Retratos Falantes, Parte 1

Críticas   |       |    17 de março de 2008    |    0 comentários

De gente mala e de alcoólatras o teatro está cheio…

De algum tempo para cá, a temporada paulistana recebeu uma dose de Tapa acima da média. Não que as coisas estejam mais agressivas ou que o teatro tenha embarcado numa modinha mais radical de teatro físico, mas o Grupo Tapa parece estar a todo vapor. Eles participaram do I Festival Ibero-Americano de Teatro de São Paulo com seu espetáculo A Mandrágora, reestrearam o espetáculo Camaradagem, estão em cartaz com A Moratória no SESC Consolação e, não contentes, também estão no SESC Vila Mariana com o projeto Retratos Falantes. Bom, muitas apresentações é o mínimo que se espera de um dos grupos com maior verba do programa municipal de fomento ao teatro, num é mesmo, minha gente?

Dividido em duas partes, o projeto Retratos Falantes é composto por quatro monólogos do dramaturgo inglês Alan Bennet, escritos originalmente para a BBC – na verdade, parece que eram seis no total, e o Tapa escolheu quatro, mas como isso é informação do programa (e geralmente programas compõem uma bibliografia bastante questionável), eu não ouso afirmar. Nesta primeira parte, um monólogo interpretado por Chris Couto (sim, aquela que saiu da MTV pra ir pro Vídeo Show), e outro interpretado por Clara Carvalho (que também assina a tradução da bagaça). A segunda parte trará no elenco Brian Penido Ross e ela, Odete Roit… digo… Beatriz Segall.

Nenhum título poderia ser mais sincero do que Retratos Falantes. Encarar um monólogo como um retrato (invariavelmente posado) de um personagem é estar consciente de que o próprio não se mostrará da maneira como ele é, mas como ele quer ser visto quando se apresenta – o que resolve um bocado a questão essencial que Valmir Júnior e Daniele Ávila já levantaram por aqui, sobre o fato dos monólogos sempre tornarem os personagens meio loucos: ou conversam com quem não existe, ou com o espelho.

Chris Couto interpreta Leslie, uma atriz que, na busca por um papel que a consagre, acaba no desespero para aceitar qualquer proposta (alguém aí conhece uma pessoa assim?). Nesta afobação, mostra-se uma atriz despreparada, devoradora de auto-ajuda e, acima de tudo, mala. E bota mala nisso. E que fique claro que estou falando da personagem, e não da Chris.

No segundo monólogo, Clara retrata (há! sacou?) a mulher de um reverendo da Igreja Anglicana que, apesar de se chamar Susan, por muitas pessoas ela era tratada apenas como “a mulher de um reverendo anglicano”. Acontece que seus pensamentos e suas atitudes não condizem exatamente com o que sua comunidade espera de seu papel – questiona a existência de deus, não tem o menor jeito com pequenas coisas do dia-a-dia, é alcoólatra e descobre sua salvação entre suas idas ao mercadinho indiano para comprar mais bebida.

Além de retratar duas personagens forçadas a encarar a vida esquizofrênica de personagens que elas não são, anulando-se para atender à expectativa das outras pessoas, também vemos retratadas duas atrizes: uma lutando contra o nervosismo para “fazer direito”, estabelecendo em cena uma linguagem que lembra a da stand-up comedy para fazer rir; enquanto a outra, sem cerimônias (há! sacou?) e da forma mais “stanislavskiana” possível (com direito até a elementos de cenário!), tira gargalhadas da platéia até mesmo nos momentos mais dramáticos de seu texto. Neste contexto, ganha muito mais força a crítica às hipocrisias da sociedade protestante do que a divertida sátira à realidade do “mercado de trabalho” da turminha da classe artística.

4 monólogos, em 2 parcelas mensais

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