Impostura
Quarta-feira: Impostura
Virar a madrugada de um dia qualquer, no meio da semana, apenas bebendo e conversando na maioria das vezes é uma das coisas mais gostosas de se fazer, curtindo a companhia dos amigos, sem se preocupar com o sono ou a ressaca que sentirá no dia seguinte. Isso quando existe o dia seguinte, e a madrugada insone tem seu fim.
Não é exatamente o caso dos três personagens de Impostura, peça de Marici Salomão e dirigida por Fernanda D’Umbra. Em uma madrugada de quarta-feira, uma mulher chega a seu apartamento acompanhada de uma garota que acabou de conhecer. Ambas estão bêbadas e excitadas, e não parecem estar nem um pouco preocupadas com o marido/ namorado/ roomate de uma delas, um desagradável escritor fracassado e alcoolizado sentado no sofá com uma garrafa de uÃsque quase no fim.
Então o casal alcoolizado (o escritor e sua roomate) começa um bombardeio de ofensas e farpas, provocações que vão crescendo e se tornando cada vez mais agressivas. Um jogando na cara do outro seus problemas, defeitos, frustrações e humilhações. Nem mesmo a visitante, que nada tem a ver com a relação dos dois, totalmente deslocada e sem a menor chance de reagir ou fugir, é poupada do furacão daquela relação que há muito deixara de ser saudável.
E os três ficam ali a madrugada inteira, imersos em um turbilhão de rancor, álcool, desejo e cigarro (nada de amor, nada de bons sentimentos). Uma sujeira corruptora se alastra para todos os lados e corrói tudo o que encontra pela frente, em uma avalanche imunda que não é freada nem mesmo por uma grande fatalidade, naquela noite que parece que jamais terá fim.
Um espetáculo curto, de dramaturgia minimalista porém intensa, com uma direção bem conduzida, focada no texto e nas atuações, sem frescuras e firulas. A trilha sonora é bem escolhida apesar de passar um pouco da medida, e a maior ressalva está na iluminação, um tanto exagerada para uma montagem essencialmente contida, mas que acaba interferindo muito pouco no resultado final. Destaque para a atuação de Fernanda D’Umbra, que mais uma vez tem a platéia inteira em suas mãos com seu vozeirão e sua presença em cena, em uma das melhores atuações da mostra.
Em resumo, uma peça tensa, suja e desagradável, que a platéia torce para que acabe logo, seja para acabar com tamanha angústia, seja também para aplaudir a um dos melhores espetáculos do projeto.
4 queimaduras de cigarro
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