Eu não sou cachorro

Críticas   |       |    11 de junho de 2007    |    0 comentários

Coceirinha

Foto: Camilo Brunelli

Sentia calafrios ao adentrar o Studio 184. Eu, que ali assisti, ainda nos meus mais tenros tempos de faculdade, a montagem de a Filosofia na Alcova (será que o pessoal do Satyros lembra disso?), agora só guardava lembranças assustadoras do espetáculo Heleny, Heleny, Doce Colibri, que até resenhei pra cá. Mas logo na entrada tudo mudou.

Ao invés das poltronas da platéia que nos distanciam da peça, somos levados ao palco, onde o chão está forrado de jornais e o público é acomodado em cadeiras de papelão. Lá também nos aguarda o dono do espetáculo, aquele que vai nos mostrar as profundas semelhanças e diferenças que existem entre cachorros e seus donos (o autor fala também dos cachorros sem dono).

O texto é de Fernando Bonassi que, segundo o rilise, “é jornalista, roteirista, dramaturgo, cineasta e escritor” (eles esqueceram diretor) e como é complicado falar das montagens com textos desse cara. Um autor que vai desde O Mundo da Lua (lembra da Mira Haar e do Fagundes?), passa por Apocalipse 1,11, do Vertigem, Carandiru no cinema (que segundo ele, só faz “por dinheiro”), monta também como diretor Centro Nervoso no Sesc Consolação (peça de que gostei, mas que não me parecia teatro) e está em cartaz também com o espetáculo O Incrível Menino na Fotografia.

Bonassi declarou há pouco tempo que quer ter algumas dúzias de monólogos como Eu não sou cachorro. Disse ser sua perspectiva de aposentadoria. Um foco típico de gente absolutamente chata. Parece a equipe da Bacante, que resolveu falar o que der na telha de teatro (admitimos, somos chatos). Esse foco nos monólogos traz algumas limitações fundamentais, que são desafios tanto pra quem escreve, mas principalmente pra quem atua.

Como compor um personagem sem diálogos? O que fazer para representar em cena alguém que é só fluxo de pensamento? César Figueiredo aceitou o desafio e realmente pesquisou o corpo do cachorro para ilustrar as diversas relações estabelecidas no texto. Então vale tudo: rosnar, mijar de perna pro ar, coceirinha na perna, carinho da platéia, comer no potinho, tudo isso encenado por um ator enorme, que se fosse mesmo cão seria desses Filas Brasileiros que só povoam sítios e casas de campo.

O trabalho de interpretação convence, o uso do espaço é criativo. Algumas rebarbas ficam nos detalhes: a iluminação não colabora em nada para a criação de novas relações entre humanos e cachorros; tá dito no rilise que a trilha é uma “pesquisa de sons experimentais de grupos contemporâneos”, bem, eu nem me lembro da trilha.

Mais uma vez o texto de Bonassi é uma alegoria para falar de algumas situações do nosso tempo. É angustiante assistir ao espetáculo, pois não se sabe até onde essa alegoria consegue exemplificar o quanto de cachorro somos, ou gostaríamos de ser no nosso cotidiano. Ao fim e ao cabo, ela vale muito mais, graças à entrega total e absoluta daquele dono do espetáculo, citado lá no começo da resenha.

4 minutos, na soma, se coçando em cena

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