Engenho Mostra Um Pouco do que Gosta

Especial   |       |    23 de agosto de 2007    |    4 comentários

A gente também mostra um pouco do que gosta

Fotos: Fabrício Muriana


3 da tarde. Na Globo, acaba de começar o Domingão do Faustão. No metrô, a linha vermelha leva bastante gente em pé – nada comparado aos horários de pico de dias da semana, mas ainda assim bastante gente. No Parque Cidade Tatuapé, uma família com pai, mãe, cinco filhos com menos de 10 anos e um cachorro se acomoda numa encosta gramada, de frente para um campo de futebol, pra onde a filha mais nova ruma sem medo, nem broncas. Na quadra de Bocha (“o esporte que faz amigos”), logo ao ali no mesmo parque, os amigos não jogam bocha, mas batem um bom papo e um carteado, enquanto o placar permanece quietinho.

Inquiridos sobre o nome do parque, os freqüentadores do local nos ofereceram pelo menos 3 versões muito diversas. Sampaio Gomes, a mais comum, faz menção ao time da várzea que ali treinava. Brigadeiro Eduardo Gomes é mais um desses nomes que ganhamos no período militar e que esquecemos de mudar ou, quando mudamos, esquecemos de esquecer. E, finalmente, Parque Municipal Cidade Tatuapé (mas não se engane, ele fica do lado do metrô Carrão).

Mais tarde, viríamos a saber uma quarta versão do nome. Acontece que, quando assumiu a prefeitura, o atual governador de São Paulo, José Serra, queria fazer um monte de CEUs sem gastar dinheiro e encontrou uma fórmula muito simples: passar os parques municipais pra Secretaria da Educação e chamá-los de escola. Então, aí vai mais um pro RG do parque: Escola Municipal Integrada. No entanto, mudada a opinião do sr. político, tudo voltou ao normal: parque-cidade-tatuapé-eduardo-gomes-sampaio-time-de-várzea. Não estamos no extremo da Zona Leste, mas quem vai pra esses cantos acaba passando por aqui, mesmo que seja dentro da lata de sardinhas em forma de meio de transporte. No entorno, vemos prédios com a perfeita cara da especulação imobiliária da cidade. Dá até pra imaginar o anúncio: “Ao lado do metrô, com vista para o parque-cidade-tatuapé-eduardo-gomes-sampaio-time-de-várzea, menos de 100 metros da Radial Leste, ampla área verde”. Por outro lado, também não se pode dizer que estejamos em uma zona central. É até pra lá do Shopping Tatuapé. Enfim, um bairro com presença garantida na lista de lugares ideais pra quem não quer o barulho do centro mas quer chegar rápido (em menos de 40 minutos) quando estiver com vontade. E o caminho mais rápido, claro, é o metrô.

Parque o que? Onde? Que que tem?Quem desce muito atento do metrô Carrão, do lado do terminal urbano, pode flagrar uma faixa tímida, disputando espaço com uma caixa d’água para anunciar: Teatro Grátis. Mais alguns passos e placas e chegamos, vejam só!, ao cantinho redondo onde trabalha um grupo de teatro que participou da fundação da Cooperativa Paulista de Teatro. Criado em 79, o antigo Apoena, atual Engenho Teatral fazia e faz um teatro com pretensões de mudar o mundo. Recebem fomento da prefeitura e mantêm, há dois anos, um galpão em forma de “oca do niemeyer” (mas sem nenhum concreto) ali, no bico deste parque de tantos nomes.

Desde que partiu para esse formato, e lá se vão 10 anos, o grupo já visitou outros pontos da periferia e concluiu que o melhor é estar na passagem. “Quando você vai pra periferia, periferia mesmo, um bairro não vai pro outro. Se você montar esse teatro em São Miguel Paulista, o povo de Guaianazes não vai lá, muito menos o de Ermelino Matarazzo, que é do outro lado da Radial Leste”, explica Irací Tomiatto, integrante do grupo.
O Engenho se apresenta sempre de graça e, além de exibir seu próprio repertório, realiza mostras, também gratuitas, com outros grupos com os quais tem afinidade. Engenho Mostra Um Pouco do que Gosta é o nome do evento que, desde julho, apresentou nove grupos e nove peças, em nove finais de semana – nove deve dar sorte.

Passaram pela oca provisória nesta mostra, os espetáculos:

A Mãe
Chalaça, a Peça
Bartolomeu, o que será que nele deu?
As Bastianas
Marragoni
O Cobrador
Gota D’Água

Sim, distinto leitor da Bacante, faltam dois espetáculos para completar nove. Por mais que a memória falte e o Google não ache, confiamos em você, que leu até aqui para indicar as peças que faltam. Vamos ver no que isso dá.

No dia 19, em que conhecemos o campo de bocha, a peça em cartaz era Gota D’Água, que, no dia anterior – primeira apresentação no local – deixara pelo menos 30 pessoas pra fora, por conta da superlotação. Prevenido, no domingo o público começou a chegar às 16h30. Não, a peça não começava às 17h, mas às 19h.

Parece até peça gratuita na FIESP. Mas só parece. Aqui o público é diferente (uma mistureba), o espaço é diferente (nada de palco italiano), a administração é diferente e, sobretudo, o acesso dos grupos é totalmente outro. Um dos grandes problemas enfrentados por quem procura produzir espetáculos que não se adeqüam nem ao padrão comercial de entretenimento, nem ao alternativo culturete, é encontrar espaços que os aceite e abrigue. Afinal, a FIESP – pra retomar o exemplo – não é pra qualquer um, só pra poucos Felipes Hisrchs.

Gota D’Água ilustra muito bem a direfença entre o espaço oferecido pelo Engenho e os demais. De 14 a 17 de agosto – exatamente a semana anterior às apresentações no Engenho – o grupo esteve em cartaz no SESC Avenida Paulista, reduto de ótimas montagens, espaços bastante alternativos e desfile de lindos modelos de óculos intelectualóides.
A Bacante acompanhou as duas montagens e as diferenças não são sutis. Não estamos dizendo aqui que o público do engenho seja substancialmente a periferia e o da Paulista seja a elite, porque isso está longe de ser verdade. O Engenho, como o SESC, também é frequentado pela própria classe teatral (a parte endinheirada ou a pobretona, tanto faz). A maioria dos entrevistados pela nossa equipe na fila da mostra tinha alguma ligação com teatro – alunos, professores, amigos e irmãos de atores – exatamente como em tantos outros espaços em que atores vão assistir atores, um sustentando o outro, limitados num universo restrito.No entanto, mudam algumas questões que, por mais que pareçam detalhes, fazem toda a diferença, como a gratuidade, que, de alguma forma, leva ao teatro pessoas que não podem separar de seu orçamento dinheiro para teatro, afinal, a novela também é divertimento, é de graça e ainda tem todo dia sem ninguém pedir. Fora que , estando ali, logo ali, não precisa se deslocar lá pra Paulista e correr o risco de não conseguir tomar o metrô ou o último ônibus (afinal, se formos analisar pelo sistema de transportes, fica claro que em São Paulo o governo não quer que os habitantes da periferia façam atividades noturnas de nenhum tipo – claro! Senão quem é que vai acordar cedo pra trabalhar no dia seguinte? E aí quem vai pagar impostos? E quem vai fazer o Brasil crescer?).

Dito isso, o que há de especial neste ambiente é a possibilidade de um público que mistura estes dois perfis, que bagunça aquele eixo social tão estático (pobres não-intelectuais X intelectuais ricos, com raros pontos de intersecção). E então, há uma sensível mudança de postura de todos, que tende, talvez, a um equilíbrio. O culturete, que, como não pôde comprar o ingresso com antecedência, chega antes e espera, como todo mundo, duas horas na fila. O “povão” começa a procurar o significado das peças e, no dia seguinte, não vai conversar sobre o Circo do Faustão. Mais do que isso, durante a peça, todos se confundem e, nesta mistureba, se sentem mais livres para esboçar reações, participar e sentir. Como bem definiu Georgette Fadel, “Aqui a platéia participa (…) E quer gostar. Faz de tudo pra gostar do que você está fazendo”.

Além da vontade de se envolver com o espetáculo, a platéia do Engenho, desprovida das formalidades de um SESC, pode mostrar que se envolveu e que gostou. Pode torcer, bater palmas, acompanhar as músicas do Chico Buarque. Pode vivenciar o teatro sem que ele precise ser Teatro de Vivência. No SESC, o público sorria, no Engenho, gargalhava. No SESC, o público sambava por dentro, no Engenho, batia palmas. E, com essa energia enviada para o palco, fica evidente que a energia dos atores também muda e o espetáculo é outro, ainda que tenha um funcionário passando sua na frente, já no início da peça e gritando: “cabe mais um ali, ó”, tentando acomodar todos os que vieram. Muitos, inclusive, aceitaram ficar em pé ou apertadinhos no chão do teatro. A segunda apresentação foi assistida por 329 pessoas. Em um teatro que comporta 250.

'4 comentários para “Engenho Mostra Um Pouco do que Gosta”'
  1. Agatha disse:

    Muito bacana esse projeto do Engenho! Valeu por compartilhar…

    Queria saber se vocês precisam de ajuda pra atualizar a revista. Notei que alguns links estão “quebrados” e eu gostaria de poder colaborar, caso precise…

    Bjo!

  2. Maria Ester disse:

    Assisti uma peça, faz um tempo e muito boa por sinal… Peça de auto estilo… Não me recordo o nome… Deixa ver se me lembro… Hummmm!!!Não me recordo agora… Mas esse trabalho que vcs fazem ao alcance de pessoas de poder aquisitivo baixo é muito importante, pois podemos ter mais lazer, teatro é cultura… E resumindo, suas peças são muito boas.

  3. Maria edna de moraes disse:

    gostaria de receber toda senana a progamaçao de voces . obrigado

  4. maria edna de moraes disse:

    gostaria que me enviasse semanalmente as progamaçoes do engenho. obrigada

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