Filo 2008
Num festival com Peter e Barba, nada como uma Santa Cerva
Fotos: FabrÃcio Muriana
“Estão dizendo que de sábado pra domingo vai esfriar muito em Londrinaâ€, disse a Dona Alzira, minha companheira de busão, no dia 13, à s 13h. Na verdade, a Dona Alzira não se chamava Dona Alzira, mas aqui ela será Dona Alzira, porque não me lembro do nome dela. “Puxa, ainda bem que eu trouxe muita roupa de frio. Bem que minha mãe avisouâ€, pensei. A viagem de São Paulo a Londrina, pela Viação Garcia – que é também a Ouro Preto – dura por volta de 8h, à s vezes 7h, dependendo de quanto tempo você fica parado naqueles postos onde se come coxinha com todynho e se paga o olho da cara, porque não se tem outra opção. É uma viagem tranqüila, que recomendo, aliás. Não só por ser tranqüila, afinal também é possÃvel ficar tranqüilo no avião ou na cama do hotel, perdendo menos tempo. Mas se distanciar aos poucos daquele que é o seu lugar, o seu espaço de conforto, percorrendo lentamente esse processo de distanciamento do conhecido (tanto com relação à cidade, quanto com relação à cena teatral) talvez seja um bom método para chegar aberto ao festival e à cidade. Foi um bom método pra mim.
O transporte em Londrina é bem organizado e divertido. Divertido, mais pelas pessoas e suas idéias maravilhosas (!), do que pelo transporte em si. Um bom exemplo é o criativo anúncio nonsense: “Respeite o lugar preferencial da gestante: você não nasceu em pé!â€. Nesse primeiro trajeto rodoviária-teatro, pude ouvir, ainda, opiniões dos cidadãos sobre a cidade. Não que eu tenha perguntado. Quando o ônibus passou ao lado da novÃssima praça em comemoração aos 100 anos da imigração japonesa (nada contra os japoneses, pelo contrário, mas já tá bom de comemorar, né?), alguns homens pintavam as faixas de pedestre. Sentado na poltrona à minha frente, um senhor comentou com o motorista: “olha o pessoal pintando o sete! É bom que eles pintem em volta da praça, aà vem a reportagem filmar a praça nova e as pessoas falam: puxa, que cidade bonita que é Londrina! Como as faixas são brancas!â€.
Da rodoviária é bem fácil chegar à Casa de Cultura da UEL que era, por assim dizer, a sede da organização do festival. Café (de graça!), computador e pessoas. Algumas mais malucas, como a Silvia – estagiária simpática da assessoria de imprensa que não se chamava Silvia, mas agora se chama – e algumas pessoas menos malucas do que poderiam/ deveriam, completamente adaptadas ao conforto de ter suas experiências conduzidas por vãs oficiais do festival.
Ser conduzido, porém, também tem lá suas vantagens. As mais óbvias são não ter que pagar o táxi, nem se matar pra descobrir o busão certo, nem correr o risco de se atrasar, já que os horários das peças eram bem próximos. A menos óbvia é encontrar pessoas interessantes no trajeto. Como interessante diz pouco, dá pra definir o Seu Nilton (será que ele chama Nilton?) como uma homem falante, praticamente um guia turÃstico. Foi ele quem me levou até a peça infantil O Ratinho e a Lua e me contou, entre muitas (mesmo) outras coisas, que Londrina é dividida por uma represa e que o campus da UEL (“Vale a pena você conhecer, menina!â€) ficava do outro lado.
Nesse mesmo dia, conheci o Primo, que não é meu parente, mas é um moço de São Paulo que faz freela de coordenador da técnica. Podemos dizer, na verdade, que conheci meio Primo, porque o resto dele já tinha se desgastado na semana anterior, cuidando dos grupos e, ainda, da iluminação do Cabaré – o “Não-Lugar†do Filo, ou seja, o local onde a galera vai encher a cara e flertar (pra usar uma expressão da minha avó, doce e ingênua) depois de ver as peças do dia, ou sem ter visto as peças mesmo. Pelo que soube, o Cabaré teve dois problemas graves: o galpão é muito distante e o banheiro é infreqüentável. Mas isso, dependendo do quanto você fosse beber, é bem possÃvel que nem notasse. Foi lá que aconteceram os shows musicais do festival, entre eles o da incrÃvel (desculpem, não resisti ao adjetivo exagerado) Elza Soares, que, segundo soube por fontes seguras, cantou “eu só quero é ser feliz, andar tranqüilamente na favela onde eu naisci (sic) e poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugarâ€, o funk mais conformista do mundo. Finalmente, foi também neste galpão distante e com banheiro sem pia que a Fernanda Takai fez uma homenagem ao Emilliano, nosso colaborador uberlandense.
Voltando ao teatro, já que é disso que estamos falando aqui (é?), o contato mais próximo com a produção das artes cênica em Londrina foi com três atores do elenco de Conquanto Sonho, peça que utilizou a área externa do Museu Histórico de Londrina. Conversar com eles nos mostra, novamente, que teatro não é das empreitadas mais fáceis, sobretudo longe do “eixo-rio-são-pauloâ€. “Em Londrina, é impossÃvel sobreviver de teatroâ€, contou o Júnior Romanini, ator formado pela UEL. Há programas de formação de novas platéias que se sustentam, principalmente, na distribuição gratuita de ingressos em escolas e comunidades, mas não consegue muitos resultados. A grande movimentação acaba acontecendo mesmo durante o festival. No resto do ano os atores hibernam? Não. A alternativa é preparar projetos para editais públicos e, depois de recebida a verba – quando conquistada – fazer apresentações para poucas pessoas na platéia.
Outra portinha para o universo londrinense foi assistir De todas as mulheres que fui…, uma obra curta, singela e potente, na Casa das Fases. Tratava-se do resultado de uma oficina realizada pelo Cia Fase 3, que trabalhou com senhorinhas lindas numa peça em que elas mesmas interpretam algumas histórias que fizeram parte de suas vidas. Quando chamo as meninas de lindas, não estou sendo puxa saco, nem estou falando dos lindos olhos azuis de uma delas. É que acho bonito mesmo o envolvimento corajoso que tiveram com a arte, sem abrir concessões para si mesmas e se expondo, se entregando ao público. Faltam, ainda, claro, muitos ajustes na dramaturgia, que poderiam ser assumidos pelos profissionais da companhia.
O grupo Cia Fase 3, que organizou e coordenou a oficina e trabalha na Casa das Fases, já participou de outros festivais em Londrina e uma das peças criadas por eles, Zona ParaÃso, os levou à Alemanha. O trabalho mais instigante talvez tenha sido a intervenção X-vezes Gente Cadeira, realizada com a diretora Angie Hiesl. A obra investia em atividades cotidianas realizadas em locais inesperados, tirando do cotidiano os afazeres cotidianos e expondo-os ao público. Para isso, que tal puxar as pessoas pela janela dos prédios? Foi mais ou menos isso que eles fizeram. Sem cordas nem qualquer outro equipamento de proteção (ai, se os engenheiros de segurança vissem isso!), os atores eram colocados do lado de fora das paredes de prédio diversos na cidade e lá, sentados em confortáveis cadeiras, realizavam partituras simples como escrever poemas e distribuÃ-los pelo ar, costurar um vestido de noiva ou comer uma fruta. E aÃ, topa tomar uma cervejinha sentado numa cadeira a vinte metros de altura?
E, por falar em cervejinha, não posso deixar de compartilhar a melhor descoberta que fizemos na cidade, graças à Flávia, que além de emprestar o sofá-cama, ainda perambulou conosco por aÃ. E, quando todo mundo vai dormir pra acordar disposto no dia seguinte, é hora de Pé na Cova, o bar com a cerveja mais barata de Londrina. O Pé na Cova fica ali no fim da Higienópolis, ao lado do cemitério. Desencana de tinta na parede, piso no chão e toalha na mesa. O esquema é pedir uma Santa Cerva (R$1,50), um Suco de Macaco (R$1,00) e bater papo. Afinal, embora estudiosos conceituados acreditem que o lugar na crÃtica é a universidade, a gente continua acreditando (e pregando, irmãos!) que o melhor lugar pra se falar de teatro é o buteco!
PS: Não, eu não fui paga pelo dono do Pé na Cova para escrever a matéria. Mas, sem qualquer dilema ético, aceito agradecimentos em doses de Suco de Macaco.
PS.2: Não, não vou falar do Peter Brook que já deu, né? Dá um google que não vão faltar reportagens sobre ele.
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