam intervenções da platéia nos caminhos da encenação, tornando-a mais viva. Essa poderia, inclusive, ser uma solução para melhorar o ritmo da montagem, principalmente com esse tema que provavelmente geraria intensa vontade de participação, porque, afinal, tá cheio de gente doidinha pra dividir suas histórias de amor ou de não-amor em público.

Cotação: M

Breve explicação sobre as cotações do 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos:

Para dialogar com o pomposo nome do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos, resolvi cotar os “grandes espetáculos” em cartaz no Recife como PP, P, M e G. Mas, atenção! Decidi inverter a cotação! Isso porque eu sou do time dos que gostam mais daquela coisa de teatro pequeno, com público ativo e pertinho dos atores, do que daquelas peçonas que a gente precisa de binóculos pra ver. Sim, isso é bem “gosto pessoal” e não significa que toda peça pequena no mundo seja fantástica, nem que toda peçona produzida na história do teatro seja um lixo. Assim, de acordo com meu critério, a grandeza nessas críticas ficará medida ao contrário, no sentido de “os menores serão os maiores”. Tipo PP vale mais que P, que vale mais que M que vale mais que G, deu pra entender?

***

Outros textos sobre o 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos na Bacante:

Histórias de Além-Mar

Greta Garbo Quem Diria…

Encruzilhada Hamlet

Começar a Terminar

Invasão

A Dona da História

Prêmio APACEPE de Teatro e Dança

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