Convergence 1.0

Críticas   |       |    14 de março de 2010    |    0 comentários

Diálogos Póstumos

Segue abaixo, na íntegra, a troca de e-mails referente à critica de Convergence 1.0 publicada em 1 de outubro de 2007 (assistida no SESC Santana no dia 28 de setembro de 2007). A apresentação fez parte da turnê Brasil/Argentina 2007 do espetáculo, que também incluía os festivais Porto Alegre em Cena e riocenacontemporanea.

De: Veronika Soboljevski
Enviado: Segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010, 9h51
Para: Bacante
Assunto: Para Mauricio Alcantara

Bom dia,

Eu sou a violoncelista de Convergence 1.0.

Em relaçao a sua critica, compreendo que o Sr. nao apreciou o espetaculo.

Mas, cito: “Ao fundo, uma violoncelista solitária cujo único papel é – já que ela tem o instrumento às mãos – tocá-lo.”

Sendo eu musica, que poderia fazer alem de tocar? Dança do creu?

Uma outra frase muito interessante:

“A música, realizada (e sintetizada) ao vivo, está lá para o que serve: ser trilha sonora.”:

Efetivamente, era este o objetivo! Bravo!

” Sua presença só se justifica para mostrar que de fato a projeção acompanha os sons do palco, porque Adrien não interage com ela, que fica ali no meio, sozinha, como um vaso. Mas vasos não fazem música …”

Sozinha, com um vaso!!! A musica? Ou eu?

Poderia me explicar? Seria interesante de saber!

Atenciosamente,

Veronika Soboljevski

De: Maurício Alcântara
Enviado: Quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010, 10h32
Para: Veronika Soboljevski
Assunto: Para Mauricio Alcantara

Oi Veronika,

O que ressalto em todo o texto é o que mais interferiu na leitura do espetáculo na época da crítica: ao longo de toda a apresentação, fica muito clara uma segmentação entre o que é o trabalho corporal do Adrien, o que é pesquisa tecnológica de movimentoXimagem e o que é música – e os limites defindos entre cada expressão.

O que, numa primeira leitura, não levantaria estranhamento nenhum, para mim (que tenho particular interesse na pesquisa por intersecções entre estas expressões) parece uma escolha formal que abre mão de um dos elementos mais ricos do uso da tecnologia como intermediadora de diferentes linguagens: o hibridismo, uma mescla entre as expressões utilizadas de forma que o público não consiga enxergar onde um deixa de necessitar do outro para que o espetáculo se concretize.

Em outras palavras, falo do quanto o espetáculo pode ser concebido não para ser a pura SOMA de música + dança + imagens, para ser algo que nasce para ALÉM dessa soma. É importante salientar que isso nada tem a ver com a qualidade ou com a importância de cada elemento, mas tem a ver com uma escolha estética que interfere diretamente na fruição do espetáculo como um todo.

Ao menos em minha leitura, fica claro um território definido e intransponível para cada elemento que cumpre seu papel na soma geral. Mas ao mesmo tempo, cada elemento não ressignifica a si próprio propondo, no espetáculo, uma outra leitura ou novos sentidos, seja para si, seja para os demais elementos. Isso ocorre, no máximo, quando a projeção amplia a percepção do público sobre os limites do corpo do Adrien – mas os limites da tecnologia por si própria também não são ressignificados (nem pelo performer, nem pela trilha sonora).

E neste cenário, a imagem da violoncelista ao fundo do palco é ainda mais solitária. Do que eu me lembro do espetáculo, sua presença em momento algum é ressignificada ou ao menos potencializada com o uso da tecnologia ou em alguma interação direta com o performer que também está ali, sendo visto pelo público no mesmíssimo palco, no mesmo espetáculo, ao mesmo tempo e compondo uma mesma obra – que, inclusive, se propõe justamente essa mescla de linguagens e que, não por coincidência se chama CONVERGÊNCIA.

O seu e-mail, salientando somente a leitura do que está relacionado à música, apartando-a do que se refere às escolhas estéticas gerais do espetáculo como uma única obra, é apenas mais um indício dessa minha percepção de diálogo restrito entre as diferentes “frentes” de Convergence 1.0. Bom, acho que é isso que quis dizer sobretudo com esses trechos que você aponta – e no geral, com toda a crítica.

No mais, agradeço por levantar esses pontos, pois faz revisitar uma crítica de 2007 propondo uma outra leitura. Se eu fosse escrever a crítica hoje, certamente ela se aproximaria muito mais do formato deste e-mail do que do texto de 2,5 anos atrás – com a diferença de que este e-mail já parte de um diálogo com você, artista, e da crítica original (enquanto aquela só partia de uma leitura individual, de uma única voz).

Espero poder continuar esse diálogo.

Abraços,
Maurício

De: Veronika Soboljevski
Enviado: Domingo, 7 de março de 2010, 18h08
Para: Maurício Alcântara
Assunto: Para Mauricio Alcantara

Obrigado por sua resposta,

Agora, entendo um pouco melhor seu ponto de vista sobre o espetaculo.

Sua analise é inclusive interesante, voce mostra algumas falhas deste primeiro espetaculo certamente com alguns defeitos.

Em relaçao ao papel da musica, efetivamente é possivel que ele nao estava bem definido claramente.

Adrien tinha a ideia de ilustrar duas solidoes, a do malambarista, e a do musico, duas solidoes que se completam mas nao se encontram jamais….

De outra parte, nos haviamos decidido que a musica nao teria um papel de ilustracao, que ela nao deveria necesariamente se colar aos movementos de Adrien, mas de ser um contraponto.

Eu queria trabalhar a musica como uma trilha sonora de cinema, instalando climas, emoçoes, e inserindo ao longo do espetaculo um tipo de “leitmotive”, como um fio condutor, uma ligaçao entre as diferentes cenas.

A independencia da musica no seio do espetaculo foi portanto uma escolha, mas talvez, pouco asumida… ( houve por exemplo uma cena onde os sons do violoncelo ativavam o movimento das bolas virtuais sobre a tela pela utilizaçao de captores sonoros)

O erro talvez, tenha sido intitular este espetaculo “Convergence”…

Atenciosamente,

Veronika Soboljevski

De: Maurício Alcântara
Enviado: Quarta-feira, 10 de março de 2010, 11h46
Para: Veronika Soboljevski
Assunto: Para Mauricio Alcantara

Oi Veronika,

Acho até que, menos do que encontrar “falhas” ou “defeitos”, vale pensar em leituras. Você comentando sobre as solidões que não se encontram desperta outras possibilidades de leituras potentes para a obra (que não anulam outras leituras que surgiram sem essa intermediação/discussão). Dá vontade de rever o espetáculo com esse filtro para continuar esse diálogo.

Mais que isso, acho uma pena que essa discussão esteja acontecendo somente aqui no e-mail, num âmbito privado. Gostaria muito de ouvir outras vozes, de outras pessoas que tenham visto o espetáculo e/ou que queiram participar dessa conversa. Para isso, queria muito pedir sua autorização para publicar essa nossa troca privada de e-mails na íntegra na Bacante, como uma nova crítica, em diálogo com a crítica de 2 anos e meio atrás. Posso colocar no site essa conversa, para que ela seja apenas o início de um diálogo, maior com mais gente?

Abraços,
Maurício

De: Veronika Soboljevski
Enviado: Domingo, 14 de março de 2010, 10h37
Para: Maurício Alcântara
Assunto: Para Mauricio Alcantara

Oi Mauricio,

Infelizmente, nos paramos com o espetaculo “Convergence 1.0” ha um ano….

Mas eu recomendo de assistir pela internet as imagens do novo espetaculo de Adrien: “Cinématique”, onde ele vai mais longe suas esquisas. Eu penso que este novo espetaculo possui mais maturitade e que a “convergence” existiu dessa vez!

E uma boa ideia abrir nossa conversa a outras pessoas, voce poderia sim publicar nossa discussao no Bacante!

Atenciosamente, Veronika

De: Maurício Alcântara
Enviado: Domingo, 14 de março de 2010, 22h45
Para: Veronika Soboljevski
Assunto: Para Mauricio Alcantara

Oi Veronika,

Vou pesquisar sobre o novo espetáculo do Adrien (e espero poder vê-lo pessoalmente) – como disse, a relação criativa entre a tecnologia e as artes cênicas é um assunto que me interessa muito (e que ainda tem muito o que ser pesquisado e explorado).

Sobre nossa conversa, que bom que você topou compartilhá-la. Acabei de publicá-la, na íntegra. Está aqui:

Convergence 1.0

Espero que ela continue nos comentários!

Abraços,
Maurício

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