Meu
Quem ainda quer falar de amor?
A peça Meu não foi curada para o festival 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos, mas esteve em cartaz de maneira independente na cidade do Recife, cujo teatro continua vivo antes, durante e depois desse evento. Isso mesmo, o primeiro texto da minha cobertura do 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos não é sobre uma peça do 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos. E antes que haja qualquer confusão nesse sentido: não, este não é um ato lindo de uma pessoa muito generosa e bondosa. Essa é só a tentativa de manter uma postura coerente de alguém que gosta de ver teatro e quer conhecê-lo como é feito nas peculiaridades de cada lugar; e sempre que possÃvel, fazer isso para além dos limites de programações oficiais – até porque, convenhamos, elas passam longe de serem inquestionáveis.
Foto de Sol Nejaim
Feitas as introduções polÃticas, passamos a falar de uma obra um tanto apolÃtica (calma, você vai entender ao longo do texto). A história se passa na Rua Esquerda – mas não se confunda, isso não significa que haja menções a Marx ou Che Guevara.
De maneira simplificada, trata-se de uma história sobre o amor. No entanto, o que se vê não são luas cheias, declarações melosas, nem beijocas à beira-mar. (Ufa! Ainda bem!) A opção aqui foi abordar a parte mais dolorida da maneira como se convencionou amar, à qual podemos dar o nome de “posse” ou “dependência” do outro.
O texto busca uma espécie de movimento cÃclico, com cenas que se interrompem e se complementam e trechos do texto que se repetem em momentos diferentes ganhando novos significados. No entanto, em cena, a obra não consegue o dinamismo que estes recursos poderiam trazer, talvez porque, ao buscar um registro absurdo, perde o fluxo natural das falas e acaba ficando um pouco truncada mesmo. Outro obstáculo é a falta que faz um jogo de luz para definir as mudanças rápidas de focos entre os personagens.
Foto de Sol Nejaim
A aposta mais visÃvel do autor é nas metáforas, com destaque para a da menina que namora um peixe e estabelece com ele uma relação de controle absoluto, a ponto de pretender colocar sal em seu aquário para substituir a experiência de estar no mar. Mais ou menos como acontece em boa parte dos relacionamentos amorosos que, por propósito ou não, acabam privando as pessoas de suas descobertas e da individualidade mesma. O ponto alto é o uso da frase extremamente clichê “Como assim você está feliz? Você está sendo feliz sem mim?”, dita no contexto absurdo em que a menina está enciumada da relação de seu peixe com o gato do vizinho.
Foto de Chico Ludermir
Além deste, outros dois relacionamentos amorosos são apresentados: um deles procura colocar as brigas e discussões barulhentas em oposição ao silêncio do fim dos relacionamentos, mas o tema fica explorado superficialmente. No outro caso, mais absurdo, a mulher não suporta mais viver com seu marido – que tem orgasmos de 30 minutos, como um porco – mas também não toma a atitude de sair da casa, ainda que a porta esteja sempre aberta. Ao repetir inúmeras vezes que a chave foi perdida e a porta está aberta, o texto exacerba que a prisão do casamento é interna, ou seja, as amarras não têm conexão com o real, mas com convenções e determinações abstratas e, talvez por isso mesmo, mais difÃceis ainda de serem vencidas.
Foto de Sol Nejaim
Por meio desses três casais – todos intencionalmente pouco verossÃmeis – a montagem comprova a tese de que amar (pelo menos desse jeito) faz mal ao coração, embora fuja de afirmar isso categoricamente, deixando a conclusão para a platéia.
E, mencionando a platéia, chego ao que vejo como uma entre muitas possibilidades de um futuro de pesquisa para o grupo. Isso porque, em um dado momento, a montagem investe na interação com o público, iniciativa que, a princÃpio, é desafiadora e pode gerar diálogos novos nesse encontro teatral. No entanto, a maneira escolhida para esta interação é constrangedora e não permite à pessoa convidada do público nenhuma autonomia criadora diante da obra. Então, quem sabe, mais cuidado na aproximação com o público possa levar o grupo a pesquisar interações verdadeiras e espontâneas que de fato permitam intervenções da platéia nos caminhos da encenação, tornando-a mais viva. Essa poderia, inclusive, ser uma solução para melhorar o ritmo da montagem, principalmente com esse tema que provavelmente geraria intensa vontade de participação, porque, afinal, tá cheio de gente doidinha pra dividir suas histórias de amor ou de não-amor em público.
Cotação: M
Breve explicação sobre as cotações do 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos:
Para dialogar com o pomposo nome do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos, resolvi cotar os “grandes espetáculos” em cartaz no Recife como PP, P, M e G. Mas, atenção! Decidi inverter a cotação! Isso porque eu sou do time dos que gostam mais daquela coisa de teatro pequeno, com público ativo e pertinho dos atores, do que daquelas peçonas que a gente precisa de binóculos pra ver. Sim, isso é bem “gosto pessoal†e não significa que toda peça pequena no mundo seja fantástica, nem que toda peçona produzida na história do teatro seja um lixo. Assim, de acordo com meu critério, a grandeza nessas crÃticas ficará medida ao contrário, no sentido de “os menores serão os maiores”. Tipo PP vale mais que P, que vale mais que M que vale mais que G, deu pra entender?
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Outros textos sobre o 16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos na Bacante:
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