Aqueles Dois
Aquela peça
Botar uma separação entre o dia em que se assiste uma peça e o momento em que se escreve sobre ela traz a certeza de que não ficaremos só nas primeiras impressões, mas faz com que nos tornemos ainda mais reféns da memória, cada vez mais escassa tanto individualmente como coletivamente nos nossos dias. A memória é nossa ilha de edição mental, e a minha sempre foi meio preguiçosa. No entanto, quando uma obra teatral se vale da adaptação de um conto, é muito relevante para a elaboração de sua crÃtica – tenha ela a forma que tiver – o contato com a obra original, por isso alguns dias eram necessários. Foi o que fiz, com algum atraso, depois de assistir Aqueles Dois, destaque da Mostra de Teatro Contemporâneo do Festival de Curitiba.
O Cia. Luna Lunera, de Minas Gerais, partiu do conto homônimo de Caio Fernando Abreu, publicado em 1982, como parte do livro Morangos Mofados. Usaram também cartas enviadas por Caio Fernando Abreu, Cazuza e alguns outros (não sei especificar todos) para construÃrem um espetáculo de direção coletiva. A forma escolhida para coletivizar a direção foi a do revezamento entre os atores, assistindo e trazendo propostas para os ensaios. Além disso, eles abriram o processo para a opinião do público, o que expande ainda mais a idéia de criação coletiva e relativiza também a idéia de autoria, presente no conto original.
Era quase previsÃvel que houvesse excessos na montagem final, como acontece em muitas outras que são feitas a muitas mãos. A diferença aqui é que houve um respeito quase exagerado ao texto original, algo que normalmente deporia contra a peça, mas que dessa vez é complementado das formas mais diversas por cenas que dão novas e mais amplas leituras ao que encontramos no conto. Assim como na adaptação de Comunidad, aqui vemos a obra inicial expandida e relida, quase como se sua autoria também fosse coletivizada por meio da montagem que se frui no palco.
Ao vermos o trabalho fÃsico e de construção dos personagens, além da montagem instantânea de cenários, concluÃmos: “esses caras viram muito a Cia. dos Atores“, as peças do Grupo Espanca! (também lá da terra deles) e muitos outros dos tais “contemporâneos”, mas souberam levar só o que lhes interessava. Dois personagens – Raul e Saul – são interpretados por quatro a[u]tores, o que amplia as vozes diversas contidas nas suas construções. Essa opção quebra a obviedade do conto, que desde o inÃcio deixa claro quem são os protagonistas da história. Por vezes ficamos perdidos tentando entender quem são os quatro que se estão apresentando. É quase como se não tivessem uma identidade por se terem rendido ao cotidiano despersonalizante de uma repartição.
A trilha sonora tem destaque especial; pelo que já estava citado no conto, sendo executada ao vivo com descompromisso e espontaneidade; para vermos como boa parte das escolhas de Caio Fernando Abreu se tornaram cliché com o passar do tempo, e, enfim, para concluirmos que a opção pela manutenção do cliché não diminui a quantidade de leituras da obra. É impossÃvel não voltar à s coletâneas de Carlos Gardel e Frank RodrÃgues – na interpretação de Los Panchos, é a que mais adoro – por mais crÃticos que sejamos à indústria cultural.
Uma obra para ser vista, ouvida, encenada e relida, Aqueles Dois parece despretensiosa no inÃcio, complexifica-se no meio e te pega por vários dias ao final. Demonstração de que uma boa história pode suscitar simbolismos e contradições mais amplas do que o que está contido nela, mas também pode ser simplesmente uma boa história.
5 são aqueles que assinam adaptação e direção
Confira também a crÃtica do Emilliano Freitas e a entrevista com a Cia. Luna Lunera.





Eu vi poucas adaptações para o teatro da obra do Caio… Gostei de algumas… Uma vez uma garoat me disse: “CAio é assim mesmo, a gente tem vontade de ter só para gente.” Eu mesmo tenho um receio de fazer o mesmo… Queria ver essa montagem.
(da série: “comentários vagos com frases esparsas e significados idem.”
Eu tenho a mesma sÃndrome de comentários vagos.
Mas vale assistir essa, Ronaldo, porque é uma história bem amarradinha, que é revirada por eles na encenação.
Pensando agora, talvez até desse pra deixar mais desamarrada ainda, mas lá no paiol de Curitiba, ver aquele povão todo de boca aberta qdo a peça acabou… difÃcil não se render.
Abraço
O Luna Lunera se formou no Palácio das Artes-CEFAR (com um espetáculo belissimo “Perdoa-me por me traÃres” do Nelson), no curso no Profissionalizante de Ator, de onde alias saiu a Cia Clara, a Grace Passo do grupo Espanca!, a Rita Clemente de “Dias felizes: SuÃte em 9 movimentos”… alias ela além de dirigir o “Amores Surdos” do Espanca!, dirigiu o Luna na peça “Nesta Data Querida”,ou seja de certa forma esse povo está todo ligado e o que reina é uma promiscuidade teatral… ahaha
Se essa promiscuidade for relacionada à qualidade de boa parte desses trabalhos, que continue a putaria!! hahaha
Eeee, que beleza, um texto colaborativo!
Vi o espetáculo e achei a peça maravilhosa!!! Conheço os trabalhos do Luna e acompanho de perto. Fui aluna de um dos produtores , agora tenho aulas c/ uma das atrizes da Cia.
Aprendo e aprendi muito c/ essas pessoas maravilhosas!eles já conquistaram seu espaço… Assim como Cia.Espanca e Cia. dos Atores…
Espero que eles conquistem a cada dia mais , sem medo de ser feliz!
NÃO GOSTEI. achei chato demagogo demais, perdi 20,00!
[…] Dream L’Oratorio d’Aurélia Manifiesto de Niños Acqua Toffana Anjo Malaquias Aqueles Dois (Luna Lunera) Besouro, Cordão-de-Ouro Kavka – Agarrado num traço a lápis O Céu 5 Minutos […]
Lindo, lindo, lindo!
Sublime… Me emocionou e ouço o mesmo comentário de todas as pessoas que eu indiquei. Assisti 3 vezes…
Ana Alice Amorinm…e alguém ousa não se apaixonar pelo espetáculo?
Cia Luna Lunera, faz um trabalho espetacular, emocionante e envolvente.
Sabe o que é chato? o (pré-conceito).
A todos que tiverem a oportunidade, se deliciem com “Aqueles Dois”( que na verdade, em cena, são quatro) 😉
Fiquei impressionada com tamanha sensibilidade e delicadeza da peça,a nudez dos atores em cena,representa a realidade da obra e da alma de Caio Fernando Abreu!!Gratidão por esse espetáculo ter passado por Ribeirão Preto!!!!