DVD do grupo Tá na Rua

Críticas   |       |    11 de dezembro de 2008    |    2 comentários

Tá na TV

Provavelmente quando me perguntarem daqui a uns 40 anos o que me marcou nesses primeiros anos de virada de milênio, sem dúvida entre o grill George Foreman e o disco solo da Fernanda Takai (nota da Bacante: veja aqui a homenagem da Fernanda ao Emilliano), estará o advento (ui!) do DVD (e das rifas que sorteiam o aparelho). E com o tal, em tudo que é edital de cultura você encontra na lista o item gravações de DVDs (podendo escolher se prefere show musical, documentário, peça de teatro, ou vídeo-performance). Dentre os que enfatizam a carreira de grupos teatrais tradicionais brasileiros lançados nos últimos anos está o do grupo carioca Tá na rua, que busca um teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura e ator sem papel.

Falar do Tá na rua pra mim é a mesma coisa de falar do teatro de Bob Wilson ou de Miguel Falabella, nunca vi nenhuma apresentação ao vivo deles, apesar de já ter lido e ouvido falar sobre os tais (além de ter dançado salsa na sede do grupo na Lapa). Assistir ao DVD amplia os horizontes, quebra preconceitos tolos, cria outros, e propicia uma boa reflexão sobre o teatro popular produzido no Brasil nas últimas décadas.

Permanecendo na ativa 30 anos fazendo de teatro de rua, diferentemente de grupos surgidos mais ou menos na mesma época como o Galpão e o Ói nóis aqui traveiz que procuram manter o mesmo quadro de atores durante os anos, tem a sua frente apenas uma figura que permanece firme e forte a engatar o seu microfone diante das multidões: Amir Haddad. Durante o documentário percebe-se que esse fluxo de pessoas que vêm e vão (com um núcleo que tentou permanecer firme durante uns 15 anos), desde a união do grupo de Niterói com pessoas remanescentes de uma oficina no Teatro dos Quatro, se deve a problemas não tão diferentes a de outras companhias do país, como discordâncias ideológicas, e a uma falta de estruturação de produção nas primeiras décadas, que propiciaria condições financeiras dignas aos atores. Por outro lado, as oficinas oferecidas à comunidade pelo Tá na Rua durante toda a sua trajetória, permitiram que alguns alunos iniciados nessas oficinas fossem incorporados ao elenco.

A luta contra as convencionalidades de um teatro burguês parece ser repassada ao DVD, em que as preocupações com edição, áudio, limpeza e conforto são substituídas por um desconforto e imprevisibilidade como o teatro que realizam. Somos surpreendidos por uma sucessão de imagens que mantêm uma ordenação cronológica dos fatos, porém a cada momento têm-se um tipo de áudio (tive que ficar aumentando e diminuindo o volume da televisão o tempo inteiro), o documentarista que fica escondido acaba falando com o entrevistado (sem edição clara), músicas carnavalescas entram e saem (sem necessariamente ter a ver com o clima), num jogo de quase improviso cinematográfico. É parecido com a bagunça arrumada que costumam fazer nas ruas, uma festa em que preocupações sociais parecem ter mais importância do que soluções estéticas.

O trabalho do grupo lembra em parte a commedia dell’arte, em que atores divididos em personagens tipos, arquétipos da sociedade vigente, seguem um roteiro pré-determinado, porém aberto, que possibilite improvisações e interações com a platéia (que na maior parte do tempo é composta pela grande massa de trabalhadores que não têm acesso ao teatro formal), podendo durar trinta minutos ou quatro horas. Esses arquétipos acabam reproduzindo através do deboche os tipos sociais. É o caso de Luci, a mulher que grita, rodopia e cai, e do o “negro do grupo”, um loiro alto, forte, de cabelo liso que faz todo o trabalho braçal nas apresentações (e ainda por cima ganha uns tabefes da molecada).

As imagens mostradas dos espetáculos (que têm nomes criativos que vão de Iraildes ou a moça que beijou o jumento pensando que era Roberto Calos a Dar não dói, o que dói é resistir) buscam refletir o lema (que parece até coisa de teatro pós-dramático) “teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura, ator sem papel”. Contudo, não é que não haja espaço, texto e personagens, mas esses três são desconstruídos para que a comunicação direta com o público seja construída. A intenção é promover através de uma brincadeira popular uma reflexão sobre o estado sócio-econômico-cultural em que as pessoas vivem, sem tentar incorporar um pragmatismo construído pelos intelectuais. É o teatro agindo em nome de uma atitude e criado a partir do olhar do povo. O resultado não podia ser igual a de grupos de rua brasileiros que apesar de “explodir o palco italiano” mantêm a distância entre espectadores e atores. Seria interessante ter acompanhado as apresentações ao vivo nos anos 80, 90 e hoje (mas infelizmente nos primeiros anos eu ainda era um bebê, e não tive a sorte – ou azar – de ter nascido no Rio), com diferentes públicos, e ver até que ponto essa grande bagunça teatral influencia as pessoas e promove experiências que poderíamos classificar como arte.

Pra minha sorte, diferentemente dos documentários do Grupo Galpão ou dos Doutores da Alegria, o Tá Na Rua ao invés de montar uma banquinha para vender os seus produtos patrocinados pela Petrobrás, está distribuindo entre os grupos teatrais do país o seu DVD (que vem acompanhado de um livro e uma revista), uma boa forma de compartilhar com a classe um pouco da experiência acumulada durante os anos.

01 trilha danada de boa pra se cantar em excursão, ou numa praça às 4 da manhã.

'2 comentários para “DVD do grupo Tá na Rua”'
  1. Astier Basílio disse:

    pirateia pra mim, Pu.
    Abração,
    Primo

  2. Blz Primo! Vamos fazer funcionar a corrente pela democratização de dvds!

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